A Convenção sobre o futuro da UE

Iniciou-se em 28 de Fevereiro, sob a Presidência espanhola da União
Europeia, uma nova Convenção, presidida por Giscard D`Estaing,
para debater e propor reformas dos tratados da União Europeia, que só
o Conselho e os parlamentos nacionais podem alterar.

Entre frases mais ou menos pomposas para a circunstância, como a de Pat
Cox, actual Presidente do Parlamento Europeu "é o desafio de uma
geração de europeus", a do próprio Presidente da Convenção
que espera que "o seu êxito se venha a sentir dentro de 25-50 anos
em que a Europa terá mudado o seu papel no mundo e será respeitada
e escutada como uma potência económica e também política"
e a do próprio Prodi, Presidente da Comissão, ao considerar que
"chegou o momento em que os povos são chamados a afirmar e a definir
as razões porque estão juntos", a verdade é que a
Convenção nasce manca e pouca disposta a centrar-se nas questões
que verdadeiramente preocupam os nossos cidadãos, ao contrário
do que afirmou José Maria Aznar, o primeiro-ministro de Espanha e actual
Presidente da União Europeia.

Desde logo, nesta Convenção, decidida no final da presidência
belga, em Dezembro passado, não estão representados os cidadãos
da União Europeia, dado que não participam, em pé de igualdade,
as diversas forças políticas directamente eleitas nos Estados-Membros.
Apenas estão, como efectivos, eleitos nacionais dos dois maiores partidos,
o que, no caso português, significa um deputado do PS e um deputado do
PSD, ou seja, exactamente aqueles que têm posições idênticas
em termos de defesa do federalismo e do neoliberalismo que impera actualmente
nas políticas comunitárias. As outras forças políticas,
mais ou menos críticas deste modelo e desta via, são afastadas.
O que também, só por si, demonstra claramente o tipo de democracia
que se está a defender para o futuro.

É certo que a Convenção não tem poderes constitutivos
nem pode alterar os Tratados, mesmo que os mais federalistas gostassem que assim
fosse. Mas até Junho de 2003, os 105 representantes de 28 países
(15 Estados-membros e 13 países candidatos, incluindo a Turquia, apesar
da democracia continuar a ser letra morta neste país), vão preparar
um relatório final que será presente na Cimeira de Atenas.

Usando como argumento o futuro alargamento, nos seus objectivos está
previsto preparar uma nova organização da União Europeia,
para a qual já não faltam contributos dos maiores, que querem
aproveitar para reforçar os seus poderes. Veja-se a carta dos dois primeiros
ministros da Alemanha e do Reino Unido, Gerhard Schröder e Tony Blair,
ao actual Presidente da União Europeia. Aí está a proposta
de reforço do papel do Conselho e da sua Secretaria Geral, através
de uma maior centralização e concentração do poder,
com menos conselhos sectoriais, aumento do número e do âmbito das
decisões por maioria, e da redução, na via para a eliminação,
do poder de veto dos pequenos e médios Estados-membros relativamente
a questões que considerem prejudiciais dos interesses e direitos dos
seus povos.

Assim, haverá cada vez menos espaço e possibilidade de os pequenos
e médios países incomodarem, com os seus problemas concretos,
os grandes senhores que, entre si, e à margem do Conselho, vão
decidindo em áreas cada vez mais importantes das políticas externa,
de defesa, judicial e outras. Interessante é que não confiem à
Comissão o debate de propostas neste sentido, mas sim a Javier Solana
para a Cimeira de Sevilha.

Simultaneamente, é provável que na Convenção haja
propostas de reforço dos poderes do Parlamento Europeu, à custa
da capacidade de decisão dos parlamentos nacionais e de uma maior partilha
do poder com o Conselho, num quadro em que a lógica inter-governamental
estará seriamente afectada e, portanto, onde será cada vez menor
a capacidade dos eleitos e dos governos dos países pequenos e médios
influenciarem decisões.

Ora, quando tanto se fala da necessidade de revitalizar a democracia e de aproximar
o poder das pessoas, o caminho a seguir devia ser o inverso. Devia passar por
tornar mais forte a capacidade de intervenção dos Parlamentos
Nacionais nas diversas áreas comunitárias, tornado-os o centro
da construção das decisões políticas da União
Europeia, de forma a facilitar a revitalização da democracia e
a aproximar o mais possível as decisões dos cidadãos. Daí
a importância que tem dar-se a maior atenção ao desenvolvimento
destes trabalhos para denunciar o que se está a passar e tentar influenciar
um caminho mais correcto.

Ilda Figueiredo