Exposição de motivos
Enquanto a generalidade dos trabalhadores enfrentam o brutal aumento do custo de vida, alguns grupos económicos, sobretudo dos sectores energético, bancário, segurador e da distribuição alimentar, vêem engrossar os seus resultados líquidos beneficiando e contribuindo para a espiral de aumento de preços, através de movimentos especulativos de aproveitamento oportunístico da situação internacional.
A título de exemplo:
- Na energia, a Galp regista lucros de 608 milhões de euros nos primeiros nove meses do ano, correspondendo a um aumento de 86% face a igual período de 2021;
- Na banca, os cinco maiores bancos registaram lucros fabulosos nos primeiros 9 meses do ano: o Novo Banco obteve 428,3 milhões de euros (o triplo do registado em igual período do ano passado); o Santander, 385 milhões (o dobro do registado em igual período do ano passado); o BPI obteve lucros de 286 milhões de euros (mais 18% face a igual período de 2021); o BCP, na sua atividade nacional, obteve 295 milhões de euros de lucros (aumento de 56% face a igual período de 2021);
- As seguradoras obtiveram lucros de 320 milhões de euros no primeiro semestre de 2022, superando em 5 milhões o registado em 2021 e em 121 milhões de euros o registado em 2020;
- Na grande distribuição alimentar, a Jerónimo Martins obteve lucros de 419 milhões de euros, um aumento de 29,3% em relação ao período homólogo; já a Sonae foram de 118 milhões de euros os lucros neste período, praticamente o dobro do ano passado.
Ora, estes aumentos não resultam de maior investimento (no caso da Galp, regista-se pelo contrário a destruição de investimento, como aconteceu com o encerramento da refinaria de Matosinhos), mas sim do aproveitamento do contexto internacional para aumentar as suas receitas.
O Governo tem-se recusado a uma intervenção de fixação de preços e de retoma do controlo público sobre sectores estratégicos, colocando-os ao serviço do desenvolvimento económico do país e evitando a especulação que pesa sobre os trabalhadores e as micro, pequenas e médias empresas (MPME).
A taxação extraordinária destes ganhos extraordinários revela-se da mais elementar justiça, face aos sacrifícios suportados pela maioria da população, e permite arrecadar receitas que possam ser utilizadas para aumentar os apoios às famílias e às MPME para fazer face ao aumento dos preços, reduzir a tributação sobre o trabalho, os rendimentos mais baixos e intermédios e o consumo, bem como investir nos serviços públicos.
O PCP não está contra os lucros em abstracto ou que as empresas sejam lucrativas, como alguns querem fazer crer. No seu Programa «Uma democracia avançada - Os valores de Abril no Futuro de Portugal» defende, nos termos da Constituição da República, uma «organização económica mista liberta do domínio dos monopólios, com sectores de propriedade diversificados e com as suas dinâmicas próprias e complementares, respeitadas e apoiadas pelo Estado» onde se integra, a par de um sector empresarial do Estado e de um sector cooperativo, «um sector privado constituído por empresas de variada dimensão (na indústria, na agricultura, na pesca, no comércio, nos serviços)» e uma estratégia de desenvolvimento que tenha entre outros vetores «o planeamento descentralizado e participado (...) tendo em conta o mercado». O que o PCP contesta neste seu Projeto de Lei, é a maximização dos lucros resultantes de posições dominantes, monopolistas, da cartelização e de actividades especulativas, que aliás não corroem apenas o poder de compra das famílias, mas também a atividade da generalidade das micro, pequenas e médias empresas.
O PCP apresentou uma proposta neste sentido no Orçamento do Estado para 2023, tendo sido rejeitada com os votos contra de PS, PSD, IL e CH. Entretanto, a Proposta de Lei apresentada pelo Governo revela-se, para lá de tardia, muito limitativa, quer quanto aos sectores abrangidos, quer quanto à parcela de lucros que serve de base de cálculo da contribuição, apenas considerada acima dos 20% de aumento face à média dos últimos anos. A presente iniciativa do PCP visa criar uma contribuição que não fique sujeita a essas limitações, além de evitar possíveis subterfúgios para os grandes grupos económicos a que se dirige.
Nesse sentido, os deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o seguinte projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente Lei cria a Contribuição Extraordinária sobre Lucros, de combate à especulação e práticas monopolistas (CEL).
Artigo 2.º
Incidência subjetiva
A CEL é aplicável aos sujeitos passivos de IRC residentes, bem como aos sujeitos passivos de IRC não residentes com estabelecimento permanente em território português, que desenvolvam atividades nos setores energético, bancário, segurador e da distribuição alimentar e que obtenham resultados líquidos superiores a 35 milhões de euros nos anos económicos de 2022 e 2023.
Artigo 3.º
Incidência objetiva
- A CEL é aplicável aos lucros excedentários apurados nos períodos de tributação para efeitos do IRC que se iniciem nos anos de 2022 e 2023, considerando-se lucros excedentários a parte dos lucros tributáveis, determinados nos termos do Código do IRC, relativamente a cada um dos períodos de tributação, que exceda a média dos lucros tributáveis nos quatro períodos de tributação com início nos anos de 2018 a 2021.
- Nos casos em que a média dos lucros tributáveis relativa aos quatro períodos de tributação referidos no número anterior for negativa, considera-se que essa média é igual a zero.
Artigo 3.º
Taxa
A taxa da CEL aplicável sobre a base de incidência definida no artigo anterior é de 35 %.
Artigo 4.º
Não dedutibilidade e salvaguarda dos consumidores
- A CEL não é considerada um encargo dedutível para efeitos da determinação do lucro tributável em IRC, mesmo quando contabilizado como gastos do período de tributação.
- A CEL não pode ser repercutida nos preços pagos pelos consumidores por bens ou serviços.
Artigo 5.º
Regulamentação
A regulamentação da presente contribuição, designadamente quanto à aplicação de um regime de retenção na fonte semestral, assim como quanto ao procedimento e forma de liquidação, é objeto de decreto-lei.
Artigo 6.º
Infrações
Às infrações das normas previstas na presente lei são aplicáveis as sanções previstas no Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho.