O sector das pescas, para além da importância estratégica que tem para o abastecimento público de pescado e para o equilíbrio da balança alimentar dos Estados-membros, contribui também, consideravelmente, para o bem-estar socioeconómico das comunidades costeiras, o desenvolvimento local, o emprego, a manutenção/criação de actividades económicas e de postos de trabalho a montante e a jusante da pesca.
A Política Comum de Pescas da UE, até hoje, negligenciou a importância da multifuncionalidade do sector e, com ela, a chamada produção de bens públicos.
A profunda crise económica e social que afecta o sector das pescas, resultado duma política cuja orientação central se resumiu, em muitos casos, ao abate indiferenciado de embarcações, compromete a libertação e o aproveitamento pleno do enorme potencial do sector, em múltiplos domínios, como o económico, o social, o histórico-cultural, o científico, o educativo ou o ambiental, entre outros.
A questão que se coloca, Sra. Comissária, é se vai a reforma em curso da PCP contribuir para alterar este quadro, ou se, pelo contrário, o vai manter ou até mesmo agravar.
Infelizmente, os sinais até agora dados pela Comissão não são animadores. Podemos mesmo dizer que são inquietantes.
A defesa de uma crescente orientação da PCP para o mercado e da supressão progressiva de apoios públicos - filosofia geral que inspira a reforma - esquece que o mercado não reconhece e não remunera devidamente muitas das chamadas externalidades positivas, no plano ambiental e social, pelas quais são responsáveis segmentos da frota menos competitivos de um ponto de vista estritamente económico.
É sabido que, no contexto geral do sector da pesca, a pequena pesca costeira e a pesca artesanal - segmentos largamente maioritários em muitos Estados-membros - assumem uma particular importância para a multifuncionalidade e a produção de bens públicos. Ora, a importância destes segmentos da frota não é suficientemente reconhecida na proposta de reforma da Comissão.
Pelo contrário, a Comissão adopta uma definição de pesca de pequena escala redutora e desfasada da realidade, ao mesmo tempo que propõe uma modificação do sistema de gestão da PCP, assente na criação, com carácter obrigatório, em todos os Estados-membros, de um sistema de concessões individuais transferíveis, que poderá prejudicar gravemente a pequena pesca costeira e a pesca artesanal e, com elas, a multifuncionalidade do sector e a produção de bens públicos.
Se este sistema for por diante - o que tudo faremos para que não venha a acontecer - nenhuma, repito nenhuma!, das cláusulas de salvaguarda já propostas pela Comissão poderá travar a inevitável concentração da actividade nos operadores com maior poderio económico e financeiro, primeiro à escala nacional, mas inevitavelmente, mais tarde ou mais cedo, à escala europeia. Seria um forte contributo mais para o declínio de muitas comunidades costeiras mais dependentes da pesca.
Estas são orientações que urge travar e inverter.
Existem outros caminhos - caminhos alternativos que permitam inverter o declínio do sector e contribuir para um aproveitamento pleno do seu potencial.
E que passam por propostas como:
- A articulação do novo Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas com outros instrumentos, designadamente a política de coesão, para promover a coesão do tecido económico e social das comunidades costeiras mais dependentes da pesca;
- O apoio às actividades económicas associadas à pesca, quer a montante quer a jusante; a diversificação - que não substituição! - das actividades de pesca, com desenvolvimento de actividades complementares;
- Deverão ser privilegiados os projectos com soluções integradas, que beneficiem o conjunto das comunidades costeiras, tão amplamente quanto possível, em detrimento daqueles que beneficiam apenas um número reduzido de operadores. O acesso a estes projectos deverá ser garantido a pescadores e famílias e não apenas a armadores;
- A promoção do rejuvenescimento do sector, com entrada de jovens na actividade, assegurando-se um apoio, entre outras, à satisfação das necessidades ao nível da formação profissional e do início da actividade. A valorização das actividades desenvolvidas em terra; o reconhecimento e valorização do papel das mulheres na pesca;
- A elaboração de um programa comunitário de apoio à pequena pesca, que, articulando instrumentos diversos, designadamente no plano financeiro, dê resposta aos problemas específicos deste segmento e apoie uma gestão de proximidade, sustentável, das pescarias envolvidas.
Estas são algumas das propostas que, pensamos, a reforma em curso deveria acolher, entre muitas outras que constam da nossa resolução, a bem do reconhecimento da multifuncionalidade do sector das pescas e da produção dos chamados bens públicos.