Intervenção de

Contrato de trabalho em funções públicas

 

 

 

Regime de contrato de trabalho em funções públicas

Sr. Presidente,
Sr. Ministro de Estado e das Finanças,

Este diploma do contrato de trabalho em funções públicas constitui um verdadeiro código do trabalho para os trabalhadores da Administração Pública. Trata-se, assim, de uma das peças fundamentais do ataque que o Governo está a levar a cabo contra a Administração Pública e os seus trabalhadores. Começou com o PRACE, passou pelo SIADAP e passa também, entre outros, pelo diploma de vínculos.

Hoje discutimos o contrato de trabalho em funções públicas, que constitui um claro retrocesso social e é uma peça da engrenagem que alterou para pior, para muito pior, as relações laborais na Administração Pública.

Esta proposta do Governo tem por base o actual Código do Trabalho, da responsabilidade do PSD e do CDS-PP, e aquilo que o Governo nos diz, no próprio preâmbulo, é que se vai alterar o diploma de acordo com o que resultar do novo Código do Trabalho, ou seja, vamos aprovar uma proposta de lei com cerca de 1100 artigos para, daqui a uns meses, voltar a discutir este diploma. Importa também referir que este diploma foi discutido com os sindicatos a um ritmo de 130 artigos por hora, ou seja, foram quatro reuniões para discutir um diploma desta complexidade.

Isto não é negociar, é fazer-de-conta! A Administração Pública é, assim, e mais uma vez, uma espécie de cobaia para as alterações da legislação laboral. Isto, além de pouco sério, é brincar com a estabilidade jurídica, é brincar com os direitos dos trabalhadores e demonstra a falta de respeito que este Governo tem por milhares de trabalhadores da Administração Pública.

Sr. Ministro das Finanças, face ao compromisso de ter em conta o novo Código do Trabalho, face à necessidade de, nessa altura, voltar a promover negociações com os sindicatos, não seria mais prudente suspender o processo legislativo?

Uma segunda questão, Sr. Ministro: em face das alterações que se verificaram, o Governo está ou não disposto a retirar dos diferentes códigos da Administração Pública a matéria do despedimento por inadaptação?

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

Queria começar por registar que o Sr. Ministro não deu qualquer garantia de que o despedimento por inadaptação vai sair deste diploma.

 

O contrato de trabalho em funções públicas que o Governo propõe (proposta de lei n.º 209/X) é sem margens para dúvidas um retrocesso social e constitui mais um ataque inaceitável à estabilidade no trabalho e ao trabalho com direitos.

 

No preâmbulo deste diploma, o Governo utiliza a mais descarada propaganda quando afirma ter, "como preocupação fundamental", combater a precariedade e a manutenção e reforço dos direitos dos trabalhadores. Não passam de mentiras se analisarmos o articulado.

 

Quanto aos direitos dos trabalhadores o Governo propõe:

 

No artigo 164.º e seguintes, introduz a desregulamentação dos horários de trabalho através da adaptabilidade, que abre as portas a horários de trabalho que podem atingir as 50 horas de trabalho semanal acabando assim, na prática, com a noção de horário de trabalho e consequentemente acaba com o pagamento de trabalho extraordinário.

 

O Governo introduz a caducidade dos contratos colectivos de trabalho com aspectos mais gravosos que o actual código, obrigando assim, também na Administração Pública, os sindicatos a negociar sob a ameaça de caducidade.

 

O trabalho nocturno passa a ser considerado a partir das 22 horas e não das 20 horas, como actualmente, o que acarreta consequências para a segurança no trabalho e nos vencimentos dos trabalhadores.

 

 

Este diploma traz também um ataque à liberdade sindical: o Governo pretende determinar quem pode ou não negociar convenções colectivas de trabalho e o número de dirigentes que têm direito a crédito de horas para a actividade sindical. Propõe que apenas um em cada duzentos trabalhadores sindicalizados tenha direito a este crédito de horas com um limite de cinquenta activistas. Com a excepção dos sindicatos que representam os trabalhadores das autarquias locais, que têm um regime mais favorável, este mecanismo constitui um gravíssimo ataque a liberdade sindical e visa condicionar a sua actividade.

 

Quanto a precariedade o Governo propõe:

 

Ao contrário do que acontece no sector privado, os contratos a termo nunca se convertem em contrato sem termo. O Governo utiliza a desculpa da obrigatoriedade de concurso para promover a precariedade. O Governo bem sabe que, no futuro, a abertura de concurso depende de aprovação do Ministério, pelo que estes trabalhadores não têm nenhuma garantia que esse concurso venha sequer a existir.

 

 

O Artigo 394.º vem responder a uma velha aspiração do PSD e permite a cessação do contrato de trabalho por acordo.

 

O Artigo 406.º e seguintes prevêm o despedimento por inadaptação. Para o Governo, se se tratar de um trabalhador com grau 3 de complexidade funcional, ou seja, que exige uma licenciatura, o não cumprimento dos objectivos leva de imediato a um processo que pode culminar no despedimento. No estatuto disciplinar os trabalhadores nomeados podem ser despedidos se houver duas avaliações negativas. Aos restantes trabalhadores aplica-se o regime de despedimento por inadaptação previsto no artigo 407.º, bastando alegar a "redução continuada da produtividade ou qualidade" ou "avarias repetidas nos meios afectos ao posto de trabalho", conceitos demasiado vagos que permitem fundamentar um despedimento sem justa causa.

 

Não podemos deixar de salientar a curiosa posição da UGT. No sector privado não aceita o despedimento por inadaptação, na Administração Pública deu o seu acordo a um diploma onde se prevê esta forma de despedimento.

 

Assim o Governo não só introduz o despedimento por inadaptação na administração pública, agravando o regime actualmente em vigor para o sector privado, como introduz um conjunto significativo de mecanismos que precarizam as relações laborais dos Trabalhadores da Administração Pública.

 

 

Mas quanto à precariedade, importa lembrar que não se trata de um diploma isolado. O Governo prevê noutros diplomas que a simples alteração do mapa de pessoal pode determinar que estes trabalhadores, mesmo com contrato de trabalho em funções públicas possam ir para o regime de supranumerários.

 

Importa referir que o Governo nada diz quanto ao outsourcing. Este é o caminho para a desregulação das relações laborais, é o caminho para a privatização dos serviços e para a exploração dos trabalhadores. Sobre isto o Governo nada diz, antes pelo contrário, estimula.

 

Bem pode o Governo gabar-se que conseguiu um acordo em concertação social, os trabalhadores irão avaliar quem deu o seu acordo a um diploma que constitui um gravíssimo retrocesso social. Importa dizer aos trabalhadores que a UGT cumpriu o seu papel histórico e mais uma vez assinou um acordo que não serve os interesses dos trabalhadores. Razão têm a CGTP e a Frente Comum em liderar a contestação a este diploma e mobilizar os trabalhadores para fazer frente a este Governo e a este diploma. Face à previsível aprovação, por parte do PS, deste diploma o caminho para os trabalhadores é a luta para derrotar na rua este Governo e a sua política de direita.

 

Disse.

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