Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República, Debate do Programa de Estabilidade e Crescimento para 2011-2014

Contra o PEC, PCP afirma a necessidade de uma política patriótica e de esquerda

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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

Vamos votar daqui a pouco! Vamos votar e saber se este novo PEC, com todas as graves e injustas medidas que comporta, é ou não viabilizado.

É que, tendo relevância a forma como nasceu, como e quem o construiu e apresentou, sendo justificado fazer uma crítica severa à posição dúplice do Governo, por um lado, arrogante perante os portugueses e as instituições democráticas e, por outro, subserviente perante o directório de potências que comandam a União Europeia, o seu conteúdo e alcance é que são determinantes.

Importa saber do que estamos a tratar.

O que este PEC propõe é mais congelamento e desvalorização dos salários, incluindo o salário mínimo nacional; prolongar o congelamento e a desvalorização das pensões e reformas; mutilar e reduzir os direitos dos trabalhadores, facilitando e embaratecendo os despedimentos; novas reduções na comparticipação dos medicamentos; novos cortes no subsídio de desemprego e noutros apoios sociais; mais cortes cegos nos serviços públicos, na saúde e na educação; mais alienação do património público empresarial; mais cortes no investimento e nas transferências para o poder local; mais aumentos do IVA.

Do que estamos aqui a tratar é de saber se, depois de tanto sacrifício imposto, não para todos, Sr. Ministro das Finanças, mas para quem vive dos rendimentos do seu trabalho, da sua pensão ou reforma, das suas pequenas e médias actividades empresariais, sempre em nome da crise, aceitamos mais um passo adiante nessa escalada de retrocesso social, de injustiças, com o País a andar para trás.

Do que se trata é de decidirmos sobre mais um PEC que mantém intocáveis os interesses, os privilégios, os lucros abissais dos poderosos, que não contém uma ideia, uma medida que indicie a resolução dos problemas centrais do País — o crescimento económico, a criação de riqueza e a sua melhor distribuição, a criação de emprego.

E já não colhe a ideia, aqui hoje repetida sistematicamente pelo Sr. Ministro de Estado e das Finanças, essa tese pisada e repisada dos sacrifícios para todos os portugueses. Diga lá, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, qual é o sacrifício da banca! Diga lá qual foi o sacrifício da distribuição dos dividendos dos accionistas da PT!

Até me desiludiu, tendo em conta o seu rigor técnico, pois foi capaz de dizer que a banca está a pagar mais quando, na prática, pagou menos impostos, apesar de ter lucros fabulosos!

No seu argumento usou uma metáfora, que era preciso «impedir que se matasse a galinha dos ovos de ouro». A metáfora é muito resvaladiça, Sr. Ministro de Estado e das Finanças: é que a questão não está em «matar a galinha», está em fazer frente aos «tubarões» que os senhores não têm coragem de desafiar!

Vem o Governo proclamar, em nome do interesse nacional e da acalmia desses sujeitos todo-poderosos e chamados mercados, que não passam dos megabancos, que este PEC evita o recurso à ajuda externa.

Era bom saber se, afinal, essa ajuda vinda do Fundo Europeu ou do FMI é uma ajuda ou é uma ameaça.

Obviamente, é uma ameaça e obteve uma vitória nessa cimeira europeia.

Que vitória é essa quando, nessa cimeira, o que se propõe é mais e mais sacrifícios ao povo português, quando se perspectiva a alienação de novas parcelas de soberania, se o Governo PS — sublinho, PS — aceita e avaliza a declaração de guerra aos trabalhadores e aos povos dos países economicamente mais vulneráveis e a institucionalização dos dogmas do neoliberalismo pela via da chamada governação económica e do rebaptizado pacto do euro que amanhã vai estar em cima da mesa do Conselho Europeu? Com o apoio do PSD e do CDS, diga-se!

A propósito do PSD, uma observação: demarca-se deste PEC com o argumento de quem tem autoridade que resulta da viabilização de todos os PEC anteriores e das gravosas medidas do Orçamento do Estado. Ora, isso não dá autoridade mas co-responsabilização e cumplicidade naquilo que hoje mais dói aos portugueses!

E mesmo agora, no seu projecto de resolução, é farto na análise e na crítica mas muito estéril quanto às medidas alternativas. Não diz porque não quer que se saiba, não vão os portugueses perceber que «saltando da frigideira correm o risco de cair no lume».

Com franqueza, afirmava a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite que o conteúdo das medidas pouco importa, o que importa é quem as executa.

Errado, Sr.ª Deputada! Ao reformado, que vê a sua reforma congelada, ao trabalhador desempregado, ao trabalhador que vê o seu salário cortado, interessa o facto em si e a medida, independentemente da crítica e da luta que faz contra quem a executa!

O Primeiro-Ministro José Sócrates diz que se vai embora, que o Governo se demite se o PEC não for aprovado. Outra vez a chantagem, outra vez a armar-se em vítima quando quem está a ser vitimado e injustiçado é a maioria do povo português. Diz que quer ir embora, não porque não consegue vencer uma boa causa, mas porque não consegue fazer vingar uma malfeitoria.

Vem pôr o dilema: ou este PEC, com estas medidas, ou será o caos e o desastre nacional. É um falso dilema.

Por que é que tem de ser este PEC com todas estas medidas e não outras? Se é o próprio Governo, mesmo a contar com este PEC, a admitir que vai haver recessão e mais desemprego, então, para além da mudança de Governo, a questão nuclear reside na necessidade urgente de uma ruptura com a política de direita, uma profunda mudança na vida política nacional que abra caminho a uma política patriótica e de esquerda, com um governo capaz de a concretizar.

Para o PCP, Portugal não está condenado ao atraso nem à perda de soberania; Portugal não é um País pobre. Aproveitem-se as potencialidades nacionais, com a promoção do aparelho produtivo e da produção nacional, factor essencial para criar mais emprego; o reforço doinvestimento público; o alargamento dos serviços; o fim das privatizações e a recuperação pelo Estado do controlo estratégico da economia; a reforma do sistema fiscal; uma outra repartição da riqueza que valorize os salários e as pensões; a recuperação da soberania económica, orçamental e monetária.

Mesmo em relação à nossa dívida é produzindo mais que deveremos menos, não é pedindo cada vez mais emprestado, a juros insuportáveis, que saímos da crise em que nos encontramos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo:

O que é preciso ver mais para concluir que esta política de direita está esgotada, que a dança de alternância já cansa e que, juntos ou separados, procurarão tão-só salvar a política de direita?

Apesar da subestimação que alguns fazem, dos anseios, da indignação, do protesto e da luta manifestadas tão clara e amplamente pelo povo português, estamos certos que é ele que tem sempre a última palavra e o poder de decidir. Mais tarde ou mais cedo, acabará por decidir bem, procurará uma vida melhor, para as suas vidas, para um Portugal de progresso, desenvolvido e democrático.

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