Projecto de Lei N.º 977/XIV/3.ª

Contabilização do tempo de trabalho dos docentes contratados a termo com horário incompleto para efeitos de Segurança Social

Exposição de motivos

O recurso abusivo e sistemático à precariedade para dar resposta a necessidades permanentes das escolas leva a que existam milhares de professores contratados em Portugal. O PCP defende que os professores contratados têm o direito ao trabalho com vínculos estáveis, a um salário digno e igual ao dos professores do quadro que têm o mesmo tempo de serviço.

Se a situação de um professor contratado já é fortemente marcada pelos vínculos precários e por injustiças várias, no caso dos docentes contratados com horário incompleto ocorre uma injustiça adicional que tem de ser revertida e que o atual Governo PS teima em manter.

Nos últimos anos, as escolas e a Segurança Social têm contabilizado de forma errada os dias de trabalho dos professores contratados para horário incompleto, quer pela incorreta informação, por parte das escolas, quanto à duração efetiva do horário do professor (sendo só contabilizadas as horas letivas e aplicada uma incorreta proporcionalidade que tem por referência as 35 horas de trabalho semanal, que não compreendem, apenas, a componente letiva da atividade docente), quer pelo facto de se estar a considerar que o docente é contratado em regime de tempo parcial, o que não corresponde à realidade.

A contabilização de todo o tempo de trabalho é fator essencial no acesso a prestações sociais, nomeadamente por via da formação dos respetivos prazos de garantia, e no montante de tais prestações.

O Estatuto de Carreira dos Educadores de Infância e Professores dos Ensinos Básico e Secundário, previsto no Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, na sua atual redação (adiante designado por ECD), e o Regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário e de formadores e técnicos especializados, aprovado pelo Decreto-lei n.º 132/2012, de 27 de junho, definem, entre outras, as regras de contratação docente.

Os horários existentes nas escolas, completos ou incompletos, são preenchidos por professores de carreira e professores contratados, em limite, anualmente, através dos diversos mecanismos previstos na legislação. Por força do previsto no ECD, é claro que o regime de trabalho parcial não se aplica aos docentes em regime de contrato a termo com horário incompleto, desde logo porque tal regime implica o acordo do trabalhador, devendo este, para poder aplicar-se a redução pretendida, ter horário completo de trabalho, i.e., 35 horas semanais.

Note-se que o número 1 do artigo 76.º do ECD que “o pessoal docente em exercício de funções é obrigado à prestação de 35 horas semanais de serviço” e que “o horário semanal dos docentes integra uma componente letiva e uma componente não letiva e desenvolve-se em cinco dias de trabalho”.

No horário do professor apenas é obrigatório o registo das horas correspondentes à duração da respetiva prestação semanal de trabalho, com exceção da componente não letiva destinada a trabalho individual e da participação em reuniões que resultem de necessidades ocasionais de natureza pedagógica. Ou seja, nem todas as horas de trabalho são registadas no horário. Assim, importa referir que o horário é só considerado incompleto relativamente à componente letiva, pois no que concerne à componente não letiva o professor encontra-se disponível para serviço a tempo completo.

Considera-se componente não letiva a realização de trabalho a nível individual e a prestação de trabalho a nível do estabelecimento de educação ou de ensino. O facto de um professor ter um horário incompleto não significa que este professor apenas trabalhe horas letivas que lhe forem atribuídas, pois, a estas, há que acrescentar as horas não letivas de estabelecimento e as de trabalho individual.

Por exemplo, um professor com um horário incompleto de 16h letivas tem de juntar a estas as horas de reuniões de conselhos de turma, como as de departamento, e, também, outra atividade de escola, como, por exemplo, o atendimento a pais ou a participação em ações de formação contínua a que esteja obrigado, só para dar alguns exemplos. Estas são horas que ficam para além das 16 letivas para que foi contratado, mas que não podem deixar de ser contabilizadas. O mesmo em relação à componente de trabalho individual, que deverá ser proporcionalmente calculada, tendo em conta a duração da sua componente letiva.

Assim, o tempo de trabalho é contabilizado para aqueles docentes de acordo com o previsto nos números 3 e 4 do artigo 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro, na redação atual que procede à regulamentação do código dos regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.

Em dezembro de 2018, o Instituto de Gestão Financeira da Educação, I.P., enviou para as escolas a Nota Informativa n.º 12/IGeFE/2018 que clarificava a aplicação das alterações ao Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro, operadas pelo Decreto-Regulamentar n.º 6/2018, de 2 de julho, onde se consideravam os professores contratados em horário incompleto como contratados a tempo parcial. Abusiva e ilegalmente, considerava-se que um docente com horário completo teria direito a 30 dias a declarar à segurança social, enquanto um professor com horário incompleto apenas poderia declarar 1 dia por cada 5 horas de trabalho.

Posteriormente, já em 2 de abril de 2019, o IGeFE enviou um aditamento à citada Nota Informativa, onde, após uma grande arbitrariedade nas declarações enviadas à segurança social pelas escolas, se afirma que apenas os docentes que tenham uma componente letiva semanal com 16 ou mais horas têm direito a declarar os 30 dias. Para horários abaixo das 16 horas letivas é feita uma regra de três simples para contabilizar a componente não letiva do professor, chegando-se, por essa via, a um determinado número de dias a declarar.

Repare-se no seguinte exemplo: o professor A, que é contratado por 16 horas, terá direito a contabilizar 30 dias; o professor B, que é contratado para 15 horas letivas, ou seja, menos 1 hora que o professor A, apenas irá declarar 21 dias. Ou seja, menos 1 hora de atividade letiva semanal leva a um “desconto” de 9 dias de declaração mensal. Isto significa que o professor B irá perder, num ano letivo, 108 dias para efeitos de declaração para a segurança social, quando a diferença deveria residir, apenas, no valor do desconto efetuado, logo, da eventual prestação a receber.

Esta questão já foi alvo de várias decisões judiciais, algumas recentes, nomeadamente do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, cuja sentença condena o Ministério da Educação à contabilização de 30 dias de trabalho para efeitos de prestações à Segurança Social durante a vigência do contrato a termo com horário incompleto, reafirmando que “no caso dos docentes, e em sede contributiva, o horário incompleto não é sinónimo de trabalho parcial”.

Já o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga afirma ainda que “a profissão docente assume especificidades que não podem ser subvalorizadas” e que “não se pode aplicar, nesta matéria, o disposto no artigo 150.º do Código do Trabalho, nos termos do qual, o trabalho a tempo parcial é aquele que corresponde a um período normal de trabalho semanal inferior ao praticado a tempo incompleto em situação comparável”.

Outro problema ocorre nos casos de professores que se encontram em duas escolas e a contabilização das horas letivas, no conjunto de ambas, é igual ou superior a 16 horas. Como cada escola declara as suas horas letivas, o docente acaba por não ter direito aos 30 dias. Por exemplo, um professor tem na Escola A 10 horas letivas, sendo-lhe declarados 14 dias, já na Escola B tem 6 horas letivas e tem direito a 8.5 dias, ou seja, este professor tem mais de 16 horas letivas, o que segundo as notas informativas referidas lhe daria direito a 30 dias a declarar, mas só tem declarados 22,5 dias.

Isto significa que até dentro dos critérios discricionários impostos pelo IGeFE há discricionariedade entre docentes que prestam o mesmo número de horas letivas. Parece ficar evidente que as regras criadas pela tutela financeira, sem que tivesse havido qualquer alteração legal, decorrem, principalmente, de um objetivo economicista que passa por se apoderar dos descontos efetuados pelos docentes sem, depois, lhes prestar o devido apoio social, através das indispensáveis prestações nos termos em que a lei estabelece.

Há ainda milhares de alunos que estão sem professores e, por esse motivo, sem aulas, problema que se sente em todo o país, mas que é particularmente preocupante nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve. No imediato, um dos fatores que mais contribui para a situação que se vive é, exatamente, o facto de grande parte dos horários por preencher serem incompletos, a esmagadora maioria abaixo das 16 horas letivas. Todas as dificuldades e injustiças que os professores contratados vivem apenas contribuem para o agravamento deste problema, num contexto em que o Governo nada tem feito em termos práticos para o contrariar.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei regulariza e clarifica o regime de contabilização do tempo de trabalho dos docentes em contrato a termo resolutivo com horário incompleto.

Artigo 2.º

Âmbito

A presente lei aplica-se aos educadores de infância e aos professores do ensino básico e secundário, cuja contratação revista a modalidade de contrato de trabalho a termo resolutivo, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, na redação atual, que aprovou o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário.

Artigo 3.º

Declaração do tempo de trabalho

Aos docentes abrangidos pela presente lei, cujo contrato a termo resolutivo preveja a laboração em horário incompleto, o tempo a declarar para os efeitos previstos no artigo 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro, que regulamenta o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, na sua redação atual, corresponde a 30 dias.

Artigo 4.º

Entrada em vigor e produção de efeitos

  1. A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.
  2. Aos contratos a termo resolutivo assinados antes da entrada em vigor da presente lei, o previsto no artigo 3.º da presente lei reporta efeitos à data da sua assinatura.
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