Constitui??o das Associa??es de Freguesias<br />

Senhor Presidente, Senhores. Deputados: O projecto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP corresponde a uma necessidade objectiva, sentida crescentemente pelas freguesias. De resto, o Congresso da Associa??o Nacional de Freguesias, que se realizou no passado fim-de-semana, em Lisboa, reafirmou-a em mo??o sobre este projecto de lei e este debate, que mereceu um largo e generalizado apoio. A explica??o afigura-se-nos simples: trata-se de criar uma possibilidade adicional de trabalho por parte de quem quer trabalhar. E criar uma possibilidade de racionalizar a gest?o e aproveitar melhor os meios dispon?veis, ? mais premente ap?s terem sido tomadas medidas no sentido de aumentar as compet?ncias e os meios financeiros das freguesias. Existe tamb?m um problema adicional: temos actualmente mais de 4200 freguesias no Pa?s e t?m vindo a ser criadas bastantes freguesias, para al?m de todas as que j? existiam. Isto significa que, havendo centenas de freguesias com muito poucos eleitores, e mesmo centenas com menos de 200 eleitores, tem sido aumentado o n?mero de freguesias e n?o tem havido qualquer extin??o de freguesias. Compreendemos que assim seja. Mas, naturalmente, coloca-se o problema de criar instrumentos que apontem no sentido da coopera??o volunt?ria das freguesias de muito pequena dimens?o. Como ? sabido, a Lei n.? 23/97, de 2 de Julho, admitiu a possibilidade de criar associa??es de freguesias. Trata-se de uma cria??o feita na sequ?ncia de a lei fundamental do Pa?s, a Constitui??o, n?o ter admitido expressamente esta possibilidade. A verdade ? que n?o haver uma admiss?o expressa da cria??o de associa??es de freguesias n?o significava proibir a sua cria??o. Mas, ao longo dos anos, houve uma op??o por n?o regulamentar a cria??o de associa??es de freguesias e nem mesmo ap?s a admiss?o desta possibilidade ela foi regulamentada. Entretanto, e por proposta do Grupo Parlamentar do PCP, a ?ltima revis?o constitucional introduziu uma disposi??o, o artigo 247.?, que fez com que o que at? agora n?o era proibido passe a ser expressamente permitido e regulamentado. Isto significa que se imp?e, agora, preencher uma lacuna constitucional, pondo termo a uma situa??o que, no caso de se arrastar, constitui uma inconstitucionalidade por omiss?o. Daqui decorre que, por parte do Grupo Parlamentar do PCP, se justifica um apelo aos outros partidos no sentido de aprovar o projecto de lei com o qual o PCP pretende dar uma contribui??o para preencher esta lacuna. Imp?e-se, igualmente, apelar ? celeridade dos trabalhos na especialidade. De resto, justifica-se a extens?o deste apelo a outras ?reas, em que o ritmo de produ??o legislativa nos parece manifestamente insuficiente, aguardando os munic?pios e as freguesias a aprova??o definitiva, na especialidade, de diplomas pendentes que j? foram aprovados na generalidade. Temos, e quero declar?-lo claramente, uma abertura total em rela??o ? pondera??o de solu??es na especialidade. N?s pr?prios faremos propostas de aperfei?oamento pontual que resultam de melhor pondera??o. De resto, os pr?prios pareceres da ANAFRE, do STAL e da ANMP constituem elementos de pondera??o. Quero sublinhar, entretanto, que existe, no nosso projecto de lei, um conjunto de pressupostos pol?ticos, que s?o fundamentalmente os seguintes. Em primeiro lugar, as freguesias constituem uma riqueza da vida democr?tica e devem ser fortalecidas. Daqui decorre que n?o partilhamos o ponto de vista dos que preconizaram - lembro-me, por exemplo, do Professor Marcello Caetano - a extin??o das freguesias, dos que se referiam ?s freguesias como "subunidades municipais", que arrastam uma vida penosa e que, mais tarde ou mais cedo, devem ser extintas. Temos uma vontade de descentralizar que n?o pode ser apenas proclamada, deve ser demonstrada atrav?s de actos concretos. Naturalmente, esta quest?o coloca-se a todos os grupos parlamentares. Em segundo lugar, partilhamos da ideia de que a descentraliza??o deve desenvolver-se em v?rios sentidos complementares. Isto significa que fortalecer as freguesias n?o ? alternativa de fortalecer os munic?pios, da mesma forma que fortalecer os munic?pios n?o ? alternativa de instituir as regi?es administrativas. T?m todos um lugar, e n?o deve ser um lugar alternativo. Em terceiro lugar, entendemos que as freguesias t?m maiores potencialidades democr?ticas, porque est?o mais pr?ximas das popula??es. Isto significa que t?m mais possibilidades de contribuir para aprofundar a democracia participativa. Por isso mesmo se justifica caminhar para que tudo o que pode ser resolvido a n?vel da freguesia o seja a esse n?vel. Isto implica fortalecer o quadro legal e tamb?m que cada munic?pio tenha uma vontade de descentraliza??o em rela??o ?s respectivas freguesias. Julgamos que n?o faz sentido que um munic?pio reivindique descentraliza??o para si e que a vontade de descentralizar termine a?, adoptando uma posi??o altamente restritiva em rela??o ?s freguesias respectivas. Todavia, em toda esta mat?ria coloca-se uma velha quest?o: alguns dizem que ? perigoso descentralizar. H? situa??es em que as freguesias podem n?o estar preparadas; h? situa??es em que pode haver a possibilidade de n?o se exercer correctamente as respectivas fun??es. Dir?amos que essas possibilidades existem em rela??o a qualquer n?vel do poder. Naturalmente que se imp?e sensatez e prud?ncia, mas imp?e-se tamb?m que isso n?o prejudique uma vontade pol?tica clara no sentido de garantir uma autonomia efectiva das freguesias. Isto significa, no nosso projecto de lei, que partilhamos da ideia de que deve haver o m?ximo de autonomia e liberdade e que n?o devem criar-se restri??es que n?o tenham fundamento s?lido e devidamente justificado. Tudo isto assenta na ideia de que n?o estamos perante autarquias menores, perante autarquias de segunda ou de terceira categoria. Pelo contr?rio, estamos perante autarquias de corpo inteiro, que t?m uma contribui??o insubstitu?vel a dar ao poder local e ? democracia portuguesa. Quero referir-me, independentemente de toda a abertura para o debate em sede de especialidade, a cinco problemas espec?ficos. Um diz respeito ao quadro de pessoal pr?prio. Partimos da ideia de que deve ser reconhecido o direito de as associa??es de freguesia terem um quadro de pessoal espec?fico. Deve caber ?s pr?prias freguesias usar ou n?o o direito; e devem ser elas a ponderar o uso ou n?o desta possibilidade. ? um facto que em freguesias de pequena dimens?o n?o se justifica, nem sequer h? meios financeiros provavelmente para isso. Mas onde tal se justificar n?o h? raz?o, a nosso ver, para introduzir uma proibi??o que nos parece de todo em todo injustificada. Quero, de resto, sublinhar que a Associa??o Nacional de Munic?pios se pronuncia a favor da nega??o desta possibilidade, sendo ela actualmente negada aos pr?prios munic?pios, embora a ANMP reivindique que seja permitido que as associa??es de munic?pios tenham um quadro de pessoal. Uma incoer?ncia! N?s, que apoiamos esta reivindica??o, entendemos que as freguesias tamb?m devem ter esta possibilidade, cabendo-lhes decidir se a usam ou n?o. Uma segunda quest?o tem a ver com a exig?ncia da continuidade geogr?fica. Trata-se de uma imposi??o que n?o existe em rela??o aos munic?pios e que entendemos que deve ser a regra. Isto ?, as associa??es de freguesias devem, em geral, ter continuidade geogr?fica. A actual Constitui??o da Rep?blica Portuguesa n?o imp?e esta obrigatoriedade, pelo que julgamos que as freguesias devem poder optar. Pode haver situa??es em que a oposi??o de apenas uma freguesia pode levar a que outras se vejam impedidas de concretizar uma associa??o vantajosa para as popula??es. ? uma quest?o que estamos dispostos a ponderar e a tratar na especialidade, mas em rela??o ? qual n?o gostar?amos de deixar de justificar a nossa op??o. Quanto aos ?rg?os, julgamos que, nesta mat?ria, n?o deve ser criado um quadro r?gido. Estamos abertos a corrigir pormenores. Por exemplo, a assembleia interfreguesia deve ser presidida por um membro da pr?pria assembleia interfreguesia. ? um aspecto em rela??o ? qual o nosso projecto pode ser reconsiderado de acordo, ali?s, com pareceres que foram entregues. Quanto ao recurso das delibera??es, quero sublinhar que o projecto precisa de um aperfei?oamento de car?cter t?cnico, tendo em conta normas constitucionais aplic?veis sobre o recurso contencioso. A forma actual ? id?ntica ? que vigora para as associa??es de munic?pios. No entanto, julgamos que esta mesma f?rmula de associa??es de munic?pios deve vir a ser corrigida. Quanto ao regime de pessoal, temos em conta que existem pareceres contradit?rios da ANMP, da ANAFRE e do STAL. Compreendemos os pontos de vista pr?prios de cada uma destas estruturas. Mas ? necess?rio ponderar os interesses em causa e decidir em conformidade, com a legitimidade pr?pria e espec?fica que cabe ? Assembleia da Rep?blica ap?s a audi??o de todas as partes. Partimos do princ?pio de que importa garantir os direitos dos trabalhadores, ? sempre um prop?sito primordial da nossa parte. Mas importa, simultaneamente, n?o criar um quadro legal t?o r?gido que crie dificuldades ? pr?pria prossecu??o do interesse p?blico. Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso projecto de lei aposta na autonomia, na descentraliza??o, na democracia, na participa??o, aposta na ideia de que as popula??es devem tomar conta dos interesses espec?ficos que lhes dizem respeito. Herdamos um Estado e uma administra??o muito centralizada, n?o est? constru?do um Estado e uma administra??o p?blica alternativa. As promessas feitas nesta mat?ria s?o muitas, mas aquilo que foi feito no concreto ? bem menos do que o que foi prometido. O projecto de lei que apresentamos pretende ser uma pedra no sentido de construir uma administra??o democr?tica alternativa, descentralizada, mais democr?tica e mais participada. Partimos do princ?pio de que as freguesias t?m direito ? dignidade, porque s? assim ? que as popula??es v?em refor?ados os seus direitos e a sua pr?pria dignidade.

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