Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

As consequências da entrada no euro na actual situação económica do País

Declaração política dando conta de uma entrevista do Professor do Instituto Superior de Economia e Gestão João Ferreira do Amaral em que refere as consequências da entrada no euro na actual situação económica do País, com elevada taxa de desemprego e estagnação económica, e defende a alteração de políticas para saída da crise

Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Na terça-feira, João Ferreira do Amaral, Professor no Instituto Superior de Economia e Gestão, teve, no Jornal de Negócios, uma importante entrevista sobre as consequências para o País da adesão ao euro e os problemas decorrentes da presença na União Económica e Monetária (UEM) no actual contexto de crise.
Não são propriamente uma novidade para quem, quase sempre isolado na sua área ideológica e partidária, ao longo dos anos, travou um combate persistente contra os erros da adesão à moeda única e de uma política monetária que transformaram, no seu dizer, Portugal numa grande junta de freguesia. E ainda não havia a perspectiva de a Comissão e a Sr.ª Merkel exigirem o visto prévio do Orçamento do Estado português, antes da sua entrega à Assembleia da República!
É uma entrevista lúcida e corajosa, num País de onde o pensamento económico dominante, de matriz neoliberal, ocupa a 100% o espaço do artigo e do comentário na comunicação social (generalista e especializada), para lá de conduzir as práticas políticas de sucessivos governos do PS e do PSD.
O PCP, que, ao longo dos anos, foi sublinhando a coerência e a justeza das suas intervenções sobre a matéria, único grande partido nacional que se opôs, de forma substantiva e fundamentada, à integração de Portugal na UEM, não pode deixar de a saudar.
Não podemos deixar de apelar a uma leitura atenta e não preconceituosa do seu conteúdo, neste momento de grandes e graves dificuldades para milhões de portugueses. Gravidade engrossada pelas últimas medidas do Governo, com a preciosa colaboração do PSD, de forte penalização do poder de compra com cortes salariais, restrições nos apoios sociais e agravamento do IVA, inclusive sobre bens essenciais.
Srs. Deputados, João Ferreira do Amaral faz uma síntese, no curto texto da entrevista, das questões centrais colocadas pelo euro ao País. E, mais uma vez, corajosamente, não deixa de avançar possíveis respostas para a situação criada. Muitas das suas teses não poderão deixar de lembrar argumentação desenvolvida pelo PCP, antes e depois da integração monetária, fundamentando a sua posição.
Numa breve exposição, destaco: a adesão ao euro, feita como forma de impulsionar a integração política, é «um erro tremendo», em que a economia foi usada «como cobaia»;
A brutal contradição entre um euro forte e a fragilidade da estrutura produtiva portuguesa, tendo-se traduzido a adesão do País na «principal razão da perda de competitividade»;
De como uma taxa de câmbio desajustada para a economia portuguesa e a redução das taxas de juro travaram a aposta no sector dos bens transaccionáveis e fizeram crescer uma dívida externa insustentável.
Entre 1999 e 2009, como sabem, o endividamento externo líquido do País, em percentagem do PIB, saltou de 31,5% para os 111,6%!
Comparação das promessas feitas com os resultados: prometeram mais crescimento e mais emprego, e não aconteceu; prometeram estabilidade monetária, e não houve; não aconteceriam problemas de financiamento ao País, e eles aí estão (e de que forma!).
E, em jeito de balanço, afirma: «Olhando para os factos, os resultados são desoladores! A nossa economia tem sido destruída de forma fortíssima devida à participação na zona euro».
Depois, noutro registo, João Ferreira do Amaral aborda as questões da zona euro face à crise, explicando por que é que a baixa de salários (política que o Governo tem em curso, com o apoio do PSD) não é solução para a competitividade das exportações portuguesas; de como a crise apanhou a zona euro «descalça», sem instrumentos para lhe responder; e por que é que uma política orçamental restritiva pode conduzir a novas recessões, sacrificando o crescimento e o emprego. Destacamos as suas palavras: «o que é grave é o desemprego e a estagnação», e não a inflação.
E, questionado sobre as saídas, é muito claro: ou se permite (a nível dos órgãos da União Europeia) que o País tome medidas de protecção excepcional, nomeadamente subsídios à exportação ou condicionamentos às importações, ou se alteram as instituições, por forma a criar «um mecanismo de apoio a um país que precisa de sair temporariamente do euro».
Srs. Deputados, houve um primeiro-ministro que, após a decisão comunitária da entrada de Portugal no euro, exclamou (glosando, de forma estranha, a fórmula cristã de constituição da Igreja de Roma): «Este é o euro e sobre este euro construiremos a Europa». Enganou-se duas vezes. O euro está em vias de se tornar a dinamite da União Europeia e, depois, apesar das boas intenções, o euro, no centro das políticas neoliberais de sucessivos governos, conduziu o País ao triste estado em que se encontra: desemprego, dívidas, défices, dependências e desigualdades!
Srs. Deputados, no momento muito difícil como o que o País vive, é absolutamente crucial o papel da soberania e independência nacional para a viabilidade económica de Portugal e o futuro colectivo desta comunidade humana, soberana e independente há mais de oito séculos.
E colocam na ordem do dia a necessidade de uma política patriótica e de esquerda e um governo que a concretize. Um governo de ruptura e mudança que responda aos problemas
do País, que respeite e cumpra a Constituição da República.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado José Gusmão,
Agradeço as questões que referiu, com as quais, certamente, estamos de acordo. No entanto, vou concentrar-me nas questões colocadas pela Deputada Hortense Martins.
Sr.ª Deputada, não estranho que fique surpreendida com as nossas posições. Elas são conhecidas, têm sido várias vezes afirmadas e debatidas nesta Assembleia.
Depois da intervenção que fiz, teria gostado que a Sr.ª Deputada reflectisse e dissesse alguma coisa sobre as palavras do Prof. João Ferreira do Amaral, que, por acaso, é membro do Partido Socialista.
A Sr.ª Deputada considera que a moeda única não colocou problemas, como o da competitividade e da perda de instrumentos orçamentais pelo País.
Vou dizer por que é que a Sr.ª Deputada não fica preocupada. Não fica preocupada, porque este Governo, como os anteriores, encontrou forma de responder ao espartilho criado pela moeda única, que foi passar as responsabilidades para as duas únicas variáveis que sobraram neste
processo, e em primeiro lugar o factor trabalho, com as vossas medidas para facilitar o desemprego, para reduzir os apoios ao subsídio de desemprego, para pressionar a precariedade, no fundo, para que os salários baixem.
Não ficou surpreendida também porque os senhores aceitam com toda a facilidade a redução do investimento público, que está a cair desde a adesão ao euro, com consequências desastrosas no País, inclusive pelo facto notável de, em virtude desta política orçamental, o País não ter conseguido sequer, como é sabido, aproveitar devidamente fundos comunitários recebidos ao longo destes últimos anos, pressionado pela tentativa de restrição do próprio Orçamento do Estado.
A Sr.ª Deputada fala em interior. Sei que é de uma zona do interior, mas certamente que não está atenta aos dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente aos profundos e agravados desequilíbrios regionais que vão crescendo no nosso país entre o litoral e o interior.

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