Projecto de Lei N.º 482/XIII/2.ª

Consagra a livre opção dos consumidores domésticos de eletricidade pelo regime de tarifas reguladas, procedendo à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 75/2012, de 26 de janeiro

Consagra a livre opção dos consumidores domésticos de eletricidade pelo regime de tarifas reguladas, procedendo à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 75/2012, de 26 de janeiro

A extinção do sistema de tarifas reguladas no abastecimento de energia elétrica aos consumidores domésticos (Baixa Tensão Normal, para potências contratadas inferiores ou iguais a 41,4 kVA), foi inscrita na Resolução do Conselho de Ministros nº 34/2011 de 1 de agosto, como imposição do Memorando de Entendimento/Pacto de Agressão. A Resolução tinha como objetivo “a promoção da competitividade, a transparência dos preços, o bom funcionamento e efetiva liberalização de todos os mercados energéticos, designadamente do mercados da eletricidade e do gás natural, através da extinção das tarifas reguladas de venda a clientes finais, promovendo a concorrência nestes sectores e estabelecendo condições que favoreçam a sustentabilidade da atividade de comercialização, de forma a satisfazer adequadamente as necessidades dos consumidores”.

Isto é, a criação de um “mercado livre” de fornecedores/operadores de eletricidade, cuja concorrência iria nas intenções do legislador produzir um abaixamento significativo das tarifas elétricas. Ora o que aconteceu foi exatamente o oposto: as tarifas aumentaram de forma explícita, com aumentos regulares anuais, e implícita por via do aumento do défice tarifário. Outra coisa não seria de esperar de um mercado que se manteve e mantém fortemente oligopolizado, onde tem um peso dominante, particularmente no mercado dos consumidores domésticos, a EDP. A simples intervenção do Regulador não conseguiu ultrapassar esta situação e garantir uma efetiva e possível baixa das tarifas.

Recorde-se e registe-se que o sector dos consumidores domésticos, mesmo antes da liberalização, tinha sido protegido por legislação (1995), que limitava os aumentos da tarifa a um valor fixo sobre a inflação de 1,5%. Esta proteção justificava-se pela pequena dimensão dos consumidores domésticos, que não lhes garante capacidade negocial.

Este sector suporta, ainda, quase exclusivamente e por decisão das políticas publicas energéticas, vários sobrecustos específicos integrados nos CIEG:

a) Das energias renováveis.
b) Aumento do IVA em 2011. Passou-se do regime mínimo para o regime máximo, o que significou um aumento de ordem dos 650 milhões de euros.
c) Rendas das concessões de BTN. Estas rendas são pagas aos municípios que por sua vez pagam a fatura da iluminação pública a custos de mercado liberalizado.

Para além destes sobrecustos, partilha ainda, já com os restantes tipos de consumidores, os sobrecustos dos CAE/CMEC, da cogeração, a chamada convergência tarifária da Madeira e Açores e o Défice Tarifário.

Somando a todos estes encargos, os custos de acesso à rede (transporte e distribuição), e ainda, os proveitos permitidos aos operadores intervenientes, valores definidos pela ERSE, obtemos mais de metade do valor final das tarifas. É, assim, difícil conceber a efetiva existência de um sistema de “mercado livre” para os consumidores domésticos, quando, de facto, os custos de referência, estão á partida fortemente condicionados, ou seja, uma regulação que determina cerca de 55% da fatura.

Para acelerar a transferência de consumidores do sistema de tarifas reguladas para o dito mercado livre, o nº 4 da Resolução do Conselhos de Ministros nº 34/2011 de 1 de agosto estabeleceu que a tarifa regulada, dita transitória, deveria incorporar um “diferencial face ao preço de mercado para assegurar que as tarifas constituem um mecanismo que induza à transição dos consumidores para o mercado (…)”. Isto é, para que os consumidores que permaneçam na área regulada sejam “empurrados” para o mercado liberalizado. O Decreto-Lei 75/2012 de 26 de março deu cumprimento a essa orientação no nº 3 do artigo 4º (Tarifas Transitórias).

No mesmo sentido, de criação um “mercado livre” pela força de imposições administrativas, o Regulamento de Relações Comerciais da ERSE, à margem de qualquer enquadramento legislativo conhecido, estabeleceu a proibição de regresso à tarifa regulada/transitória dos consumidores que em dado momento tenham optado pelo “mercado livre”, apenas podendo mudar para outro operador desse mercado.

Anote-se que tal situação não acontece na generalidade dos países europeus, onde subsistem dois regimes para os consumidores de eletricidade: o regulado e o liberalizado e a livre opção de escolha.

Por outro lado, o comportamento de vendas agressivo de eletricidade (e também do gás natural) por parte dos operadores comerciais privados, em muitos casos sem qualquer solidez financeira e empresarial (fazem preços na base do jogo dos spots diários), inclusive com a chantagem de que se o cliente não mudar para o mercado liberalizado, lhe “cortam a luz” (entre outras afirmações, no mínimo falsas), coloca a absoluta necessidade de defesa dos consumidores, nomeadamente dos que terão mais dificuldades de resistir a tais “campanhas do mercado”, como pessoas idosas, através da garantia de que poderão sempre permanecer ou optar pela tarifa regulada.

A Lei do Orçamento de Estado para 2017, Lei 42/2016 de 28 de dezembro, estabeleceu no seu Artigo 171.º (Tarifas de energia elétrica):

1 – Em 2017, o Governo procede:

a) ao prolongamento do prazo para a extinção das tarifas transitórias para fornecimentos de eletricidade aos clientes finais de baixa tensão normal, prevista no nº 5 da Portaria nº 97/2015 de 30 de março para 31 de dezembro de 2017, estabelecendo 31 de dezembro de 2020 como nova data;

b) à regulamentação da fixação do valor da tarifa transitória, regulada pela ERSE, fazendo-o corresponder ao valor médio de mercado e eliminando o diferencial previsto no nº 4 do anexo à Resolução do Conselho de Ministros nº 34/2011 de 2 de agosto.

2 – As remunerações fixadas administrativamente (feed-in-tariff) pela aquisição da energia adquirida pelo Comercializador de Último Recurso (CUR) aos produtores em regime especial integram um apoio público, constituído pela diferença entre os custos reais incorridos pelo CUR na aquisição de eletricidade produzida em regime especial com remuneração garantida e os custos estimados para a aquisição de eletricidade a aplicar na definição das tarifas do CUR.

3 – O apoio público referido no número anterior não é acumulável com quaisquer outros apoios públicos, devendo ser deduzidos os valores recebidos pelos centros electroprodutores que indevidamente beneficiaram em acumulação de apoios à promoção e ao desenvolvimento das energias renováveis através de outros apoios públicos.

4 – O mecanismo de dedução ou reposição da acumulação indevida referida no número anterior é aprovado por portaria do membro do Governo responsável pela área da energia.”

A alínea a) do nº 1 foi já concretizada pela Portaria 39/2017 de 26 de janeiro. Aguarda-se o diploma do governo para cumprimento do fixado na alínea b) do mesmo nº 1.

A extinção das tarifas reguladas de venda de eletricidade a clientes finais, estabelecida pela RCM nº 34/2011, de 1 de agosto, previa a extinção de tarifas reguladas em BTN até 1 de janeiro de 2013. Este prazo fixado também no Decreto-Lei n.º 75/2012, de 26 de março, foi alterado pela conjugação do Decreto-Lei n.º 15/2015, de 30 de janeiro e da Portaria nº 97/2015 de 30 de março, para o dia 31 de dezembro de 2017. Face ao artigo 171º da Lei do Orçamento de Estado para 2017 e a Portaria nº 39/2017 de 26 de janeiro, atrás referidos, o prazo é no presente, 31 de dezembro de 2020.

Este sucessivo alargamento do horizonte temporal teve em vista garantir as condições adequadas e necessárias para que as ofertas dos comercializadores de energia se processem num contexto de efetiva concorrência, e que os consumidores efetuem uma escolha informada sobre quais as ofertas que melhor se adequam ao seu interesse e perfil de consumo. Foi também nesse contexto que a Lei do Orçamento do Estado para 2017 consagrou a criação do Operador Logístico de Mudança de Comercializador, já aprovado em Conselho de Ministros.

Embora as informações sobre as ofertas de fornecimento de energia elétrica por parte dos comercializadores sejam públicas, estas são de difícil comparação, dando azo a erros e omissões que depois, objetivamente, não podem hoje ser revertidos. Por outro lado, deve ser sempre possível aos consumidores regressarem ao sistema de tarifas reguladas, enquanto este existir.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo único
Aditamento ao Decreto-Lei n.º 75/2012, de 26 de janeiro

Ao Decreto-Lei n.º 75/2012, de 26 de janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 15/2015, de 30 de janeiro, é aditado o artigo 2.º-A, com a seguinte redação:

«Artigo 2.º-A
Direito de opção

Os clientes com contratos em regime de preço livre podem optar por um regime equiparado ao das tarifas transitórias ou reguladas, para fornecimento de eletricidade aos clientes finais de baixa tensão normal, durante o período em que aquele regime vigore.»

Assembleia da República, 30 de março de 2017

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Assembleia da República
  • Projectos de Lei