(projeto de lei n.º 197/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Nos últimos anos, verificou-se uma explosão urbanística, resultado de um modelo de investimento no sector imobiliário que privilegiou a expansão para as periferias urbanas. Tal modelo proporcionou aos grupos financeiros lucros colossais, realizados essencialmente à custa da transformação de solos rurais em solos urbanos e ainda à custa do crédito concedido para a construção e aquisição de casa própria.
Este não foi um fenómeno exclusivo de Portugal. Também noutros países a expansão urbanística foi levada ao extremo, criando-se um cenário de bolha imobiliária. Foi, aliás, o rebentar desta bolha nos Estados Unidos que desencadeou a crise financeira mundial, logo aproveitada pelos mesmos grupos económicos e financeiros, que mais lucraram com a bolha imobiliária para, através da especulação contra a dívida soberana, promoverem o saque dos recursos nacionais.
As origens profundas do problema da transformação e uso do solo podem ser encontradas no tempo da ditadura fascista, quando se começou a transferir a competência de urbanizar do Estado para os privados. Com a liberalização do loteamento urbano, os privados adquiriam os terrenos, infraestruturavam-nos e, claro, apropriavam-se das mais-valias.
O processo de crescente especulação fundiária foi travado nos primeiros anos da Revolução de Abril, assumindo nessa altura o Estado o relevante papel que, em nossa opinião, lhe cabe.
Contudo, o distanciamento crescente e os ataques aos ideais de Abril por parte de sucessivos governos do PS, do PSD e do CDS conduziram a uma cada vez maior desresponsabilização do Estado, abrindo caminho à portentosa operação especulativa sobre os solos a que assistimos em Portugal nos últimos anos.
Estimativas várias apontam para cerca de 70 000 hectares de solo rústico artificializado, dos quais cerca de 55 000 ocupados por área urbanizada, no período compreendido entre 1985 e 2000. Neste período foram, assim, criadas mais-valias urbanísticas que podem ter atingido os 110 000 milhões de euros, que passaram para as mãos dos particulares — proprietários, urbanizadores, construtores, operadores imobiliários — e, claro, para as mãos dos bancos.
O projeto de lei hoje em discussão visa a apropriação para o património público de parte destas mais-valias urbanísticas, mas não vai ao cerne da questão. Em nossa opinião, é necessária a adoção de um conjunto de políticas que tendencialmente contrariem o aparecimento das mais-valias urbanísticas, sem prejuízo de garantir a participação do Estado naquelas que são geradas por decisões político-administrativas.
O País não precisa de menos Estado, como os partidos da política de direita defendem, embora na prática estes partidos coloquem o Estado sempre ao serviço dos interesses do grande capital.
Do que o País precisa é de mais Estado, um Estado interventor e não um mero regulador ou até, como vem acontecendo, um mero observador.
Do que o País precisa é de acabar com as grandes negociatas promovidas em torno de reclassificações de solo à revelia de quaisquer planos ou mesmo contra os próprios planos, que desrespeitam os instrumentos de gestão territorial, como tem acontecido, por exemplo, com projetos de potencial interesse nacional (PIN).
Do que o País precisa é de uma intervenção sistemática e profunda do Estado em defesa do interesse público, que assuma como públicas as competências do ordenamento do território e do urbanismo, combatendo na origem a especulação fundiária e imobiliária.