Pergunta ao Governo

Concurso público para processos de contra-ordenação da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária

Concurso público para processos de contra-ordenação da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária

Foi publicado no Diário da República n.º 63, II Série, o Anúncio de procedimento n.º 1462/2011, relativo a “Aquisição de Serviços de Elaboração de Propostas de Decisão de Propostas de Contra-Ordenação” para a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR). O preço base do procedimento ascende a um valor de €1.200.000.00 (um milhão e duzentos mil euros).
Trata-se, ao que é do nosso conhecimento, de uma situação inédita, que coloca em níveis ainda mais extremos o processo de privatização de funções administrativas centrais do Estado – funções essas que neste âmbito decorrem da acção das forças de segurança no policiamento e fiscalização nas estradas. Ou seja, a polícia identifica um condutor ou um veículo em infracção, o processo de contra-ordenação corre termos na ANSR, e depois como há falta de pessoal para lhe dar seguimento contrata-se uma empresa para analisar cada caso e “propor uma decisão” sobre a coima (ou outras eventuais punições) a aplicar aos cidadãos.
O Grupo Parlamentar do PCP alertou há muito tempo, desde logo tendo em conta as denúncias do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores, para a situação insustentável que se foi criando e agravando ao longo destes anos: a falta de pessoal na ex Direcção Geral de Viação, e que posteriormente se complicou ainda mais a partir do dito Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado/PRACE, com a extinção da DGV (a par da DGTT) e a criação da actual ANSR e do IMTT. E alertámos inclusivamente para o recurso que vinha sendo feito a entidades privadas, gabinetes de advocacia, juristas e advogados estagiários, etc., para dar seguimento a processos de contra-ordenação, sob pena de prescreverem aos milhares, atingido o seu prazo limite.
Agora, perante este quadro que seria insólito se não fosse tão grave, não nos surpreenderia que o Governo procurasse alegar que, em comparação com outras contratações, de valor mais baixo mas mais frequentes e mais disseminadas, que tenham vindo a ser realizadas para situações deste tipo, este procedimento trará vantagens. Mas tais cálculos – e a consideração de “normalidade” desta situação – são verdadeiramente inaceitáveis, e comportam mesmo implicações graves ao nível do regime democrático e do funcionamento das instituições.

O Governo poderá dizer que estamos perante uma situação de recurso, pontual e de urgência. Mas se por um lado estas situações se mostram cada vez mais frequentes, por outro lado este concurso agora anunciado coloca uma perspectiva bastante mais prolongada do que poderia ser imaginado: o prazo contratual é de 12 meses a contar da celebração do contrato.
As carências profundas de pessoal na Administração Pública vão manter-se e agravar-se. O Governo tem aplicado, com o apoio do PSD e do CDS-PP, uma política de desmantelamento da Administração Pública e ataque aos seus trabalhadores. Muitos estão a ser “empurrados” para a aposentação, mesmo com prejuízo da sua situação pessoal. O Governo congratula-se e auto-elogia-se com o facto de as saídas não serem compensadas com admissões de novos funcionários. O resultado é a demissão do Estado de funções com esta importância e melindre, com implicações concretas e evidentes para os cidadãos em causa.

Assim, ao abrigo do disposto na alínea d) do Artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e em aplicação da alínea d), do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, e considerando que tais disposições se mantêm válidas após a dissolução da AR tal como foi já reconfirmado pela Conferência de Líderes, pergunto ao Governo, através do Ministério da Administração Interna:

1. Quantos processos de contra-ordenação estão em causa no Anúncio de Procedimento acima referido?
2. A concretizar-se este negócio de contratação a uma empresa privada, como seria feita a apreciação pela ANRS das “Propostas de Decisão de Propostas de Contra-Ordenação” que a empresa apresentasse? Seria automática e sistematicamente aplicada a “proposta” apresentada, ou teria a ANSR de analisar cada processo na mesma – ou seja, repetindo trabalho entretanto entregue aos privados?
3. Quantos trabalhadores e em que funções faltam nos serviços da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária para que todas as tarefas que lhe estão atribuídas na administração do Estado sejam regular e cabalmente executadas?
4. Quantos trabalhadores da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária passaram à aposentação desde que a ANSR foi criada? Quantos mais têm os seus processos de aposentação apresentados e se pode prever que deixem também de estar ao serviço?

  • Administração Pública
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Assembleia da República
  • Perguntas ao Governo