Comunicado do Comité Central do PCP, de 19 de Outubro de 2004

O Comité Central do Partido Comunista Português, na sua reunião de 19 de Outubro, avaliou o andamento dos trabalhos preparatórios do XVII Congresso a realizar nos dias 26, 27 e 28 de Novembro na cidade de Almada, tomou um conjunto de medidas para a sua dinamização e discutiu aspectos essenciais da evolução da situação política.

O Comité Central do PCP sublinha que, decorridos três meses sobre a entrada em funções do governo PSD-CDS/PP dirigido por Santana Lopes, é absolutamente patente o erro da decisão presidencial tomada em Julho último, que não só veio permitir a continuação de uma política desastrosa, como veio trazer acrescidos factores de desestabilização à vida nacional, estando estes dois aspectos essenciais na base do enorme descontentamento, hostilidade e protesto populares que cercam e isolam o actual governo.

Na verdade, a par do prosseguimento de eixos essenciais da política do anterior governo, o que não exclui recuos e mudanças pontuais ditadas pelo seu isolamento social e pela aproximação do calendário eleitoral, a acção do segundo governo PSD-CDS/PP tem ficado marcada por uma impressionante sucessão de decisões atrabiliárias, escândalos, expressões de incompetência, descoordenação, leviandade e irresponsabilidade, favorecimento de clientelas e obsessões propagandísticas e tentativas de controlo ou condicionamento da comunicação social, que põem em evidência a manifesta inconsistência e falta de credibilidade da solução governativa que foi imposta ao país na crise política de Julho.

O Comité Central do PCP analisou o Orçamento do Estado (OE) para 2005, apresentado pelo Governo PSD/CDS-PP, que globalmente avalia de forma muito crítica e negativa. No quadro de paralisia económica do País e uma conjuntura internacional recheada de incertezas, onde avulta o disparar do preço do petróleo, é uma proposta que apesar de alguns passos tímidos na direcção de persistentes reivindicações do PCP (taxa efectiva do IRC, da Banca, benefícios fiscais desse sector no offshore da Madeira, medidas de combate à evasão fiscal — cruzamento de dados, ónus da prova, sigilo bancário) e sempre rejeitados pelo PSD e PP, manifestamente não responde às necessidades de um forte crescimento económico, de atenuação significativa das desigualdades sociais e de contrariar o aprofundamento das assimetrias regionais. É um OE que continua aprisionado pelo espartilho do Pacto de Estabilidade, mas a que não responde, mesmo formalmente, com o rácio Dívida Pública / PIB a ultrapassar os 60%. e a continuação das «engenharias financeiras» e da desorçamentação de importantes despesas públicas, como sucede com a criação de hospitais S.A. e a operação de titularização das dívidas do Serviço Nacional de Saúde e das receitas futuras de portagens.

É um documento dominado pela demagogia eleitoralista e cuja concretização significará a continuidade na fragilização do Estado e no ataque às suas funções sociais, a falta de resposta aos problemas económicos e sociais mais urgentes do País.

É um OE de mentira na estabelecimento dos indicadores que servem de base à sua elaboração com um inflacionado valor para o crescimento do PIB e uma previsão de taxa de inflação manifestamente desadequada, o que leva entre outros aspectos, a uma insuficiente actualização dos salários face à inflação real, ao ganhos de produtividade e à perda do poder de compra verificada nos últimos quatro anos pelos trabalhadores da Administração Pública. É um OE demagógico pois propagandeado como corrector da injustiça fiscal, que atinge em particular os trabalhadores por conta de outrém, e apesar de correcção dos escalões face à inflação esperada e da diminuição da taxa do IRS, a verdade é que de facto sobem as receitas do IRS, que pesam sobretudo sobre os rendimentos do trabalho (mais 4,9%) e descem as receitas do IRC, que recaem sobre os rendimentos do capital (menos 14,1%), onde se agravam significativamente os impostos indirectos (mais 6,6%), os que atingem por igual todos os cidadãos, ricos ou pobres, quando os impostos directos praticamente estabilizam (mais 0,4%). É um OE que continua a discriminar negativamente em matéria fiscal as micro e pequenas empresas, inclusive pelas condições em que mantém o Pagamento Especial por Conta. É um OE que, fraudulentamente, fala de grande crescimento do investimento público, quando se sabe do empolamento do PIDDAC pela transformação de despesas correntes em despesas de capital, e o crescimento do congelamento (dito «cativação») dessas despesas de 15% para 21,4%.

É um Orçamento que fragiliza o Estado e a futura sustentabilidade das finanças públicas com a venda do seu património imobiliário (inclusive de imóveis hoje ocupados por serviços públicos e que no futuro pagarão rendas por essa ocupação), e o prosseguimento da desastrosa política de privatizações do que resta do Sector Empresarial do Estado (EDP, REN, GALP, Companhia das Lezírias, TAP).

É um OE que continua e aprofunda o ataque às funções sociais do Estado com as medidas e propostas para a Saúde (redução do investimento, menos 4,7%, continuação da empresarialização dos hospitais e avanço das chamadas parcerias público-privado), para a Educação, onde avulta a redução de verbas orçamentadas para o seu funcionamento e investimentos do ensino básico e secundário.

O Comité Central, em consonância com esta avaliação do OE considera que ele só pode merecer a oposição e o voto contra do PCP, independentemente da apresentação de um conjunto de propostas na especialidade, que possam minorar ou reduzir os impactos mais negativos do projecto do Governo.

Apenas três meses passados sobre a formação do governo Santana Lopes/Paulo Portas, se dúvidas houvesse, ficou claro que as orientações e decisões do governo pesam gravemente nas condições de vida da maioria da população e em particular na vida dos trabalhadores.

Aumento generalizado dos preços dos bens essenciais, bem como os projectos, alguns deles já concretizados (aumento dos transportes, aumentos e novas portagens, aumentos dos pagamentos de saúde), degradação dos salários e pensões, encerramento e deslocalizações de empresas, aumento significativo dos níveis de desemprego, escândalo sem precedentes na abertura do ano escolar com o atribulado processo de colocação dos professores, com graves consequências para os alunos, a vida das famílias e o sistema de ensino. Satisfazendo insaciáveis «apetites» do grande capital, o governo prossegue a escalada privatizadora e a liquidação de serviços sociais públicos. Reduzem-se os apoios judiciais a trabalhadores e camadas carenciadas. Desenvolvem-se novas ameaças ao Serviço Nacional de Saúde. A anunciada lei das rendas, que o governo pretende aprovar à pressa através de uma mera autorização legislativa, constituirá um novo factor de instabilidade social e precariedade, com graves consequências no direito à habitação para milhares de famílias.

É manifesto o descontentamento causado por esta política em vastos sectores. A falta de credibilidade do governo é uma evidência como o é o acentuado desgaste da sua base social de apoio.

O Comité Central defende que, apesar das dificuldades que se ergueram ao desenvolvimento da luta de massas com o empossar do governo Santana Lopes/Paulo Portas pelo Presidente da República, é urgente, é necessário e é possível intensificar a luta pela satisfação das reivindicações mais sentidas.

A decisão da CGTP-IN em convocar para 10 de Novembro um dia nacional de luta, com concentrações em Lisboa e Porto, constitui um exemplo da necessidade e possibilidade de desenvolver a luta de massas.

Prosseguindo e ampliando o esclarecimento sobre a natureza das políticas governativas e de vários projectos gravosos, dinamizando e alargando a frente social de luta pela coordenação ou convergência das múltiplas manifestações de descontentamento, e pela exigência de outro rumo político, poder-se-ão criar rapidamente as condições para que se cumpra o imperativo nacional que é proceder à substituição deste governo quanto antes.

O Comité Central reafirma que o PCP, ao contrário de outros partidos da oposição, não se resigna a que o governo da direita leve a sua obra de destruição até Outubro de 2006, salienta que é inteiramente justo, necessário e indispensável prosseguir a luta pelo relevante objectivo democrático de interromper a acção do governo PSD-CDS/PP e de lhe encurtar o tempo de vida mediante a convocação de eleições antecipadas, antes que se esgote esse poder do Presidente da República.

Registando como muito significativo que, perante a evidência do descalabro governamental e designadamente a propósito de determinados comportamentos recentes do governo, diversos sectores de opinião tenham recolocado a questão da eventualidade da convocação de eleições antecipadas, o PCP adverte porém para o carácter erróneo e oportunista de opiniões que, declarando-se críticas ou hostis ao governo, afirmam entretanto que uma tal convocação de eleições permitiria a Santana Lopes apresentar--se como «vítima» e que o melhor é deixá-lo «desgastar-se» até ao fim do mandato.

O Comité Central do PCP salienta que tais concepções traduzem uma chocante indiferença e insensibilidade em relação aos prejuízos, dificuldades, retrocessos sociais e agravamento dos problemas que o prolongamento até Outubro de 2006 da acção deste governo trará ao país e aos portugueses.

E sublinha que tais opiniões só podem ser conscientemente sustentadas pelos que, pronunciando-se a favor de diferentes soluções de governo, não tencionam comprometer-se com a rectificação das malfeitorias praticadas e retrocessos impostos pelo governo PSD/CDS, e muito menos se propõem realizar uma política substancialmente diferente.

O Comité Central considera necessário alertar para as graves consequências das manobras em curso que, a pretexto das «reformas urgentes», o que de facto pretendem é desferir novos ataques a conquistas democráticas, ao sistema político e mesmo ao regime democrático.

O Projecto de Lei sobre a «Entidade das Contas e Financiamentos Políticos» apresentado pelo PS, PSD e CDS-PP, agendado para discussão na Assembleia da República para o dia 20 de Outubro que, além de procurar ultrapassar reconhecidas inconstitucionalidades constantes nas leis sobre os partidos, designadamente do seu financiamento, e ao mesmo tempo criar novos mecanismos de ingerência inaceitáveis na vida interna dos partidos, e em particular na vida do PCP, representa uma nova escalada na adopção de medidas atentatórias de liberdades e garantias conquistadas com o 25 de Abril.

Este Projecto de Lei confirma, mais uma vez, que o Partido Socialista continua a entender-se com a direita em questões essenciais contra o regime democrático.

O Comité Central do PCP procedeu a uma primeira apreciação aos resultados das eleições regionais dos Açores e da Madeira realizadas no passado domingo.

A eleição de dois deputados na Madeira e o significativo aumento da expressão eleitoral da CDU, traduzido na passagem a terceira força política no mais importante círculo eleitoral (Funchal), num quadro de conhecidos constrangimentos democráticos, constitui uma importante afirmação do papel e da influência do PCP e da CDU nesta região. Os resultados agora obtidos, num quadro em que é de assinalar o recuo da expressão eleitoral do PSD, são uma sólida garantia de trabalho futuro e representam um estímulo para a importante contribuição que o PCP e a CDU serão chamados a dar na defesa dos interesses das populações, dos direitos dos trabalhadores e dos interesses específicos desta Região Autónoma.

Os resultados na Região Autónoma dos Açores ficam marcados pela perda da representação parlamentar da CDU e pela expressiva derrota da coligação de direita, evidenciada desde logo no facto de o seu resultado não corresponder sequer à soma obtida pelos dois partidos nas últimas eleições. A não eleição dos deputados da CDU, cuja presença era reconhecida pelo valor do seu trabalho e por dar voz às principais aspirações dos trabalhadores e do povo da região — expressando entre outros factores as consequências de uma campanha eleitoral fortemente bipolarizada, de clara discriminação e construída numa grande desproporção de meios materiais e financeiros — constitui um facto que não deixará de pesar muito negativamente na vida democrática e no desenvolvimento da região.

O Comité Central do PCP saúda calorosamente todos os candidatos e activistas da CDU que, nos Açores e na Madeira, em condições muito difíceis, desenvolveram uma importante campanha eleitoral na base de um intenso contacto com as populações que não deixará de ter repercussões favoráveis na futura actividade e afirmação políticas nas Regiões Autónomas.

O Comité Central procedeu à análise do andamento dos trabalhos preparatórios do XVII Congresso, nomeadamente no que toca às centenas de reuniões já realizada em todas as organizações e à planificação das Assembleias Plenárias, e ao debate dos documentos a submeter à apreciação e aprovação pelo Congresso, tendo concluído que se impõe dinamizar e intensificar este trabalho, de modo a conseguir-se o maior envolvimento possível dos militantes na preparação do Congresso, factor de grande importância para o reforço e coesão da organização partidária.

O Comité Central salientou uma vez mais a necessidade das actividades preparatórias do Congresso se processarem em estreita articulação com as tarefas em curso, visando o reforço orgânico do partido e o desenvolvimento de iniciativa política, prestando particular atenção à preparação do Encontro Nacional do PCP sobre a situação da Educação em Portugal, a ter lugar no dia 23 de Outubro, e o empenhamento dos militantes e das organizações partidárias na dinamização da acção das massas no combate à política de direita.

O Comité Central aprovou ainda a proposta de Regulamento a submeter à aprovação do Congresso, estabelecendo as normas regulamentadoras do seu funcionamento. Foi igualmente aprovada uma Resolução relativa ao combate às leis sobre os Partidos e o XVII Congresso, leis antidemocráticas e inconstitucionais, atentatórias do direito inalienável dos militantes do PCP, no quadro da sua vontade própria e decisão soberana, decidirem como funciona e se organiza o seu Partido e que por isso mesmo se impõe a sua revogação para a afirmação de um efectivo curso democrático na vida política portuguesa.