Pergunta ao Governo N.º 2975/XII/1

Comunicações de incumprimento ao Banco de Portugal e sanções aplicadas sem conhecimento dos visados

Comunicações de incumprimento ao Banco de Portugal e sanções aplicadas sem conhecimento dos visados

O sistema de supervisão comportamental atualmente em vigor parece permitir que uma entidade bancária ou financeira comunique ao Banco de Portugal uma situação de eventual incumprimento das obrigações de um devedor sem que, ao que parece, nem previamente (nem concomitantemente) seja obrigatório que tal entidade tenha de informar o presumível incumpridor. E, como todos bem sabemos, situações muito frequentes há em que casos de presumível incumprimento podem ser justificadas ou justificáveis, inexistindo de forma clara qualquer dolo ou intenção de incumprir por parte do eventual devedor.
Perante uma comunicação desta natureza, o Banco de Portugal recebe a "denúncia" da mora da entidade bancária e, de forma que se supõe ser automática, coloca o contribuinte na lista negra, o que, na prática, o vai inibir de aceder a futuros créditos ou simplesmente o vai impedir
de eventualmente abrir uma conta bancária. Aparentemente, também o BdP não confirma a veracidade da informação prestada pela entidade bancária denunciante e muito menos é dado ao contribuinte a possibilidade de audiência prévia ou de exercer o contraditório.
Assim, um ato que penaliza e limita fortemente a liberdade dos cidadãos e o pode afetar de forma sensível pode ser exercido por simples
denúncia de uma entidade bancária, sem sequer isso ser do conhecimento do cliente. São aliás bem frequentes os casos de denúncia infundada, com consequências inaceitáveis para os clientes, inclusivamente na sua reputação individual. Casos há, conhecidos, em que depois de afetados pelas consequências de uma inibição resultante da colocação em “lista negra”, e perante a queixa dos interessados, o Banco de Portugal lá acaba por impor ao “banco denunciante” o reconhecimento do erro, o pedido de desculpas e até a reparação de prejuízos… Mas por vezes é tarde e as consequências dificilmente reparáveis.
Situações de eventual incumprimento desta natureza são muitas vezes resultados de erros de gestão bancária quotidiana que poderiam e
deveriam ser atempadamente detetados e solucionados antes de haver lugar a uma qualquer denúncia geradora de prejuízos de natureza
diversa.
Situações desta natureza podiam e deviam ser, por isso, objeto de uma comunicação/informação prévia ao eventual e presumível incumpridor,
conferindo-lhe um lapso de tempo razoável para poder haver lugar a uma explicação ou, quiçá a uma identificação de erro, antes de poder haver lugar a uma qualquer comunicação ao Banco de Portugal.
Torna-se assim evidente que as entidades bancárias deveriam informar devidamente os seus clientes antes de comunicarem as situações de
incumprimento ao Banco de Portugal, passando a ser fortemente penalizadas em caso de desrespeito por tal normativo ou por darem
informações que depois se venham a revelar erradas ou indevidas.
Por outro lado, também o responsável pela supervisão, isto é, o Banco de Portugal se deveria obrigar a informar adequadamente os cidadãos ou as entidades alvo de denúncias por parte das entidades bancárias, o que até poderia permitir a correção atempada da situação e impedir que esses cidadãos ou essas entidades “denunciadas” vissem o respetivo nome inscrito na designada lista negra de incumpridores.
Face à situação descrita, e ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, solicita-se ao Governo que por intermédio do Secretário de Estado Adjunto da Economia e do Desenvolvimento Regional, responda às seguintes questões:
1. Considera o Governo, ou não, que o ato arbitrário e unilateral, tantas vezes praticado por instituições de crédito, de denunciar ao Banco de Portugal uma potencial situação de incumprimento sem que o eventual e potencial incumpridor tenha disso conhecimento ou tenha
sequer tido oportunidade de se explicar ou defender, pode constituir uma ato de manifesto abuso de poder que é necessário limitar e
condicionar?
2. Entende ou não o Governo que, presumíveis situações de incumprimento deveriam ser objeto de prévia comunicação aos eventuais incumpridores, antes de ser efetuada a denúncia ao Banco de Portugal?
3. E quanto à reação do Banco de Portugal face a uma denúncia de incumprimento, que razões impedem o supervisor de comunicar ao eventual incumpridor a eminência da aplicação das sanções previstas na legislação, antes destas se tornarem efetivas? Porque não se dá aos
cidadãos ou entidades “denunciadas” a faculdade de passar a conhecer a situação e, querendo-o, a exercer o direito de contraditório, a
apresentar as suas razões, ou, inclusivamente, a reparar e solucionar a situação?

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