Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

A competitividade da economia portuguesa e o QREN

Debate da interpelação sobre competitividade da economia e execução do QREN (interpelação n.º 8/XI-1.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados,
Sr. Ministro Vieira da Silva,
Acredita que a saída para os problemas do País é a redução dos custos directos e indirectos
do trabalho, como pretende a sua colega do Ministério do Trabalho?
Sr. Ministro, tivemos por estes dias a inacreditável declaração de um comissário europeu sobre as novas reformas que o País teria que fazer. Tivemos as respostas embrulhadas de vários ministros, incluindo a sua.
Mas tivemos também as afirmações explícitas do Sr. Ministro das Finanças, no Luxemburgo, terça-feira, 8 de Maio, e cito: «O Governo vai prosseguir a reforma do mercado laboral, aprofundar os mecanismos da flexibilização, já instituídos, e avançar com mecanismos que permitam uma evolução da produtividade e dos custos salariais, que sejam em consonância com a necessidade de reforço da competitividade do País.»
Tivemos, igualmente, o novo Governador do Banco de Portugal, a estrear-se como se fosse o velho Vítor Constâncio, a falar dos salários dos outros portugueses.
A necessidade de se ajustarem os salários em Portugal, um ajustamento que, perante a actual crise, e cito: «terá de ser acelerado de forma determinada e credível».
Sr. Ministro, acha mesmo que quem tem salários em média, de menos de metade da média dos salários da zona euro e cujo peso, nos custos totais das empresas portuguesas, segundo o INE, é de 15%, precisa de reduzir salários para assegurar a competitividade?
Considera possível que Portugal convirja com a União Europeia, visando a coesão económica e social inscrita nos tratados, quando os senhores e a União Europeia propõem um novo período de divergência ou, no mínimo, de não aproximação dos salários portugueses à média dos salários europeus?
Diga-nos, Sr. Ministro: vão mexer, mais uma vez, nas leis laborais para uma pretensa resposta à competitividade da economia nacional?
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
O PSD traz para o debate político uma questão central da economia portuguesa, a competitividade, pesem os equívocos e as ambiguidades (não inocentes) do conceito.
Mas é um jogo de sombras, um baile de máscaras, mesmo ao ritmo do tango, aquilo que o PSD propõe. E não é por acaso.
O PSD não toca nas questões centrais da competitividade do tecido económico, quer na competição externa, quer na competição interna. Não toca nos custos dos elementos e factores operacionais das empresas portuguesas – crédito, energia, transportes, fisco, etc. —, que as desfavorecem relativamente às suas congéneres europeias. E fazem por esquecer a moeda em que Portugal transacciona as suas mercadorias, o euro, e a sua revalorização excessiva para a competitividade da economia nacional.
O PSD limita hoje o problema, fundamentalmente, ao QREN, que, sendo sem dúvida uma questão importante e onde a actuação do Governo PS tem sido desastrosa, não chegará para responder aos problemas que a economia enfrenta. Mas é o tema em que pode afrontar o PS e
assim disfarçar a sua colaboração total nas medidas dos vários e gravosos PEC.
Assim se afasta em questões secundárias, para disfarçar a cumplicidade no fundamental!
Com o PS, fazem de conta que não puseram em marcha o que o pensamento neoliberal diz ser crucial para a dita competitividade: a contenção/redução salarial.
Aliás, o debate que acontece hoje é estranhíssimo: as declarações do Presidente do PSD comungam inteiramente do pensamento dos ministros do Governo Sócrates, onde se destacam a Ministra do Trabalho e o Ministro das Finanças, e todos juntos obedecem à burocracia europeia e à voz da Sr.ª Merkel: é preciso reduzir os custos directos e indirectos do trabalho por causa da competitividade. E, hoje, neste debate, nem PS nem PSD abordam este problema.
Depois, sabemos que o PSD tem, na oposição, um assumido e declarado amor às PME. Mas também sabemos que esse amor não é muito de fiar nem de durar. Em geral, não passa de arroubos oposicionistas «para pequeno empresário ver».
Poderíamos lembrar, mais uma vez, a célebre promessa de um então prometedor futuro Primeiro-Ministro na oposição, Durão Barroso, de, nos primeiros 100 dias de governo, aprovar um programa específico de apoio às PME. Até Fevereiro de 2005 esperaram as PME!...
Mas agora, mesmo na oposição, continua a ser pouco fiável nessa sua inclinação. Depois de uma campanha eleitoral contra o pagamento especial por conta e de aprovar o seu fim, nesta Assembleia, repetiu o que já uma vez tinha feito e votou com o PS a continuação do pagamento especial por conta!
Depois, é um amor que deixa de fora as 250 000 micro e pequenas empresas do comércio tradicional, cerca de 25% das PME portuguesas. E aqui, coerente, vota com o PS e o CDS a liberalização dos horários do comércio e do licenciamento comercial, para finalmente votar com o PS um outro PEC e adicionais, que são a redução do poder de compra dos portugueses, uma nova contracção do mercado interno, a redução do investimento público, logo, um atentado à viabilidade de milhares de micro e pequenas empresas, cuja imensa maioria que vive para o mercado interno.
A questão central é que o PSD, tal como o PS e o CDS-PP, não quer tocar nos elementos estruturais da economia portuguesa, responsáveis pelas enormes dificuldades que as pequenas empresas enfrentam, nem alterar algumas das causas profundas, responsáveis pela perda de
competitividade da economia nacional. Não querem tocar nem ao de leve nos interesses poderosos dos grandes grupos económicos, grupos monopolistas, que hoje comandam as políticas económicas em Portugal, com os seus abusos de posições de poder dominante e de dependência económica.
Se dúvidas houvesse, é ver como, mais unidos do que nunca, PS e PSD chumbaram, na quarta-feira, as iniciativas do PCP para medidas fiscais extraordinárias.
Num quadro da exposição de motivos do projecto de lei apresentado pelo PCP, referiam-se os lucros dos principais grupos económicos nacionais, entre 2004 e 2009. Fácil é reparar que haver crise ou não haver foi praticamente indiferente para os resultados desses grupos, bem ao arrepio do que tem sucedido a milhares de pequenas e médias empresas, das quais muitas centenas estão a falir ou já faliram!
O PSD, como o PS, não tem certamente grandes dúvidas de que a contrapartida aos resultados negativos das PME é, em grande medida, os sobre-lucros de milhares de milhões de euros dos grandes grupos. Ou então, haja alguém que os explique, neste tempo de crise.
Não pode haver dúvidas de que os lucros «obscenos» da banca são o outro lado da predação das pequenas empresas e cidadãos, em juros, comissões, spreads, garantias pessoais.
Não pode haver dúvidas de que os lucros «obscenos» da EDP, GALP, PT, BRISA são em grande parte os custos elevadíssimos em energia, comunicações e transportes pagos pelas PME, e perdas da competitividade das exportações.
Não pode haver dúvidas de que os elevados lucros da SONAE e da Jerónimo Martins têm como
contrapartida o esmagamento dos preços e gravosas condições, incluindo a imposição de baixas de preços «retroactivos» aos seus fornecedores, em geral PME, e o sacrifício da produção nacional.
Que obstáculos impediram o PSD e o PS de votar os projectos de lei do PCP? Os mesmos obstáculos que levam o PSD, o PS e também o CDS a não abordar e a intervir sobre os custos/preços dos bens e serviços que esses grupos produzem ou fornecem, como a energia ou o crédito, e que estão na origem de elevadas perdas de competitividade da economia nacional.
E como não querem mexer com estes factores/elementos para uma intervenção a sério e profunda ao nível da produtividade, viram-se para o que resta: o preço da força de trabalho, que ainda por cima é uma falsa solução. As remunerações com as contribuições para a segurança social representam, em média, 15% dos custos totais das empresas portuguesas. Nas exportações, o peso dos salários ronda os 30%, isto é, uma redução destes mesmos salários, o que seria uma brutalidade social, significaria uma melhoria de 9% na competitividade, valor que rapidamente será engolido por uma pequena revalorização do euro.
Mas os nossos neoliberais não conhecem outra política que não seja a de baixar os custos directos e indirectos do trabalho.
É assim que PS, PSD e CDS se juntam para pôr em prática receitas bem conhecidas: a contenção dos salários, no quadro de uma massa elevada de desempregados, ou a retirada ou baixa do nível dos subsídios de desemprego; a tentativa de utilizar trabalho desvalorizado, como o de trabalhadores desempregados; o alargar e forçar da precariedade.
A indiciada necessidade de alterações na legislação laboral a agravar as revisões de Bagão Félix e Vieira da Silva, nomeadamente o facilitar dos despedimentos e o alargar do período dos contratos de trabalho a prazo, como propõe Passos Coelho, são uma boa antecipação do que se pretende, do que pretende a União Europeia, o grande capital, e do que os seus representantes em Portugal, PS e PSD, de forma subserviente, se prontificam a oferecer-lhes.

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