Intervenção de

Comissão de Avaliação de Medicamentos, do INFARMED; Centro de Estudos Têxteis Aplicados; e regulação do trabalho temporário - Intervenção de Bernardino Soares na AR (Comissão Permanente)

Declaração política condenando a decisão do Ministro da Saúde de demitir a Comissão de Avaliação de Medicamentos, do INFARMED, a extinção do Centro de Estudos Têxteis Aplicados (CENESTAP) e o projecto de lei apresentado pelo PS acerca da regulação do trabalho temporário

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Nesta declaração política, quero referir-me a três assuntos da actualidade.

O primeiro tem a ver com a recente decisão do Ministério da Saúde de demitir a Comissão de Avaliação de Medicamentos do INFARMED. É preciso dizer que esta Comissão tem uma importância enorme na blindagem da política do medicamento pública contra as arremetidas da indústria farmacêutica e dos seus poderosos meios.

Ora, esta Comissão, que existe, com outro nome no início, desde 1996, foi agora demitida pelo Ministro da Saúde de uma forma absolutamente ilegal e inusitada. Isto é, o Ministro da Saúde mandou o INFARMED apresentar uma proposta de nova comissão, uma vez que só ao INFARMED cabe a capacidade e a iniciativa de propor a nomeação para esta comissão. O que o ministro fez foi determinar a demissão da comissão e que o INFARMED lhe apresentasse uma nova comissão até à próxima segunda-feira.

O assunto parceria uma mera questão burocrática e administrativa se não soubéssemos que, há vários meses, o Ministro da Saúde procura influenciar directamente as decisões técnicas em matéria de medicamentos; se não soubéssemos que o Ministro da Saúde fez recentemente declarações dizendo que é preciso haver mais medicamentos de venda livre, matéria que só tem de ser decidida em função de requisitos técnicos; e se não soubéssemos que o Ministério da Saúde, não podendo decidir directamente, podia dar orientações, isto é, orientações políticas para que as decisões técnicas fossem de acordo com os interesses que, neste caso, o Ministro da Saúde e o Governo estão a defender.

Lembremo-nos também que, no protocolo do Ministério da Saúde com a Associação da Indústria Farmacêutica, o Governo se comprometeu — pasme-se! — a promover o mercado de medicamentos sem receita médica. Isto é, em vez de se preocupar com o combate à automedicação e ao abuso de medicamentos de venda livre, o Governo preocupa-se e compromete-se perante a indústria farmacêutica em fomentar esse mercado e em aumentar a venda desses medicamentos

Ora, evidentemente, é à luz disso que é altamente preocupante esta demissão da Comissão de Avaliação de Medicamentos, esta imposição política a um organismo técnico da maior importância. Podemos dizer que, com esta situação criada pelo Governo, o Ministro da Saúde se assume como um delegado de propaganda médica ao serviço da indústria farmacêutica, procurando aligeirar o caminho que obstaculiza as intenções deste parceiro do sector da saúde.

O segundo assunto sobre o qual me quero pronunciar tem a ver com a dissolução do CENESTAP (Centro de Estudos Têxteis Aplicados). Lembre-se que o sector têxtil enfrenta sérias dificuldades e que é necessária uma reconfiguração e a aposta na inovação e numa melhor organização para poder resistir à concorrência global a que está sujeito.

Nesse aspecto, este Centro de Estudos Têxteis Aplicados teve um papel muito importante nos 13 anos da sua existência e é agora dissolvido pelos parceiros do sector que o integram porque não tem viabilidade financeira, isto é, porque não foi merecedor do apoio público indispensável para que pudesse continuar a desenvolver o seu trabalho, apoio esse que não era feito directamente às empresas mas, sim, através de mecanismos, estudos e sustentação técnica, por forma a melhorar a produção no sector do têxtil e do vestuário e a dinamizar a capacidade das empresas deste sector.

O Governo, pelos vistos, não está preocupado com isto, não está preocupado com o aumento do desemprego neste sector e com as suas implicações para a economia nacional e assiste a esta situação impávido e sereno.

O último tema que quero aqui abordar é estritamente parlamentar e tem a ver com o projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista em relação à regulação do trabalho temporário. Se o fazemos nesta Comissão Permanente é porque o seu prazo de consulta pública termina a 3 de Agosto, o que prejudica, evidentemente, um conhecimento amplo das opções que estão ali propostas.

Ora, este projecto de lei, aproveitando um período de menor incidência política e parlamentar, vai num sentido absolutamente inaceitável para os trabalhadores portugueses e para os seus direitos e atropela claramente o artigo 53.º da Constituição no que diz respeito à garantia da segurança no emprego. Trata-se de prever, para além de outras matérias igualmente graves, que para o trabalho temporário passa a ser possível o contrato sem termo, isto é, passa a ser possível que um trabalhador seja contratado para trabalho temporário de forma permanente.

Portanto, o temporário transforma-se em permanente e não é, como a própria natureza do contrato devia dizer, para um período transitório.

O trabalhador que ficar sujeito a este contrato que consta do projecto de lei que agora o Partido Socialista apresentou na Assembleia pode ser cedido a qualquer utilizador e estar nessa situação indefinidamente, sem sujeição aos limites objectivos de duração dos contratos de utilização de trabalho temporário. O único limite é a vontade da empresa utilizadora, porque esta é que vai dizer quando quer o trabalhado ou quando não quer. Se o trabalhador se queixar de abusos, se reivindicar melhores direitos ou se se insurgir contra qualquer determinação, logo será recambiado, digamos assim, mantendo o contrato permanente de trabalho temporário.

Trata-se de uma situação que nada tem a ver com o objectivo para que foram criados os contratos de trabalho temporário, que foi para responder a situações transitórias e localizadas de necessidades de trabalho, é, sim, uma forma de criar instrumentos para que, em todos os momentos, os trabalhadores estejam o mais precarizados possível e sempre sujeitos a esta instabilidade, sempre na mão dos empregadores, sem quaisquer direitos, incluindo o absurdo de estarem sujeitos a um contrato de trabalho temporário de carácter permanente.

 

 

 

 

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