sg20060312

Comício do Coliseu do Porto - Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP


Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
(Extracto)

 

Faz por estes dias um ano que o
PS/Sócrates tomou a seu cargo o governo do país.

Neste
ano que leva de acção governativa o governo do PS
assumiu por inteiro o legado das políticas de direita que o
governo do PSD/CDS-PP vinha concretizando contra o emprego, os
direitos dos trabalhadores e os serviços públicos
essenciais ao bem-estar das populações.

Vimos
como abriu caminho e concretizou um novo agravamento da injustiça
fiscal com o aumento dos impostos indirectos e como se foi esfumando
o cumprimento das promessas eleitorais.

Vimos
como se impunham e impõem mais sacrifícios para os
mesmos de sempre, para os trabalhadores e para o povo, ao mesmo tempo
fez e faz vista grossa, se permitem e se concede aos grandes grupos
económicos, nomeadamente à banca a fuga ao pagamento
dos devidos impostos.

Vimos
como se deu o dito por não dito e se passou a fazer uma
política contrária à mudança prometida.

Vimos
como se degradou o poder de compra dos trabalhadores e do povo com os
brutais aumento dos preços dos bens e serviços
essenciais e se promoveu uma inaceitável política de
contenção salarial que desequilibrou ainda mais a
injusta distribuição do rendimento nacional.

Vimos
como o governo do PS esteve mais disposto a ouvir os apelos do grande
patronato e das suas organizações do que assumir os
seus compromissos eleitorais com os trabalhadores, acentuando a
ofensiva contra os seus direitos.

Vimos como as mesmas políticas
de obsessão pelo défice das finanças públicas
conduziram ao agravamento dos problemas do país. Doze meses de
governo, não só apenas contra os trabalhadores, mas
também contra os micros, pequenos e médios empresários,
os reformados, os estudantes e outras camadas da população
e que se traduzem num novo agravamento das suas condições
de vida.

 

Um ano após a tomada de posse
do governo PS/Sócrates o que o país constata é a
agudização de todos os problemas nacionais.

Se com os governos do PSD/CDS-PP o
desemprego foi continuamente crescendo, com o PS no governo ao fim de
um ano o desemprego apresenta a mais alta taxa dos últimos 20
anos. O desemprego em sentido lato, atinge hoje cerca de 600 mil
pessoas, isto é, 10,4% da população activa.

Desemprego,
em grande parte de longa duração e com os jovens a
serem os mais atingidos, com uma taxa de 16,4%, bem como a população
com mais habilitações.

Segundo
o INE, a população desempregada com o ensino secundário
aumentou 38% a com o ensino superior 27%. Só licenciados eram,
em Janeiro, 54.100 desempregados.

O
país carece de trabalho qualificado, mas o que existe não
encontra emprego. Isto revela o carácter estrutural do
desemprego e da crise e, na verdade, não se vêm
perspectivas com as actuais políticas para alterar e inverter
esta realidade.

Se com os governos dos partidos da
direita assistimos à contínua destruição
do aparelho produtivo nacional e ao agravamento da crise, com o
governo do PS, um ano passado e o país não só
mantêm uma grave situação de estagnação
económica como se assiste a novo agravamento da nossa
dependência, com o crescimento acentuado do défice das
nossas contas externas.

Não
se trata apenas de Portugal continuar um já longo e
preocupante caminho de divergência com a média europeia,
mas da mais recente evolução evidenciar uma preocupante
regressão, com a riqueza do país, por habitante, a cair
abaixo dos 70% da média europeia a vinte cinco.

Este
é também o resultado das políticas impostas pela
ortodoxia monetarista da União Europeia e do seu guardião
– o Banco Central Europeu. Este é também o resultado
da aplicação cega do Pacto de Estabilidade e
Crescimento e de sete anos de adesão à moeda única.

Reconhece-se
agora, como no recente estudo do laboratório de economia de
Bruegel (Bruxelas), estudo apoiado pelos governos da UE que Portugal
tem sido dos países que mais perdeu com a adesão à
moeda única e a sua economia altamente penalizada. Levantam-se
também, novamente, mais vozes, questionando o impacto na nossa
economia do Plano de Estabilidade e a aplicação dos
seus critérios de convergência nominal que estrangulam o
crescimento económico e consequentemente o emprego.

Volta
a ouvir-se face à persistência da crise a necessidade de
repensar e reconsiderar as actuais orientações e
políticas.

Reconhecem,
agora, muitos mais, a nossa razão e o que afinal sempre temos
afirmado.

Em
relação à moeda única, já não
é possível esconder que os países que não
entraram estão hoje numa melhor posição e com
melhores níveis de desenvolvimento, enquanto Portugal continua
a enfrenta uma preocupante crise com uma grave perda de
competitividade, nomeadamente das suas exportações.

Situação
que não é motivo de reflexão para o PS e para o
PSD que repisando o discurso laudatório das vantagens do euro
e das políticas monetárias europeias vão
assistindo imperturbados ao afundamento do país

Mas
são ainda os mesmos monetaristas empedernidos que aos
primeiros indícios de uma recuperação da
economia europeia se apressam a aumentar as taxas de juro, com graves
consequências para a recuperação de países
com uma economia estagnada, como é o nosso caso.

Podíamos
dizer, camaradas, que Portugal ainda nem sequer começou a
levantar voo e já o fundamentalismo neoliberal e monetarista
lhe está a cortar as asas.

É
por saberem das consequências e impacto profundamente negativos
desta realidade na evolução da economia portuguesa que
o Banco de Portugal nos vem dizer que a retoma com um crescimento
normal só talvez para daqui a dois/três anos.

É
para iludir esta preocupante realidade que o governo anda por aí,
numa “roda viva”, em iniciativas de “show off” empresarial, a
anunciar “vagas de investimento” em cujos resultados nem o seu
solidário governador do Banco de Portugal parece acreditar.

Mas
em vez do prometido crescimento, o governo do PS, vem mais uma vez
colocar nas mãos dos grandes grupos económicos e
financeiros, com o novo pacote de privatizações,
empresas altamente rentáveis e que são essenciais para
a aplicação de uma política de desenvolvimento
nacional.

Mais
um passo para agudizar a crise estrutural que o país enfrenta
e fragilizar a capacidade de resposta do país no combate à
crise como mostra a experiência passada.

 

A política de privatizações
apenas conduziu à redução da actividade
produtiva, ao agravamento dos problemas orçamentais, ao
agravamento do desemprego, ao aumento dos preços dos serviços
públicos e à diminuição dos direitos dos
trabalhadores.

Não é também,
certamente, a vender o património público que se
garantem finanças públicas saudáveis no futuro.
Com este novo pacote de privatizações, anunciado pelo
governo do PS, são mais 950 milhões de euros, só
de lucros, em cada ano, que o Estado deixa de poder contar para
responder às necessidades de desenvolvimento do país.

É esta política de
subordinação aos interesses dos grandes grupos
económicos que tem levado a uma indecorosa acumulação
de capitais e de concentração de riqueza nas mãos
de uma pequena minoria que tem hoje o domínio dos instrumentos
essenciais de exploração dos trabalhadores e do povo e
dos diversos sectores da economia nacional.

Temos dito e é uma escandalosa
evidência que todo o país passou a trabalhar para
engordar os grandes grupos económicos e financeiros. Anos a
fio de crise para os trabalhadores e para o povo, anos de fabulosos e
de crescentes lucros para os grandes grupos económicos,
particularmente para a banca, cujos lucros dos 4 principais bancos
privados atingiram mais de 1,6 mil milhões de euros, em 2005.

Lucros que são o resultado do
estrangulamento financeiro de milhares de micro, pequenas e médias
empresas e de milhares e milhares de portugueses submetidos às
severas comissões bancárias, a altas taxas de juro
efectivas, à apropriação de escandalosos
dividendos pelas participações no capital nas grandes
empresas privatizadas e cujos lucros são o resultado não
só de uma maior exploração dos trabalhadores,
mas dos elevados preços dos seus serviços que o povo
tem que pagar.

Toda
a gente vê o carácter predador do grande capital
económico e financeiro que nada arrisca e que vive à
sombra de sectores protegidos e de mercado garantido, apenas não
o vê o governo.

É
por isso que é justo e certo dizer que a crise não é
para todos!

No
plano social, com os últimos governos, do PSD e CDS-PP,
assistimos ao mais violento ataque aos direitos dos trabalhadores que
se concretizou com a aprovação do novo Código de
Trabalho.

Com o governo do PS demarcando-se
apenas em palavras da ofensiva da direita e do seu Código que
agora resiste a revogar, assistimos a uma brutal ofensiva que, neste
primeiro ano de governo, atingiu particularmente os trabalhadores da
Administração Pública.

Ofensiva contra os seus salários,
as carreiras, às condições de aposentação,
ao direito ao emprego e ao trabalho com a criação de
novas formas de desvinculação (despedimento), mas
também contra o estatuto de trabalhador da Administração
Pública com a introdução, em larga escala, do
regime de contrato individual de trabalho e da negação
do direito à contratação colectiva.

Neste
primeiro ano de governo continuou a ofensiva contra as funções
sociais do Estado e fez da saúde e da segurança social
os alvos privilegiados do seu ataque aos direitos sociais dos
trabalhadores e do povo.

Na
saúde, esta semana, depois de anos de crescente transferência
dos seus custos para os utentes que neste momento têm a seu
cargo 30% das despesas de saúde, que representam mais de 100
contos anuais por pessoa, o governo do PS, depois das juras e dos
desmentidos quando do debate do Orçamento, vem impor um brutal
agravamento de 23% das taxas moderadoras.

Um
aumento inadmissível e que põe a claro as verdadeiras
intenções do governo em matéria de saúde
e que o senhor ministro da saúde sintetizou em recentes
declarações, quando afirmou que o actual do Serviço
Nacional de Saúde “não é eterno” e que os
portugueses têm que se preparar para pagar mais os cuidados de
saúde.

Este
anúncio antecipado do fim do carácter tendencialmente
gratuito do SNS, no curto prazo é, juntamente com as medidas
já em curso de privatização dos centros de
saúde, de concentração de serviços e
meios, uma inaceitável machadada no direito constitucional à
saúde de todos os portugueses.

Talvez
seja a altura de perguntar se era esta a mudança que o PS
prometia aos portugueses.

Mas
é também a altura de lhes dizer que se o PS se prepara
para promover uma revisão constitucional com o PSD, repetindo
de forma agravada, o que fez no passado quando acordou introduzir “
o tendencialmente gratuito” no SNS, que pode contar não só
com a nossa firme oposição, mas, estamos convictos, com
a luta determinada dos trabalhadores e do povo português.

Na
segurança social ao mesmo tempo que diminuem os níveis
de protecção, vemos esgrimir de forma sistemática
o alarmismo em torno da degradação da situação
financeira para fundamentar medidas de redução das
despesas através de novas e mais significativas diminuições
de direitos e prestações sociais, como o vêm
anunciando, nomeadamente em relação ao subsídio
de desemprego.

Em
vez de se apostar na diversificação das fontes de
financiamento do sistema de segurança social, o governo do PS,
tal como os governos do PSD/CDS-PP apostam na desresponsabilização
do Estado, das entidades patronais e dos contribuintes mais
poderosos.

São
opções que marcam a natureza de classe das suas
políticas e que querem pôr em causa o direito à
protecção social dos que vivem do seu trabalho e dos
que se reformam em situações de ausência de
recursos devidos a doença, desemprego ou devido a invalidez ou
velhice.

Mas
se o governo como afirma está interessado em garantir no
futuro a sustentabilidade da segurança social, tem então
a oportunidade de o fazer aprovando as propostas do PCP, em debate na
Assembleia da República, no próximo dia 15 que visam
garantir a diversificação das fontes de financiamento e
a eficácia e eficiência das despesas.

No
ensino assistimos neste primeiro ano de governo do PS também a
um ataque cerrado contra a escola pública, a gestão
democrática, os direitos dos docentes e alunos.

É
esta política social anti-democrática e anti-popular
que transformou e continua a transformar Portugal no país mais
desigual da União Europeia.

Esta é a política de um
governo que se diz de esquerda e se apresenta no discurso com
preocupações sociais, mas que a direita não
desdenharia realizar.

Afinal a mesma política, no
essencial, que sucessivos governos têm concretizado em
alternância e que sob o manto protector de Cavaco Silva se
pretende continuar e aprofundar com a chamada “cooperação
estratégica “, essa coabitação à
portuguesa onde confluem, numa nova experiência, o “bloco
central” político e dos interesses que têm conduzido o
país para o desastre.

E se houvesse dúvidas acerca
da consonância de objectivos no imediato, entre Cavaco Silva e
José Sócrates, o discurso de um e as declarações
de outro na tomada de posse presidencial desta semana, elas ficaram
desfeitas.

Entretanto o PSD vai afivelando a
máscara da oposição fictícia, empolando
detalhes e divergências secundárias e aguardando
pacientemente que o governo do PS vá adiantando o seu serviço
para lhe facilitar o regresso ao poder, retomando o ciclo vicioso das
falsas alternativas.

É também por isso que
se anuncia como urgente para o presente ano, tal como o PS faz, a
alteração das leis eleitorais para a Assembleia da
República e para as autarquias. Não com o propósito
de resolver qualquer problema real de representação
política ou de ligação aos eleitores, mas apenas
para garantir a perpetuação no poder dos partidos do
“bloco central”, solução vendida como sendo um
grande serviço prestado à democracia.

A mesma hipocrisia com a recente Lei
da Paridade que o PS apresentou esta semana.

Enquanto do PCP denuncia o penoso
agravamento das discriminações e desigualdades que
afectam as portuguesas bem patentes, por exemplo, na duplicação
do número de desempregadas nestes últimos quatro anos,
na precariedade laboral que mais que duplicou entre as mulheres; no
facto de hoje uma mulher para trabalho igual ao homem receber em
média menos um quarto da remuneração, o PS opta,
não por aplicar medidas de combate à discriminação
real das mulheres no dia a dia da sua vida, mas por fomentar a ideia
de que a discriminação das mulheres está
centrada na Assembleia da República e nas autarquias.

No entanto o PS não propõe
a demissão dos Governos por estes não cumprirem os 33%
de presença de mulheres em altos cargos governativos incluindo
nos cargos dirigentes da Administração Pública
preenchidos por via de nomeação. Fala apenas da
responsabilidade dos partidos que devem por isso ser excluídos
de concorrer às eleições por não
cumprirem os critérios dos 33% de mulheres nas suas listas.

O que o PS visa não é o
necessário reforço da participação
política das mulheres nos centros de decisão, mas dar
mais um passo na ingerência da vida interna dos partidos
impondo por lei o que cada partido deve encarar por vontade própria
e por processos de autoregulamentação. O que o PS não
explica é como vai garantir a presença de 33% de
mulheres com a sua proposta de círculos uninominais, isto é,
de candidato único.

Trata-se de facto de mais uma manobra
que visa criar a ilusão da igualdade.

Entretanto com estas manobras de
diversão o Governo pretende esconder a responsabilidade que
assume no agravamento das discriminações e das
desigualdades que afectam as mulheres no trabalho, na família,
na vida social e política.

Não é o PCP que
converge com a direita contra esta paridade. É o PS que
converge com a direita na realização de políticas
que tornam mais longínqua a participação em
igualdade em todas as esferas da vida.