Intervenção de

Colecção Berardo - Intervenção de Luísa Mesquita na AR

Fundação de Arte Moderna e Contemporânea - Colecção Berardo

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares,
Sr. Secretário de Estado da Cultura:

Gostaríamos de começar por afirmar que o que está aqui em causa não é a criação de uma fundação, de acordo com aquilo que é a necessidade e a vontade de o Estado português na defesa da publicitação e conhecimento de todas estas peças de arte contemporânea do Comendador Berardo. O que está aqui a ser hoje questionado é o conteúdo do protocolo assinado pelo Estado português e pelo Comendador Berardo, que cria a Fundação. Aliás, o Sr. Secretário de Estado, há pouco, quando explicitou o acordo, quis, de algum modo, penso que intencionalmente, pois, politicamente, é conveniente para si e para o seu Governo, confundir essas duas matérias.

Porém, não é isso que está aqui a ser discutido, nem através da apreciação parlamentar, que não estava sustentada mas que agora o foi, nem dos grupos parlamentares que têm levantado um conjunto de questões.

É essa a matéria que está em discussão, Sr. Secretário de Estado, e é sobre ela que seria bom ouvilo, mas não propriamente a ler o acordo, porque far-nos-á o favor e a delicadeza de entender que nenhum de nós veio para esta discussão sem que o tivesse lido atempadamente e sobre ele tivesse reflectido.

Aquilo que lhe pedíamos, Sr. Secretário de Estado - respondendo à solicitação do Sr. Primeiro- Ministro feita aqui, esta semana -, é que não nos lesse aquilo que já conhecemos mas que argumentasse, contra-argumentasse e reflectisse com aqueles que não estão de acordo consigo sobre o porquê do conteúdo deste acordo. Esse é que seria um comportamento sério e interessante para a validade da nossa discussão e, até, para tranquilizar alguns dos grupos parlamentares que têm dúvidas acerca do acordo. E isso está ainda por fazer. Penso que ainda tem algum tempo para responder às questões levantadas e às solicitações pedidas e que, na parte final, o irá fazer ainda.

De qualquer modo - e esta é uma questão que queremos deixar de início -, queria dizer-lhe também que é, no mínimo, interessante verificar que um ministério que não tem dinheiro, como tem sido afirmado pela Sr.ª Ministra e pelo Sr. Secretário de Estado quando recusam, por exemplo, apoios sustentados aos criadores e às instituições, um Ministério que diz que o peso da cultura é mais importante que o peso insignificante do dinheiro que tem, um Ministério que não responde às necessidades daqueles que são os seus deveres constitucionais de apoio à cultura e de condições para a fruição da cultura pelo povo português, seja um Ministério com condições orçamentais e financeiras para, de mãos-largas, responder a este convite da Fundação Berardo e do Comendador.

Neste ano e meio de mandato, este Ministério tem tido duas características interessantes: ou não damos por ele, não existe, ou, quando existe, é sempre por péssimas razões. Estou a lembrar-me que, depois da tomada de posse, houve um momento extremamente interessante, na perspectiva governamental, e extremamente escandaloso, na perspectiva de quem o avalia em termos de defesa do património público, do rigor e da transparência da assunção das decisões políticas, que foi aquele ataque generalizado às cadeiras da cultura. Depois, o Ministério desapareceu: desapareceu no Orçamento do Estado; desapareceu naquilo que são as contrapartidas aos criadores, às infra-estruturas, ao ensino artístico no nosso país; desapareceu nos requerimentos que os Deputados fazem e que não têm resposta, porque, provavelmente, não tem funcionários e assessores políticos necessários e suficientes para o poderem fazer.

E agora, depois deste silêncio todo, aparece pela Fundação Berardo.

Convém, no entanto, dizer que também não ficámos surpreendidos com o conteúdo do acordo.

Penso que seria injusto não o reconhecer, depois das posições públicas da Sr.ª Ministra e do Sr. Primeiro- Ministro. Sim, o Sr. Primeiro-Ministro empenhou-se, vá lá saber-se porquê... Consta que tem um excelente assessor na área da cultura e que, relativamente à Fundação Berardo, lhe dá, em primeiro lugar, as informações, antes de as dar à Sr.ª Ministra da Cultura.

Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, são públicas algumas conflitualidades entre a Sr.ª Ministra da Cultura e o Sr. Primeiro-Ministro. Cá estaremos para ver se essas informações directas e mais céleres junto do gabinete do Sr. Primeiro-Ministro irão ter algum reflexo naquilo que vai ser o trabalho da Fundação. Como diz o Sr. Secretário de Estado, o tempo é muito claro e é um bom adjuvante, raramente é oponente, na transparência daquilo que é o comportamento dos políticos na assunção das suas responsabilidades perante o País.

Algumas das questões que ainda queremos colocar já aqui foram referidas, mas penso que vale a pena repeti-las para que o Sr. Secretário de Estado não esqueça de as explicitar.

Como o Sr. Secretário de Estado sabe, visto que leu e tornou a ler hoje aqui o acordo, a colecção será sempre pertença do seu proprietário, porque o direito de opção do Estado caduca se o vendedor não aceitar o preço fixado por uma avaliação externa e independente. Até dói dizer isto, porque um Governo adepto ferrenho de tudo aquilo que é avaliação internacional e externa em todas as áreas, desde a segurança social, ao ensino superior, à educação, pelos vistos, na cultura não é... Ou, pelo menos, haverá um outro avaliador, que desconhecemos, mais interessante e mais capaz do que esta comissão de avaliação externa e independente.

Porém, se o vendedor aceitar o preço, a colecção ficará na posse não do Estado que a paga, mas da Fundação. O acordo aqui também é claro, penso que tem a mesma leitura.

Quanto às necessárias obras de adaptação, de que ainda não falámos aqui, cabem também ao Estado, como é óbvio.

O Sr. Secretário de Estado, há pouco, dizia que é um acordo que existe desde 1996. É entendível: o Partido Socialista iniciou o processo e é o Partido Socialista que o vai acabar. Assim, fica tudo em casa, não há dificuldade em criar essas ligações intrínsecas, diminuem-se as conflitualidades e conseguem-se os consensos e os acertos. Fica tudo na família.

No entanto, no que se refere às necessárias obras no Centro Cultural de Belém, também da responsabilidade do Estado, estamos a falar de 7700 m2 que representam, como sabem, grande parte da área destinada a exposições e que, durante 10 anos, será cedida para usufruto único da Colecção Berardo, depois da execução das obras. Dado o amplo espaço que vai ser utilizado, é interessante verificar se o Governo considera que aquela matéria que tanto incomoda o Partido Socialista, que é a diversificação e a pluralidade da obra estética e da criação, está assegurada com este usufruto, exclusivamente, da arte contemporânea e que condicionalismos esta presença pode criar a essa pluralidade que o Partido Socialista tanto diz defender na área cultural.

A partir de 2007, compromete-se ainda o Estado, e durante 10 anos, a garantir mais uns milhões para a aquisição de obras de arte contemporânea e ainda a pagar um subsídio semestral. Não tenho a preocupação do PSD e do CDS-PP acerca do subsídio semestral - é garantido. Ele pode não estar disponível para os criadores e para os apoios pontuais e sustentados e cá receberemos, na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, o Grupo dos 31, a Rede, a Plateia, e todos dirão que não recebem um tostão, que vão fechar as portas, que têm empréstimos bancários e que não têm dinheiro para sobreviver...

Mas, Sr.as e Srs. Deputados, estejam tranquilos, porque no Orçamento do Estado para 2007 o subsídio semestral a esta Fundação está, obviamente, garantido.

Nesse sentido, Sr. Secretário de Estado, esta não é uma dúvida nem uma preocupação e só tenho curiosidade em saber o seu valor. Mas o Sr. Secretário de Estado não vem com essa informação, porque o Orçamento ainda está a ser discutido - naturalmente com a Fundação e o seu Comendador.

Quando vier o Orçamento do Estado, saberemos exactamente quanto é que é esse subsídio.

Portanto, o coleccionador, em termos financeiros, terá apenas uma obrigação, que é investir exactamente o mesmo que o Estado na compra daquilo que são as obras de arte contemporânea, o que, naturalmente, também se justifica, visto que é um dos principais interessados.

Sr. Secretário de Estado, também não é correcta a sua leitura acerca do director do museu. É claro, está lá! Os senhores não desmentiram o Sr. Presidente da República, que, na altura, levantou questões sobre esta matéria. Estão hoje a pôr aqui em causa um discurso e um texto que são suficientemente claros. O Comendador Berardo é honorário e vitalício e decide até ao terminus do processo o director do museu, podendo nomeá-lo e demiti-lo.

Portanto, estas matérias são, de facto, muito graves. É o interesse público e o património que é o Centro Cultural de Belém que estão em causa. Assim, apesar de isto estar em «casa» desde 1996 até2006, era bom que o Governo explicitasse as razões, fundamentalmente aquelas que são mais ambíguas, e as suas verdadeiras responsabilidades financeiras e políticas neste acordo com esta Fundação.

 

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