Intervenção de

Código de Procedimento e de Processo Tributário - Intervenção de Honório Novo na AR

Código de Procedimento e de Processo Tributário (arbitragem)

 

 

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Diogo Feio,

Os mecanismos de arbitragem e de mediação de conflitos têm tido uma evolução recente muito positiva. Estou a referir-me - e isso está implícito na proposta do CDS (projecto de lei n.º 402/X)- à questão da introdução dos julgados de paz, aliás resultantes, como sabe, de uma iniciativa desta bancada.

Vamos ver o que se passa nos julgados de paz. Os julgados de paz dirimem conflitos de natureza cível ou administrativa de pequena monta entre particulares, e o árbitro é o Estado, que assume o papel de neutralidade, de imparcialidade e medeia conflitos entre particulares.

O que é que temos na proposta do CDS? Temos, para já, apenas um certo tipo de matérias. Será por acaso que o CDS selecciona os contratos de investimento com benefícios fiscais, que normalmente colocam em litígio interesses entre o Estado e particulares de elevada quantia?

O CDS, na sua proposta, não apresenta nenhuma indiciação quanto ao árbitro a nomear. Quem será o árbitro neutro, imparcial e independente que vai mediar interesses e litígios entre o Estado - não é entre particulares - e um particular?

Isto causa-nos uma discordância de fundo. O interesse público que está em litígio com o interesse particular em matéria universal, em matéria de tributação, vai poder ser arbitrado por quem? Em quem é que o CDS estará a pensar? Não sei se estará em pensar em gabinetes de advogados altamente especializados para assumirem esta mediação independente. Não sei, mas era importante que isto ficasse clarificado no debate de hoje.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

A experiência que o País tem sobre a resolução de conflitos reside, no fundamental, no que resulta dos julgados de paz.

Aqui, medeiam-se conflitos de natureza administrativa e cível, no essencial existentes entre particulares.

Aqui, o Estado constitui-se um elemento neutro, evidentemente imparcial, que, aos olhos de todos e sobretudos dos litigantes, assume o papel de árbitro capaz de dirimir conflitos e encontrar soluções.

Aqui, o Estado desempenha também, sem qualquer demissão ou omissão, o papel que lhe compete na administração da justiça, função do Estado absolutamente inalienável.

O que pretende o projecto do CDS-PP é criar mecanismos de arbitragem a utilizar em certas questões de natureza fiscal e tributária, isto é, em conflitos em que uma das partes é o Estado e a outra parte uma entidade qualquer.

Percebe-se que o objectivo do CDS-PP é, antes de mais, o de circunscrever os conflitos objecto deste tipo de arbitragem a questões «respeitantes a benefícios fiscais ao investimento de natureza contratual», questões às quais o CDS-PP implicitamente reconhece constituírem a maior parte dos processos tributários de valor superior a um milhar de euros.

Mas o CDS-PP só agora clarificou, quanto a nós insuficientemente, aquilo que no seu entender deve ser o árbitro ou a pessoa imparcial a julgar esta mediação. No entender do PCP, e não obstante as regras que o PS afirmou desejar colocar em sede de especialidade, será muito difícil de demonstrar e de clarificar a neutralidade destes árbitros.

Duas outras questões, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se levantam ainda, face a este projecto do CDSPP.

Uma delas tem a ver com a natureza em si mesma do tipo de conflitos que pretende arbitrar.

Em nosso entender, as questões tributárias - mesmo aquelas que decorrem de contratos com o Estado - são regidas por legislação tributária de carácter universal que, no geral, tem (ou deve ter) por base a transparência e a equidade de todos os contribuintes perante a lei.

Não se entende, assim, muito bem como é que matérias desta natureza muito especial poderão ser dirimidas à peça, num sentido ou exactamente no sentido contrário, mesmo que para situações tributárias absolutamente idênticas.

Uma outra questão tem a ver com o desenrolar futuro deste tipo de arbitragem.

Percebe-se a aparente bondade do projecto que afirma pretender aliviar a pressão sobre os tribunais administrativos e fiscais - mesmo que, em nosso entender, o que deveria estar fundamentalmente em causa, nesta matéria, deveria ser a dotação da administração da justiça, dos recursos humanos e dos equipamentos e materiais capazes de lhes permitir dar uma resposta adequada e eficaz. Só que, quanto a nós, este tipo de arbitragem, em que se pretende mediar conflitos com o Estado, isto é, com o interesse público de um lado, pode ter - e terá, certamente - no horizonte a privatização a prazo dos mecanismos de mediação desta litigância. E, quanto a esta matéria, Srs. Deputados do CDS-PP, o PCP considera tratar-se de uma perspectiva e de um caminho pelo qual não queremos ir, um risco que não queremos que o País venha a correr no futuro.

 

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