Intervenção de

Casamento civil entre pessoas do mesmo sexo

 

Permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo

Sr. Presidente
Sr.as e Srs. Deputados:

Pela segunda vez em pouco mais de um ano, a Assembleia da República discute a questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Chegados a este ponto do debate, importará recentrar a discussão com serenidade e sem dramatismos no que está, de facto, em causa.

A matéria em debate encontra referências constitucionais e legais bem precisas e que devemos ter presentes na discussão que agora fazemos.

Por um lado, o n.º 1 do artigo 36.º da Constituição estabelece que todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade.

Por outro lado, o artigo 13.º da Constituição, na redacção que resulta da VI revisão constitucional, dispõe que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da sua orientação sexual. No entanto, o Código Civil continua a reconhecer a possibilidade de celebração do casamento apenas entre pessoas de sexo diferente.

A discussão que fazemos decorre, portanto, da necessária compatibilização daquelas disposições constitucionais no sentido de remover os obstáculos que hoje se colocam à celebração do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

E, como bem refere o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 359/2009, de 9 de Julho, esta discussão deve ser feita excluindo o entendimento segundo o qual a extensão do direito a contrair casamento a pessoas do mesmo sexo se basta com a aplicação das normas constitucionais referidas, mas também pondo de parte aquele outro entendimento segundo o qual o casamento objecto de tutela constitucional envolve uma petrificação do casamento tal como é hoje definido na lei civil.

Não estão, por isso, em causa neste debate as opções assumidas por cada um em função da sua orientação sexual, nem as relações afectivas que delas resultam. Quando duas pessoas do mesmo sexo decidem fazer vida em conjunto, fazem-no de acordo com a sua vontade e essas são opções individuais que uma sociedade democrática e tolerante tem obrigação de respeitar.

O que está em causa neste debate são as condições que o Estado garante aos seus cidadãos para viverem a sua orientação sexual sem que estejam sujeitos a constrangimentos que condicionem e limitem o exercício das suas opções.

A questão que se coloca é a de saber se esta Assembleia vai ou não alterar uma lei de onde resultam problemas concretos que diariamente atingem a vida destes cidadãos.

Da impossibilidade de celebração do casamento por casais de pessoas do mesmo sexo resultam situações de injustiça e desprotecção, particularmente do ponto de vista patrimonial e social, que condicionam a sua vida em comum.

A impossibilidade de duas pessoas do mesmo sexo contraírem casamento condiciona o regime a que estão sujeitas em matéria de acesso à casa de morada de família, de acesso às prestações por morte, em matéria laboral e em inúmeros outros aspectos.

O que temos hoje pela frente, Sr.as e Srs. Deputados, é a possibilidade de pôr fim a essas situações, garantindo aos casais de pessoas do mesmo sexo condições de igualdade no acesso ao casamento relativamente aos casais de pessoas de sexo diferente; garantindo o devido enquadramento legal das questões patrimoniais que se colocam nessa vida em comum; garantindo um adequado regime legal em matéria de conciliação da vida pessoal com a vida profissional; garantindo que, em caso de morte, é assegurada a devida protecção em matéria de casa de morada de família, de direitos sucessórios e no acesso às prestações por morte.

Considerando que o casamento é e deve continuar a ser um contrato regulado pela lei civil, ainda que um contrato de natureza especial tendo em conta os efeitos que dele decorrem, entende o PCP que se deve proceder à alteração legislativa no sentido de admitir o casamento por pessoas do mesmo sexo.

A conjugação de vontades de duas pessoas que optam por organizar a vida em comum de acordo com a sua orientação sexual não deve esbarrar na lei. E se nessa opção entenderem que a sua relação deve estar sujeita às regras, direitos e deveres do casamento, então só o direito a celebrar esse contrato de casamento civil corresponde ao respeito pela sua opção individual. Esta alteração legislativa é a resposta necessária aos problemas que hoje vivem os casais de pessoas do mesmo sexo, mas corresponde também a uma evolução registada na sociedade portuguesa no sentido da tolerância e do respeito pela orientação sexual de cada um.

A proibição de discriminação em função da orientação sexual, que a nossa Constituição passou a consagrar no artigo 13.º, e a legislação que desde 2001 alarga os direitos de quem vive em união de facto sem discriminar os casais de pessoas do mesmo sexo são exemplos significativos dessa evolução.

O PCP sempre contribuiu positivamente para que essa evolução se verificasse. A Lei n.º 7/2001, que pôs fim à discriminação das uniões de facto entre pessoas do mesmo sexo, contou com o contributo decisivo do PCP, tendo mesmo resultado no essencial do projecto de lei n.º 115/VIII, por nós apresentado.

Também agora contribuiremos para que em matéria de casamento se possam encontrar soluções para os problemas dos casais de pessoas do mesmo sexo.

Há, no entanto, em debate uma outra questão que consideramos distinta, que é a da adopção por casais de pessoas do mesmo sexo. Trata-se de uma questão em que já não está em causa o livre exercício de uma opção que resulta da orientação sexual de cada um mas, sim, uma matéria em que a preocupação central é o direito de cada criança a ter uma família.

Tal como na anterior Legislatura, continuamos a considerar que esta é uma matéria mais complexa cujo debate é necessário prosseguir. Consideramos mesmo que há vantagem em analisar essa questão no âmbito de uma reflexão mais profunda sobre a necessária resposta às insuficiências que o instituto da adopção continua a revelar e não no âmbito da discussão que agora fazemos.

Votaremos, por isso, favoravelmente a proposta de lei do Governo (proposta de lei n.º 7/XI/1.ª), abstendo-nos em relação aos projectos de lei do Partido Ecologista «Os Verdes» e do Bloco de Esquerda (projecto de lei n.º 14/XI/1.ª e projecto de lei n.º 24/XI/1.ª).

Votaremos contra o projecto de lei do PSD (projecto de lei n.º 119/XI/1.ª), que prevê a criação de uma união civil registada para casais do mesmo sexo, por considerarmos que a mesma assume um carácter discriminatório com que não podemos estar de acordo, é altamente burocrática e onerosa em algumas das soluções que prevê e é de alcance muito limitado na resposta aos problemas que estão em discussão, para além de algumas insuficiências e erros técnicos que apresenta.

O PSD vem propor uma união civil que pode ser dissolvida por vontade unilateral de um dos parceiros, bastando a notificação ao outro membro e o respectivo registo.

Logo o PSD, que tanto se opôs à aprovação da lei que prevê a possibilidade de dissolução do casamento por vontade de apenas um dos cônjuges.

A ser aprovada, Sr.ª Deputada Teresa Morais, a proposta agora apresentada pelo PSD criaria uma situação incompreensível em que aos casais de pessoas do mesmo sexo estaria vedada a possibilidade do casamento e aos casais de pessoas de sexo diferente estaria vedado o acesso à união civil registada.

Procurando conciliar aspectos dos regimes do casamento e das uniões de facto, o que o PSD propõe afinal é a criação de uma figura de união civil que viria acrescentar novos problemas aos já existentes, acentuando particularmente situações de discriminação que temos todos o dever de combater.

Por fim, relativamente à iniciativa popular de referendo (projecto de resolução n.º 50/XI/1.ª), também em discussão, importa reconhecer a inteira legitimidade da iniciativa assumida pelos seus proponentes.

Merece igualmente referência o tratamento excepcionalmente célere que a petição obteve por parte da Assembleia da República, permitindo que seja hoje discutido, conjuntamente com as iniciativas legislativas, um projecto de resolução com vista à realização de um referendo sobre a matéria.

Consideramos, no entanto, que a solução dos problemas em discussão exige uma alteração legislativa que a Assembleia da República tem toda a legitimidade para concretizar, não acompanhando, portanto, a opção de realização desse referendo.

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