Intervenção de

Carreiras e remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas - Intervenção de Jorge Machado na AR

Regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas

 

 

Sr. Presidente,
Srs. Ministros,
Sr.as e Srs. Deputados,

Sr. Ministro, um dos traços mais marcantes deste diploma (proposta de lei n.º 152/X) é o ataque ao vínculo estável dos trabalhadores, é a aplicação da flexigurança e a liberalização do despedimento aos trabalhadores da Administração Pública, pelo que importa que o Governo esclareça que mal, que praga mortal se abateu sobre o vínculo público. O que é que justifica este ataque? O que é que o Governo tem contra o vínculo estável dos trabalhadores?

Sr. Ministro, em que é que a precariedade e a liberalização dos despedimentos ajuda à construção de uma Administração Pública melhor e mais eficaz? Em nada! Bem pelo contrário, uma boa Administração Pública só se consegue por via de emprego com direitos e com vínculos estáveis.

O regime público de contratação, com vínculo estável e permanente, é essencial. Só assim se garante a autonomia e a independência dos trabalhadores face a tudo e a todos e estando apenas obrigados ao respeito pela lei e à prossecução do interesse público.

O Governo confere um poder, muitas vezes discricionário, ao dirigente máximo. A atribuição de um conjunto de poderes aos dirigentes máximos dos serviços e dos organismos, na sua grande maioria nomeados ora pelo PS ora pelo PSD, vem aumentar o risco de partidarização da Administração Pública.

Diga, Sr. Ministro: acha mesmo que a Administração Pública vai ficar melhor, vai servir melhor os portugueses? Ou vai ficar cada vez mais partidarizada, menos independente e mais susceptível ao conluio e à corrupção?

Sr. Ministro, com esta proposta de lei, o Governo dá um passo vergonhoso para a privatização de um significativo conjunto de serviços.

O processo que se iniciou com o PRACE precisava de um regime jus-laboral que permitisse ao Estado ou liberar-se dos trabalhadores ou fragilizar os seus direitos, para, assim, reconfigurar o Estado, moldandoo aos interesses dos grandes grupos e a interesses financeiros.

Assim, com esta proposta de lei, estamos a assistir a mais um passo na já longa caminhada que visa desmantelar a Administração Pública, entregar os serviços à gula do sector privado, com claros prejuízos

para os portugueses e subvertendo a Constituição da República Portuguesa.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,
Sr.as e Srs. Deputados:

Este é um dos últimos diplomas que discutimos nesta 2.ª Sessão Legislativa da X Legislatura, que fica claramente marcada pela ofensiva deste Governo contra os trabalhadores da Administração Pública e contra os serviços públicos. Nunca, na história da nossa democracia, tivemos tamanho ataque aos direitos dos trabalhadores da Administração Pública.

A proposta de lei que o Governo hoje apresenta constitui uma verdadeira declaração de guerra aos trabalhadores e aos seus direitos. A «coroa de glória» do PS, diz o Sr. Ministro, é fazer aquilo que o PSD não fez!

Sob a capa de uma suposta reforma, o Governo quer subverter as funções do Estado, satisfazendo, assim, os interesses dos grandes grupos financeiros. Ora, a concretização e a satisfação destes interesses colidia com a existência de trabalhadores com direitos e com vínculos estáveis. Para facilitar, quer a privatização, quer a destruição de serviços, o Governo apresenta hoje um regime jurídico que cria condições objectivas para a concretização desse desiderato.

Vejamos as propostas em concreto. O Governo, respondendo ao desafio feito pelo PSD e cumprindo a sua agenda neoliberal, definiu as «funções nucleares do Estado», limitando-as à defesa, à representação externa do Estado, aos serviços de informações, à investigação criminal, à inspecção e às forças de segurança pública. Para os trabalhadores que exerçam estas «funções nucleares», o Governo reserva um vínculo estável e permanente. Os restantes trabalhadores vêem a sua situação laboral alterada e fragilizada. Esta concepção de Estado autoritário e repressivo, típica do século XIX, deixa de fora funções essenciais como a educação, a saúde e a segurança social.

Há, assim, uma demissão do Estado das suas funções essenciais, o que contraria a Constituição e constitui um claro sinal do Governo de que as restantes funções do Estado podem ser privatizadas.

Aos trabalhadores que não desempenham as ditas «funções nucleares», o Governo, numa solução cuja constitucionalidade oferece dúvidas, altera os contratos de nomeação definitiva para contratos por tempo indeterminado. Ao fragilizar o vínculo destes trabalhadores, o Governo ameaça o princípio da segurança jurídica e da confiança e põe em causa as legítimas expectativas destes trabalhadores.

O Governo, aplicando já o Relatório da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais, prevê a possibilidade de haver uma negociação directa entre o serviço que contrata um trabalhador e este mesmo trabalhador quanto à sua posição remuneratória. Esta negociação pode constituir um factor de discriminação, impondo condições menos favoráveis para uns trabalhadores e mais favoráveis para outros, em função da cor do cartão partidário apresentado.

Este diploma arrasa com as carreiras, com o objectivo de limitar ao máximo a progressão na carreira e as promoções. A progressão depende da obtenção de um crédito de 10 pontos que a grande maioria dos trabalhadores apenas consegue atingir passados cerca de 10 anos, e isto apenas se não tiver nenhuma avaliação negativa.

O Governo, com esta proposta, pretende generalizar e legalizar situações de trabalho precário, indo mais uma vez ao encontro do Relatório do Livro Branco quando alarga as situações em que é permitido o uso de contrato com termo resolutivo. Importa referir que ainda falta concretizar muitas das matérias que o Governo remete para o chamado regime do contrato de trabalho em funções públicas, que ainda nem sequer foi negociado com os sindicatos.

Sr. Presidente,

Sr. Ministro,

Sr.as e Srs. Deputados:

Quanto aos despedimentos, o Governo institui na Administração Pública o despedimento colectivo, o despedimento por extinção do posto de trabalho, o despedimento após um ano em regime de mobilidade, o despedimento por impossibilidade superveniente de a entidade pública receber o trabalhador e o despedimento por inaptidão. Seguindo fielmente as orientações neoliberais propostas pelo Relatório do Livro Branco, o Governo está apostado em liberalizar o despedimento na Administração Pública. Já estamos a ver o Governo a encerrar um centro de saúde ou uma escola e a promover o despedimento de todos os trabalhadores alegando uma extinção do posto de trabalho.

O Governo leva ao extremo a instabilidade no emprego para os trabalhadores da Administração Pública. Com a proposta que hoje discutimos, o dirigente máximo, ao elaborar os mapas anuais de pessoal, pode determinar quais os trabalhadores que supostamente estão em excesso. Uma vez determinados os trabalhadores em situação de supranumerário, o dirigente toma diligências para a cessação do contrato e, mesmo que os trabalhadores aceitem ir para a mobilidade, só ficarão nesse regime durante um ano, findo o qual, não tendo conseguido colocação, são despedidos.

A proposta refere que o contrato pode cessar por causas previstas no regime do contrato de trabalho em funções públicas, diploma que a Assembleia ainda desconhece.

Por fim, importa referir que o Governo cria uma nova justificação para o despedimento, a chamada inaptidão. Pretende o Governo justificar o despedimento num conceito muito vago e de difícil determinação que, na prática, significa o despedimento sem justa causa. Esta proposta de lei comprova as reais intenções do Governo quanto à aplicação das conclusões do Relatório do Livro Branco e, por isso, constitui um sério aviso para todos os trabalhadores. Na Administração Pública, o Governo propõe já a aplicação da flexigurança, ou seja, mais trabalho precário, trabalhadores com menos direitos e liberalização dos despedimentos, incluindo o despedimento sem justa causa.

Sr. Presidente,

Sr. Ministro,

Sr.as e Srs. Deputados:

O Governo, afirma muitas vezes ter coragem reformista. Pena é que apenas tenha coragem para atacar os trabalhadores e defender os interesses dos grandes grupos financeiros. Corajoso é defender uma Administração Pública que esteja ao serviço dos portugueses, com mais e melhores serviços públicos. Corajoso é defender uma Administração Pública imparcial e independente dos partidos políticos.

Corajoso seria defender uma Administração Pública que não cedesse face aos interesses dos grandes grupos financeiros.

Infelizmente, o Partido Socialista, traindo a sua base de apoio e mais uma vez reafirmando o seu projecto político de direita, «brinda» os trabalhadores da Administração Pública com as concepções mais retrógradas no que ao direito do trabalho diz respeito, recuando para o século XIX e ignorando a luta de milhares de trabalhadores, as prisões e o assassinato de trabalhadores que lutaram pelos direitos que o PS hoje ameaça.

Os trabalhadores podem contar com o PCP na total oposição a estas propostas, pelo que daqui reafirmamos a necessidade de construir uma Administração Pública que respeite a Constituição de Abril e esteja ao serviço do povo português.

 

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