Intervenção de Christina Nikolaou, Responsável do Departamento do Ambiente do Comité Central do AKEL - Chipre, Seminário «O Capitalismo não é verde. Uma visão alternativa sobre as alterações climáticas»

«O capitalismo verde está destinado ao fracasso»

«O capitalismo verde está destinado ao fracasso»

Queridos amigos e camaradas,

Antes de mais gostaria de agradecer ao Partido Comunista Português pelo convite para participar neste debate. Gostaria também de aproveitar a ocasião para transmitir as saudações de camaradagem do AKEL aos comunistas de Portugal.

Amigos e camaradas,

Não há melhor momento do que este para discutir esta questão, já que a mudança climática é talvez a questão mais relevante e urgente do nosso tempo. Deve ser uma prioridade nossa apresentar propostas concretas à sociedade sobre como resolver todos esses problemas ambientais, uma vez que é absolutamente certo que o capitalismo não representa a alternativa.

O capitalismo verde está destinado ao fracasso: não se pode continuar a fazer a mesma coisa e esperar resultados diferentes. Não se pode comprar uma via de fuga do aquecimento global, nem existem varinhas mágicas tecnológicas que nos salvem. Não há outra alternativa senão uma radical mudança na forma de organização da economia global e dos padrões de consumo.

É possível gerir uma economia capitalista em expansão mantendo os seus impactos dentro de limites ecológicos seguros, ou este sistema movido pela ganância é efectivamente uma máquina de suicídio que está destinada a auto-destruir-se? Não creio que a resposta seja difícil de encontrar.

O facto de o actual sistema económico capitalista dominante ser insustentável não está em dúvida. Esse sistema contribuiu para romper várias barreiras ecológicas, em relação às mudanças climáticas, à perda de biodiversidade e ao enriquecimento de nutrientes. Ao mesmo tempo que danifica os sistemas naturais que o sustentam, o capitalismo também está a conduzir a crescentes desigualdades, gerando tensões sociais que o tornam ainda mais vulnerável.

O problema do desenvolvimento «verde» ou «sustentável», ou capitalismo verde, não é a sua identificação agressiva, usada para embelezar o que está no cerne, mas a essência unidimensional e obrigatória que o desenvolvimento tem no capitalismo, ou seja, o facto de a produção servir apenas para acumulação de capital e lucro.

A União Europeia, na última década, promoveu uma «estratégia de crescimento verde» como uma «ferramenta» para escapar não apenas da degradação ambiental, mas também da crise económica. A maioria dos partidos no poder da UE adoptou apressadamente essa «estratégia». No entanto, surge a questão de saber se essas políticas são «verdes», ou se são políticas baseadas em princípios que não se caracterizam por uma redefinição radical das relações económicas e ambientais naturais.

O capitalismo tem a capacidade, no contexto do mercado e da livre concorrência, de enfrentar os principais problemas que criou no nosso planeta? Para nós, AKEL, a resposta é negativa. Acreditamos firmemente que a teoria do «capitalismo verde» é mais um truque para procurar desviar toda a discussão. Os impasses na gestão de recursos naturais limitados são causados pelo próprio sistema capitalista. Ao mesmo tempo, levanta-se a questão de saber como o capital industrial aceitará introduzir critérios ecológicos no contexto dum processo de desenvolvimento que é unidimensionalmente orientado para servir a maximização do lucro.

Todas as medidas aplicadas - a partir dos biocombustíveis, que de facto exacerbam a crise alimentar para abastecer veículos utilitários desportivos, e os mercados da poluição (ao mesmo tempo que os mercados financeiros entram em colapso), através dos quais fundos poderosos obtêm a capacidade de aumentar a poluição que produzem «transpondo-a» para outras partes do globo (o chamado comércio de direitos de poluição) - tornam visível o impasse absoluto dessas «soluções». No fundo, o ambiente é agora uma nova arena de competição. Todos conseguem compreender que a ideia desses mecanismos é ambientalmente antiética. A UE estabeleceu uma negociata entre Estados e unidades industriais, com o critério básico de comparar uma redução na produção de energia baseada em combustíveis fósseis com o lucro que terão com a venda das emissões a terceiros.

Caros camaradas,

Acreditamos que os grandes problemas ambientais não podem ser resolvidos com base nesses mecanismos nem pelo mesmo sistema, que não só os cria, mas também os reproduz e agrava. Com base nas realidades actuais e nos equilíbrios políticos globais, o AKEL intervém e apresenta formas e políticas específicas para evitar e combater desenvolvimentos catastróficos.

De acordo com dados divulgados pelo Centro de Pesquisa em Epidemiologia de Desastres, desde 2018 até ao presente, cerca de 5000 pessoas morreram e 28,9 milhões precisaram de assistência de emergência, ou ajuda humanitária, por causa do clima extremo. Secas, tempo frio, vagas de calor e inundações são apenas alguns dos desastres naturais que devastaram comunidades inteiras em todo o mundo em 2018, matando milhares de pessoas e causando danos de milhares de milhões de dólares. O ano de 2019 não foi diferente, como evidenciado de forma mais triste pelos incêndios na Amazónia. A escala da devastação provocada pelos incêndios florestais que ainda lavram na Amazónia é difícil de compreender. Julho de 2019 foi o mês mais quente já registado na Terra, enquanto ao mesmo tempo houve um aumento dramático no número de incêndios em áreas como o Alasca, a Gronelândia e a Sibéria, onde nenhum incêndio havia sido registado anteriormente. Os incêndios na floresta ama- zónica seguem em cadeia esses efeitos assustadores, que agora transformam as alterações climáticas, não apenas numa crise climática, mas num pesadelo ecológico que suscita questões dramáticas sobre o futuro do nosso planeta. Infelizmente, todas as questões referidas são o resultado da exploração incessante e contínua da natureza.

O que está a acontecer no Brasil constitui um exemplo claro do que foi referido anteriormente, porque os incêndios na Amazónia não estão desligados da eleição, em Janeiro de 2019, de Bolsonaro para a Presidência brasileira. Estamos perante um político de extrema-direita, que conta com o apoio incondicional do Governo do Presidente Trump dos EUA e que a UE tem apoiado tacitamente para barrar o caminho à esquerda neste importante país da América Latina.

Poucos meses após a eleição de Bol- sonaro, as taxas de desflorestação começaram a subir acentuadamente. O Presidente de extrema-direita, apoiando e servindo os poderosos interesses económicos e financeiros no Brasil e internacionalmente, entregou partes da Amazónia a privados para exploração e, ao mesmo tempo, está abolindo ou limitando políticas visando proteger o meio ambiente e a região amazó- nica. O Governo Bolsonaro minou e coibiu os serviços ministeriais ambientais e promoveu a abertura da Amazónia à exploração mineira, agrícola e madeireira. Durante meses recusou-se firmemente a activar mecanismos estatais, deixando milhares de incêndios fora de controle, e ameaçando os povos indígenas que habitam a área, entre outros.

A conclusão é simples: a crise ambiental é o resultado directo do desenvolvimento capitalista e do excesso de con- sumismo no chamado mundo capitalista avançado, que glorifica o lucro e coloca-o à frente da própria existência do nosso planeta. A crise ambiental está ligada às contínuas guerras agressivas causadas pela ânsia do imperialismo em garantir o controle da riqueza e dos recursos naturais do planeta.

Voltando à questão de saber se ainda é possível um sistema económico que apoie as pessoas e o nosso planeta, a resposta pode ser simples. É viável, mas será necessário um grande esforço e a luta de todos os partidos progressistas em todo o mundo. O dilema nunca foi tão claro. Ou desenvolveremos uma economia diferente, na qual o critério principal não será a rentabilidade do capital e a maximização do lucro, mas sim o benefício social e a manutenção de um equilíbrio ecológico, ou sacrificaremos a nossa própria vida em prol dos interesses do grande capital.

Não podemos permanecer meros espectadores perante todos estes desenvolvimentos, esperando que outros decidam que a mudança climática é uma crise digna de um plano de resgate.

Para o AKEL, uma prioridade fundamental é o bem-estar das pessoas numa sociedade baseada na igualdade, na preservação dos recursos naturais e na demonstração do respeito necessário por todas as formas de vida no planeta. A proposta do AKEL visa processos e relações de produção justos e sustentáveis, que abranjam mudanças socioeconómicas, sempre com base nas condições específicas do nosso país.

O AKEL considera que hoje a política ambiental deve, acima de tudo, incluir a adopção e implementação de novas políticas de desenvolvimento económico e social, que levem em conta as condições discutidas acima e visem preservar o potencial do ecossistema e dos recursos naturais, no âmbito duma estratégia de desenvolvimento sustentável mais geral e abrangente. Para esse fim, o próprio Estado e a sociedade devem rever as políticas de desenvolvimento e crescimento económico imprudente, no âmbito duma campanha nacional, adequando-as às novas condições climáticas e económicas adversas que começam a afectar a nossa população em rápido crescimento, os nossos países e as nossas vidas.

Acreditamos firmemente que uma solução final para a questão ambiental não poderá ser alcançada a menos que o modelo dominante do capitalismo seja mudado, mas, ao mesmo tempo, acreditamos que devemos cultivar a consciência e a sensibilidade ambientais, sob todas as formas, na sociedade. A questão ambiental, correctamente abordada enquanto questão de política socioeconómica, deve ser integrada em todos os níveis de ensino. Temos que informar as pessoas de maneira contínua e transparente sobre as questões ambientais. Para esse fim, o AKEL muitas vezes organiza, entre outras, várias campanhas, conferências e iniciativas, tanto ao nível nacional como local, sempre buscando envolver jovens, crianças, trabalhadores e reformados. No Verão passado, por exemplo, os acampamentos infantis da nossa Organização de Juventude EDON tiveram a questão do meio ambiente como uma de suas principais actividades e temas.

Um dos principais pilares da nossa luta deve ser a luta pela paz e pelo desarmamento internacionais, a fim de pôr fim às catastróficas guerras em curso, e pela abolição da rede de bases militares em todo o mundo que, para além de todos os outros problemas que geram, também destroem o meio ambiente. No que diz respeito ao Chipre, o objectivo de reunificar a nossa pátria comum e a solução do problema de Chipre são pré-requisitos para integrar o meio ambiente do nosso país.

As massas populares e os trabalhadores são desproporcionadamente afectados pela degradação do meio ambiente quando comparados com os grupos mais abastados da população, que sempre encontram as formas de explorar as reservas naturais. Por esse motivo, a luta para resolver o problema ambiental está directamente ligada à luta so- cioeconómica, e é uma luta por uma sociedade mais justa e humana.

Caros amigos e camaradas,

A análise contemporânea dos problemas ambientais, tanto ao nível académico e de investigação, quanto ao nível da economia política, conclui que a causa última do problema ambiental, à escala global e no plano histórico, é a predominância do sistema capitalista e, nas últimas décadas, a intensificação da globalização capitalista através da imposição do neoliberalismo. A questão ambiental é profundamente política e o grau de organização das forças que resistem a esse caminho catastrófico é determinante para o futuro das próximas gerações.

Neste momento crucial da História da Humanidade, o movimento de esquerda é a única força política e social de esperança. E é nosso dever projectar e transmitir essa esperança aos povos.

Muito obrigado.