Intervenção de

Cancro do colo do útero - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Integração da vacina que previne o cancro do colo do útero no plano nacional de vacinação

 

Sr. Presidente e Srs. Deputados:

 

Não quero deixar de começar esta minha intervenção sem manifestar o mais vivo repúdio pela associação que a Sr.ª Deputada Regina Ramos Bastos fez aqui entre a problemática que estamos a discutir e aquilo a que chamou o «aborto gratuito».

Não sei bem o que é o «aborto gratuito», mas se a Sr.ª Deputada se está a referir à possibilidade de haver interrupção voluntária da gravidez de forma segura, acompanhada e combatendo um grave problema de saúde pública que é o aborto clandestino no Serviço Nacional de Saúde, então estamos de acordo com isso e lutaremos para que isso de facto se concretize para as mulheres portuguesas!

Isto nada tem a ver com a questão que estamos aqui hoje a discutir!!

Sobre a matéria em causa, quero dizer, em primeiro lugar, que o problema é muito sério: o problema que estamos aqui a tratar - a questão do cancro do colo do útero - é a segunda causa de morte entre as mulheres, a seguir ao cancro da mama. E, para além disso, tem uma incidência muito elevada: mais de 300 mulheres morrem por ano no nosso país com cancro no colo do útero e a taxa de incidência é bastante elevada, aliás, é uma das mais elevadas da Europa.

É evidente que a isto não é alheio o facto de o rastreio através da citologia (do famosos teste Papanicolau) não ser suficientemente eficaz e acessível; a isto não é indiferente o facto de, nos serviços de saúde, continuar a não haver a disponibilidade, em geral, para que as mulheres possam recorrer a este tipo de exame e a consultas de ginecologia e obstetrícia, e o facto de, no sector privado, este exame ser caro e não acessível a muitas mulheres portuguesas.

O rastreio é, por isso, muito importante.

Está apontado, em termos estatísticos, que a generalização do rastreio nos países mais desenvolvidos contribuiu para uma fortíssima diminuição do cancro no colo do útero, embora este rastreio com este teste não seja completamente eficaz (e dos casos de cancro, muitos deles dizem respeito a erros no teste Papanicolau, na análise citológica) mas, realmente, o alargamento do rastreio é, sem dúvida, uma medida indispensável neste campo. E estamos muito atrasados nesta matéria!

Como bem disse aqui o Partido Ecologista «Os Verdes», isso demonstra a insipiência com que o Plano Nacional de Saúde aborda esta matéria.

O rastreio, evidentemente, tem de ser bastante alargado e talvez não seja mau começar a olhar para experiências de outros países, designadamente os Estados Unidos da América, em relação a outros testes para a detecção do papiloma vírus humano, para além da citologia, mais eficazes e especialmente aconselháveis, porventura, nos casos em que o teste normal traga dúvidas ou justifique uma segunda apreciação.

É evidente que isto não pode descurar nem desvalorizar a questão da vacinação que aqui hoje é proposta - e muito bem! - pelo Partido Ecologista «Os Verdes» e, quanto mais não fosse, por isso já valia a pena este debate fazer-se hoje para trazer para cima da mesa e para o debate no Plenário da Assembleia da República esta importante questão. Penso que a iniciativa de Os Verdes tem, por isso, um especial valor que saudamos.

As vantagens da vacinação são evidentes e demonstradas: a vacina tem um carácter positivo, aceite em geral pela comunidade científica, mesmo sendo certo que alguns dos aspectos decorrentes da vacina não estejam, ainda, completamente estudados, até porque alguns deles só poderão estar completamente estudados com o decurso dos anos, para se ver o que é que acontece com o efeito a longo prazo da vacinação e a interacção com outras circunstâncias. Portanto, não podemos estar à espera ad aeternum do decurso desses anos para ter todas as certezas - aliás, nunca se esperou por todas as certezas para incluir vacinas no Plano Nacional de Vacinação. Julgo que, para incluir uma vacina nova no Plano Nacional de Vacinação, é sempre importante que haja uma fundamentação muito precisa, muito cuidada, com previsão - na medida em que isso é possível no momento em que se toma a decisão -, de todos os efeitos dessa inclusão, mas dizer isso é uma coisa, outra coisa é procurar atirar essa ponderação para um período muito longo, o que, nesta matéria, penso que não se justifica.

Depois, quero ainda dizer que o próprio Primeiro-Ministro se referiu aqui à possibilidade de o Governo optar pela comparticipação. E estive a fazer umas continhas, partindo do pressuposto de que uma vacinação deste tipo não iria fazer-se - não se tem feito com outras vacinas -, desde logo, para todas as mulheres, isto é, iria escolher-se uma idade, aquela em que fosse mais eficaz, e a partir daí, sistematicamente, começar a vacinar as mulheres. Sabendo que a vacinação é aconselhada antes do início da vida sexual activa, podíamos escolher, por exemplo, a idade dos 14 anos como uma idade possível para aplicação da vacina. Ora, no nosso país há 60 000 raparigas com 14 anos, o que implicaria que, por ano, houvesse a aplicação de 60 000 vacinas contra o papiloma vírus humano. Se olharmos para a comparticipação que o Governo diz estar a estudar e incluíssemos esta vacina numa comparticipação de 100%, escalão A - e já não é 100%, em muitos casos, mas pensemos em escalão A -, isto implicaria um custo de cerca de 29 milhões de euros por ano; se a incluíssemos no escalão B, o custo seria de 20 milhões de euros; e se a incluíssemos no escalão C seria de 11,5 milhões de euros. Não se trata, portanto, de números absolutamente astronómicos, em relação ao que é o custo habitual em matéria de vacinação e despesas em saúde. Agora, isto é assim no caso da comparticipação, porque, evidentemente, a compra da vacina pelo Estado, em grandes quantidades, para inclusão no Plano Nacional de Vacinação, será muito mais barata - é isto que acontece quando se compra em grandes quantidades. E, neste caso, estamos, certamente, a falar em montantes muito inferiores, por ano, ao que acabei de referir; não sou capaz de dizer quais são, porque isso depende da negociação com o fornecedor ou com os fornecedores, mas já disse que, mesmo numa comparticipação a 100%, o máximo seria de 29 milhões de euros por ano, pelo que o custo será muito abaixo deste, se calhar, de menos de metade deste valor, o que não é assim tão significativo.

É, pois, importante dizer que se justifica plenamente este projecto de resolução (n.º 186/X) , porque está comprovado que esta vacina tem eficácia, todos os dados que existem, hoje, demonstram essa eficácia, e que eventuais aperfeiçoamentos no estudo dos dados não podem servir para impedir para sempre a inclusão desta vacina no Plano Nacional de Vacinação.

Estamos de acordo com a ponderação necessária, mas também entendemos o que esta resolução propõe, ou seja, esta resolução não propõe que, no próximo mês de Maio, a vacina passe a estar incluída no Plano Nacional de Vacinação, esta resolução propõe-se recomendar ao Governo a sua inclusão no Plano Nacional de Vacinação. E não está lá qualquer prazo! É uma indicação num determinado sentido e parece-me que esse sentido é irrecusável. Podemos dizer que ainda é preciso  estudar alguns aspectos - certamente! -, mas julgo que temos a segurança suficiente para, neste momento, dizer que é justo recomendar ao Governo que caminhe no sentido de incluir esta vacina no Plano Nacional de Vacinação.

Se daqui a alguns meses viéssemos a concluir que se havia descoberto um problema muito difícil de resolver e com sérias consequências, que desaconselhavam a vacina, ninguém obrigaria o Governo a, ainda assim, proceder à sua inclusão. Do que se trata aqui - é assim que esta resolução tem de ser entendida - é de recomendar um caminho ao Governo que é o de permitir que esta vacina seja generalizada a partir de uma determinada idade e, gradualmente, a todas as mulheres portuguesas. Penso que se trata de um caminho irrecusável e que ficaria muito bem à Assembleia da República se esta recomendação fosse aprovada.

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