Intervenção de

Código de Processo Penal - Intervenção de João Oliveira na AR

Décima quinta alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de  Fevereiro

 

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

As propostas do PCP, apresentadas relativamente à proposta de lei n.º 109/X - Alteração ao Código de Processo Penal, referem-se a duas questões fundamentais sobre as quais temos profundas discordâncias.

A primeira diz respeito ao segredo de justiça. No entender do PCP, a nova redacção proposta para o artigo 86.º introduz profundas alterações, alargando o princípio da publicidade a todas as fases do processo, sendo o segredo de justiça uma situação excepcional apenas admitida para a fase de inquérito, quando, até hoje, quer na fase de inquérito quer na fase de instrução, a regra era a do segredo de justiça, sendo a publicidade a excepção.

Tendo em conta a natureza e os fins da fase de instrução, nomeadamente a possibilidade de realização de investigações, previstas no artigo 290.º, não se compreende que o segredo nem sequer seja admitido, como excepção, na fase de instrução.

Em segundo lugar, entendemos que, com a nova redacção do artigo 86.º, o papel do Ministério Público é profundamente subvertido, por um lado, porque a decisão, que lhe cabe, de submeter o processo ao segredo de justiça está sujeita à validação pelo juiz de instrução. Ora, esta solução não condiz com a concepção do Ministério Público como autoridade judiciária a quem compete a direcção do inquérito e transforma o Ministério Público em parte processual. Por outro lado, em caso de indeferimento, pelo Ministério Público, do requerimento destinado ao levantamento do segredo, os autos são automaticamente remetidos ao juiz de instrução, que decide por despacho irrecorrível.

Ora, para além de, a este respeito, valerem as considerações anteriores, acresce, ainda, a nossa total discordância quanto à irrecorribilidade daquele despacho.

Há, ainda, outra questão relevante no âmbito do segredo de justiça que é a da inclusão de uma norma que tende a esconder a violação do segredo de justiça, responsabilizando quem tem acesso à informação, nomeadamente os jornalistas, podendo estar em causa a sua divulgação.

No entender do PCP, não é boa orientação baixar os braços perante as repetidas situações de violação do segredo de justiça, «apontando as baterias» ao jornalista que divulga a informação e não a quem efectivamente violou o segredo, disponibilizando esta informação que constava do processo.

Quanto à localização celular, a criação desta nova medida cautelar e de polícia suscita-nos as maiores reservas porque, em nosso entender, implica a compressão de direitos fundamentais sem que estejam salvaguardados os limites adequados.

Em primeiro lugar, porque esta medida cautelar implica, necessariamente, a ingerência nos meios de comunicação mas não restringe a sua utilização às situações em que já exista um processo, como prevê o n.º 4 do artigo 34.º da Constituição.

Em segundo lugar, porque a obtenção destes dados pelos órgãos de polícia criminal não está sujeita a autorização judicial num largo número de situações, sendo a regra a da mera comunicação ao juiz, depois de obtida essa informação.

Ora, por entendermos que este é um regime que comprime desproporcionadamente direitos fundamentais, propomos a eliminação.

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Intervenção de Bernardino Soares (declaração de voto)
À votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 109/X e aos projectos de lei n.os 237/X, 240/X, 367/X, 368/X, 369/X e 370/X

 

As dificuldades com que hoje se confronta o sistema judicial português pouco têm que ver com a inadequação dos regimes processuais em vigor, antes reflectem a profunda crise social que o País atravessa e a errada orientação das opções políticas de sucessivos governos. São essas opções que vão perpetuando a insuficiência dos recursos humanos e dos meios técnicos afectos ao sistema de justiça, a insuficiência ou inadequação dos meios ao dispor da investigação criminal e do combate ao crime, a sobrelotação das prisões, o aumento sucessivo das custas e das taxas de justiça ou regimes restritivos de apoio judiciário.

O PCP entende, por isso, que a revisão do Código de Processo Penal não assume um carácter decisivo na resposta aos problemas estruturais do sistema de justiça. Entendemos que a solução desses problemas exige uma alteração na orientação da política de justiça, contrariando o rumo de desresponsabilização do Estado, de discriminação de natureza económica no acesso ao direito e aos tribunais e de falta de investimento em meios técnicos e materiais ou na afectação de recursos humanos.

Ainda assim, o PCP não quis deixar de contribuir para o processo de revisão do Código de Processo Penal que agora se conclui, tendo apresentado um projecto de lei. No entanto, algumas das alterações agora introduzidas não podem merecer a nossa concordância, merecendo algumas a mais frontal oposição.

É o caso das alterações introduzidas ao regime do segredo de justiça e da criação de uma nova medida cautelar e de polícia de localização celular.

Quanto ao primeiro desses aspectos, o segredo de justiça, destacamos negativamente a profunda alteração de paradigma que se opera com esta revisão. O segredo de justiça deixa de ser uma regra primacialmente ao serviço da eficácia da investigação para passar a ser um instrumento ao dispor dos sujeitos processuais. A regra da publicidade do processo passa a abranger todas as fases processuais, apenas se admitindo a excepção de manutenção do segredo na fase de inquérito, e já não na fase de instrução. O papel do Ministério Público sofre uma profunda alteração, passando a sua intervenção neste âmbito a estar sujeita à validação judicial ou as suas decisões sujeitas a recurso para o juiz de instrução que decide por despacho irrecorrível.

De destacar é ainda o facto de passarem a estar vinculados ao segredo de justiça todos quantos tenham tomado conhecimento de elementos pertencentes ao processo sem que com ele tenham tido contacto (n.º 8 do artigo 86.º).

Para o PCP, estas alterações não salvaguardam devidamente a investigação e procuram dar resposta ao problema das mediáticas violações do segredo de justiça publicamente divulgadas, não atacando a origem do problema.

Por um lado, tendo em conta a natureza da fase de instrução e a possibilidade de realização de investigações e outras diligências nesta fase processual, não podemos concordar com a impossibilidade de aí se sujeitar o processo ao segredo de justiça. Só sujeitando nessa fase o processo ao regime do segredo se poderá salvaguardar devidamente a eficácia da investigação e a prova recolhida, pelo que a alteração agora concretizada se poderá vir a traduzir num prejuízo para a acção penal.

Por outro lado, os moldes em que a intervenção do Ministério Público é definida não são compatíveis com a função de dirigir o processo que lhe é acometida na fase de inquérito. A intervenção judicial neste novo regime do segredo de justiça é desproporcionada e excessiva, sendo o juiz de instrução chamado a desempenhar um papel de tutela sobre o Ministério Público.

Já a norma do novo n.º 8 do artigo 86.º, que parece ter como destinatários os jornalistas, vincula ao segredo de justiça quem não tenha tido contacto com o processo. Esta norma, que resulta de uma pequena alteração ao actual n.º 4, não dá resposta ao problema da violação do dever de segredo, procurando sim impedir a divulgação da informação obtida por essa via. Para o PCP, esta é uma alteração profundamente errada na medida em que não ataca o verdadeiro problema da violação do segredo de justiça e os prejuízos que daí resultam para a eficácia da acção penal, não contribui para evitar a violação desse dever de segredo e denuncia uma preocupação apenas com a divulgação pública dessa informação e não com a protecção do processo e da investigação.

Quanto à medida cautelar e de polícia de localização celular que agora é criada, ela levanta-nos fortes objecções por poder colidir com direitos fundamentais sem se garantir a necessária ponderação de interesses e a proporcionalidade da restrição desses direitos.

Esta nova medida cautelar e de polícia fica sujeita a um regime em que não se exige autorização judicial para a sua utilização pelos órgãos de polícia criminal num largo número de situações, apesar de implicar a intercepção de comunicações entre pessoas. Tendo em conta que estamos perante um direito, liberdade e garantia pessoal, protegido pelo n.º 4 do artigo 34.º da Constituição, não consideramos estarem verificadas as condições mínimas de protecção desse direito exigidas pela Lei Fundamental.

 

 

 

 

 

 

 

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