Intervenção de

Bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação<br />Intervenção de Bernardino Soares

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados:Como era de esperar, o Governo trouxe-nos hoje mais um exercício de retórica e demagogia, que se traduz, no que diz respeito a avanços na garantia dos direitos das pessoas com deficiência, «numa mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma».Senão, vejamos: a proposta de lei parte de uma perspectiva ultrapassada em relação aos direitos das pessoas com deficiência, continuando a pôr o acento tónico nas limitações da pessoa e não nas insuficiências da sociedade face aos deficientes e, por outro lado, mantém uma ideia limitada de melhoria da qualidade de vida, quando o que está verdadeiramente em causa é a plena integração e concretização de direitos destes cidadãos. Mantém-se, pois, a tónica fundamental na deficiência e não na igualdade de oportunidades.O Governo, porventura, ignora os avanços dos últimos anos nesta matéria, incluindo a reflexão e os documentos já produzidos pela Comissão ad hoc no âmbito das Nações Unidas para a elaboração de uma convenção internacional que vincule os Estados-membros em relação aos direitos dos deficientes? Provavelmente, o Governo português nem participa activamente!A proposta de lei assenta, em geral, num conjunto de princípios vagos, sem objectivação e com escasso efeito de facto na alteração real da situação das pessoas com deficiência em Portugal. Aliás, ela não respeita um dos aspectos fundamentais das orientações internacionais nesta matéria: o de que é indispensável o envolvimento e a participação plena dos deficientes e das suas organizações na definição das políticas. Ora, com esta proposta de lei, isso não se encontra no texto, para além de referências genéricas e inconsequentes.Mas, para além disso, o processo de elaboração desta lei denuncia o desrespeito do Governo por estes princípios. Na verdade, a proposta de lei é hoje aqui debatida sem que tenha terminado o período de discussão pública que o próprio Governo estabeleceu; a proposta de lei não teve em conta os contributos relevantes de organizações de pessoas com deficiência, alguns dos quais com quase um ano; a proposta de lei, para cúmulo, foi alvo de um parecer do Conselho Nacional para a Reabilitação e Integração da Pessoa com Deficiência, que foi convocado sem a antecedência obrigatória, fazendo o Governo aprovar um parecer numa reunião sem quórum para o poder exibir na proposta de lei apresentada.A proposta de lei, atrás de uma falsa capa de responsabilidade partilhada, consagra uma evidente desresponsabilização do Estado em matéria de combate à discriminação e de garantia da igualdade.Senão vejamos o que dizem os artigos 16.º, 17.º e 18.º, onde, para além de competências de coordenação e de promoção, o Estado, na opinião do Governo, não deve ter outras obrigações, retirando-se de facto da garantia da prestação, no concreto, de apoios para a igualdade de oportunidades destes cidadãos. Aliás, o Governo diz muito claramente que «as entidades públicas e privadas têm o dever de realizar todos os actos necessários para a promoção (…)» — seja lá isto o que for —, dizendo no número seguinte que «o Estado deve apoiar as entidades públicas e privadas que realizem os actos previstos no número anterior». Não se sabem quais são estes actos, porque de conceitos vagos está a proposta de lei cheia!Por outro lado, o Governo apresenta também um supostamente inovador fundo de apoio à pessoa com deficiência. Mas veja-se o que é este fundo de apoio: primeiro, não é certo que exista, porque se diz apenas que a lei poderá prever a sua constituição. Mas este fundo vai funcionar com o produto das coimas do processo de contra-ordenação por violação dos direitos da pessoa com deficiência. São só estes os recursos que o Governo pretende atribuir a um fundo com a importância que este parece ter, no discurso do Sr. Ministro?!A proposta de lei fala de transversalidade, e existe de facto uma transversalidade na política do Governo para a deficiência, só que é uma transversalidade de políticas negativas. Na verdade, encontramo-la na educação, onde cada vez mais se põe em causa o ensino especial e os apoios educativos, como ainda hoje aqui vimos, e encontramo-la na área da saúde, com as exíguas e cada vez mais diminutas comparticipações face aos custos reais, como é o caso das próteses e de ajudas técnicas. Esta transversalidade negativa existe ainda no emprego, com uma quota de emprego público que continua a não ter aplicação prática, e uma miragem de quota de emprego privado que o Governo continua a não esclarecer como é que vai aplicar.Depois, Sr. Presidente, gostaria também de salientar que não são suficientes as explicações que o Governo deu em relação ao subsídio de educação especial. O que está a acontecer não é um mero combate à fraude, é a negação a estes milhares de crianças — pelo menos, dos distritos do Porto e de Viana do Castelo — do direito a um apoio especial para a sua integração no sistema de ensino.Finalmente, disse o Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco que a lei anti-discriminatória agora é que vai avançar. É falso que a lei tenha estado à espera com a justificação de estar a aguardar esta proposta de lei do Governo! Nunca foi essa a argumentação utilizada! E eu bem vi que o Sr. Deputado, quando ia a subir para a tribuna para fazer a sua intervenção, pediu autorização ao Sr. Ministro para poder anunciar que essa lei agora de facto ia avançar.É uma falta de respeito para com as pessoas com deficiência e as suas organizações,…Dizia eu que é uma falta de respeito para com as pessoas com deficiência e as suas organizações, que durante mais de um ano pediram à Assembleia da República que aprovasse esta lei, que agora se venha dizer que afinal estavam à espera da proposta de lei do Governo.

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