Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

Banco Público de Terras

Cria o Banco Público de Terras agrícolas para arrendamento rural
(projecto de lei n.º 331/XI)
Recomenda ao Governo a adopção de medidas de incentivo ao aproveitamento de terras agrícolas abandonadas
(projecto de resolução nº 330/XI)
Recomenda ao Governo que promova a utilização sustentável dos solos rurais
(projecto de resolução nº 332/XI)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Permitam-me que vos conte uma história agrícola recente.
Era uma vez uma pequena exploração agrícola no Entre-Douro e Minho com 5 ha — aliás, também podia ser nas Beiras ou em Trás-os-Montes —, que produzia vinho verde, leite e carne, batata, milho e feijão e, por vezes, outro cereal, que tinha hortas e frutas e que com o 25 de Abril aumentou a produção de leite e milho sem largar outras culturas.
Depois o país entrou na CEE, ou, melhor, a CEE entrou pelo país adentro: reduziu-se a rentabilidade do vinho e a adega cooperativa começou a atrasar-se nos pagamentos; vieram umas ajudas para o arranque da vinha, arrancaram-se vides e ramadas e ficaram ao alto esteios a assinalar o primeiro funeral; a batata deixou de compensar, pois os espanhóis, e outros, punham-na cá a metade do preço; depois, compraram-se vacas de qualidade importadas da Holanda e o leite estava a dar, até porque os da «vaca e meia» estavam a vender a quota nuns resgates pagos pelo governo; o feijão deixou a associação com o milho, este já quase só de
silagem, porque os preços a que eram importados da Argentina e dos Estados Unidos não tinham concorrência possível; os ovinos de carne foram sendo reduzidos; com rações caras, a engorda dos vitelos não compensava, já não dava nada; acabaram com a folha de gado e as novas instalações dos leilões ficaram longe; as complicações de papéis com o transporte de gado eram muitas; depois, até o vitelo e o anho para o consumo de casa acabou, porque acabaram também com o matadouro municipal próximo e proibiram a matança em casa. E a história podia continuar com outras histórias…
Depois, chegaram os tempos em que todos os preços baixaram, com as ajudas para compensar,
parcialmente, a baixa; só que as ajudas eram quase só para quem tinha cereal, muito gado ou muita terra, pelo que parte dos nossos produtos, como o vinho, a batata ou mesmo o leite nada recebiam, e ainda por cima ficávamos com a má imagem dos subsídio-dependentes.
Era a época boa do set-aside, pagava-se a alguns a cerca de 100 € por hectare para terem a terra a monte e quando veio o desligamento então é que foi bom!
Srs. Deputados, por que foi a terra abandonada e o que é a terra abandonada? Por que razão, entre 1989 e 2009, desapareceram quase 300 000 explorações, ou seja, 50% das explorações existentes? Por que razão, só nos últimos 10 anos, a superfície agrícola recuou 450 000 ha, nomeadamente, 67% na batata, 63% nas leguminosas secas, 43% nos cereais para grão? E podíamos continuar, como todos sabemos.
É terra abandonada, Srs. Deputados, uma leira de um velho no Minho onde, de vez em quando, pasta uma ovelha e é terra não abandonada 100 ha de sobro onde apenas se extrai cortiça? Ou 1000 ha de terras de sequeiro, onde antes se fazia trigo e, hoje, se mantém em condições de produzir?
Mas podiam e podem os produtos agrícolas portugueses competir no mercado único ou cá dentro com a produção de agricultores que, nos outros Estados-membros, recebem três, quatro, cinco e até oito vezes mais do que os agricultores portugueses, além de terem factores de produção mais baratos?!…
Srs. Deputados, não deixam de ser tocantes as «lágrimas» do PSD, do CDS e, naturalmente, do PS por terras abandonadas nas zonas do minifúndio…
São os apoiantes de sucessivas reformas da PAC, os responsáveis por políticas que conduziram a mais de 20% de terra agrícola ao abandono, a tentarem culpar as vítimas e a inocentar os culpados. Calcule-se que até Jaime Silva anunciou uma penalização fiscal para a terra
abandonada…
O projecto de lei apresentado pelo BE merece-nos também sérias objecções, pois afasta-se do quadro constitucional de redimensionamento do minifúndio — artigo 95.º.
As três iniciativas, por outro lado, só olham para o norte e centro, para a zona do minifúndio. Então, não há terra, e muita, abandonada a sul do Tejo?
Não haverá nada a fazer com grandes propriedades de dimensão latifundiária incultas ou subaproveitadas? E o quê?
A ninguém, Srs. Deputados, dói mais ver a terra abandonada, a terra a monte, do que àquele que sempre a trabalhou durante anos e ninguém mais do que ele estará disponível para soluções adequadas à resolução de um problema real, de um problema preocupante, de um problema que precisa de respostas.
Mas, Srs. Deputados, a primeira prioridade, a primeira resposta, é dar viabilidade económica à actividade agrícola, pecuária e florestal nas terras portuguesas.
Assim, a primeira resposta é uma mudança radical e de fundo na política agrícola que permita a
sobrevivência das explorações familiares dos nossos campos, combatendo a desertificação económica e humana do mundo rural e, devemos dizê-lo, não é a encerrar escolas, unidades de saúde, postos dos CTT ou linhas férreas que o faremos.
A urgência hoje é travar a falência, a ruína, em curso, de explorações agrícolas viáveis como as do leite com 50, 100 e mais vacas de Entre-Douro e Minho e Beira Litoral. Ou vamos deixá-las encerrar e, depois, vamos clamar contra a terra abandonada?
Depois, teremos de pensar como responder ao problema real da terra abandonada, respeitando a Constituição da República e a dignidade e os direitos dos que à terra sempre deram tudo o que tinham e, muitas vezes, até aquilo que não tinham.

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