Intervenção de

Autoridades Metropolitanas de Transportes<br />Intervenção de Bruno Dias

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo,As Autoridades Metropolitanas de Transportes constituem há muito uma ideia que vimos propondo e defendendo. É uma antiga reivindicação do PCP, já desde a década de 1970, a criação de instituições coordenadoras dos sistemas de transportes nas Áreas Metropolitanas.Foi nessa perspectiva, de forma coerente e de forma consequente, que apresentámos o nosso projecto-lei sobre esta matéria, aliás um dos primeiros projectos de lei que deram entrada nesta Legislatura. Meses mais tarde, por seu turno, o Governo apresentou também a sua proposta nesse sentido. Mas uma proposta que, sendo de autorização legislativa, veio fechar a porta à discussão aberta e aprofundada que o Parlamento deveria ter feito. E assim tudo se passou sob a alçada exclusiva dos gabinetes do Governo.O resultado veio a ser a demonstração da razão que tínhamos no alerta que então fizemos, durante o debate na generalidade: um infeliz exemplo de como uma importante e necessária iniciativa pode ser desvirtuada até se tornar uma medida de consequências gravosas para as populações.Porque se as Autoridades Metropolitanas de Transportes constituem uma componente muito relevante de uma linha estratégica para o sector e o sistema de transportes, então é essa linha estratégica que vai fazer toda a diferença.E este decreto-lei que vem criar as Autoridades Metropolitanas de Transportes é enquadrado, em vários pontos essenciais do seu articulado, por uma estratégia orientadora que não vem trazer justiça, nem eficácia, nem sustentabilidade.O que temos visto na prática – e voltamos a ver neste decreto-lei – é uma política de flagrante desresponsabilização do Estado, num domínio que é determinante para o futuro de qualquer sistema de transportes: o modelo de financiamento desse sistema.Coloca-se, em primeiro lugar, as verbas resultantes das receitas tarifárias; em segundo, os orçamentos das autarquias; e só depois e finalmente as verbas do Orçamento de Estado.É a consagração do princípio puro e duro do “utilizador pagador” (aliás, expressamente incluído no articulado), que mesmo hoje domina a política deste Governo; que já hoje resulta nestes inaceitáveis aumentos dos preços dos transportes; e que vai penalizar ainda mais os utentes deste serviço público.Entretanto, o Governo e a maioria vão falando em incentivar a utilização do transporte colectivo. Só falta que nos digam que é com esta estratégia que vão atrair pessoas aos milhares para a opção do transporte público…A verdade é que não é possível estruturar e desenvolver uma rede eficaz de transportes colectivos, a partir de uma estratégia definida em função da procura e da rentabilidade comercial. Simplesmente porque, a médio prazo, o resultado é o desaparecimento puro e simples dos serviços que não são comercialmente rentáveis para o operador!De resto, é isso que já hoje estamos a observar, com a supressão de carreiras de transportes colectivos na AML, ou ainda com este autêntico “recolher obrigatório”que a Carris está a impor à cidade de Lisboa.E o que a vida está a demonstrar é que a famosa estratégia da “adequação da oferta à procura verificada, a par da “adequação” das tarifas aos custos de exploração, se está a traduzir afinal em cada vez menos passageiros, com cada vez menos oferta de transportes… mas a pagar cada vez mais!Pois neste país onde os utentes dos transportes são já hoje na Europa quem mais paga nas tarifas do transporte colectivo, esta política que o Governo insiste em prosseguir, carregando nas tintas, é mais do que uma estratégia aberrante para o sector – é uma clamorosa injustiça para as populações.Por outro lado, tal como há mais de um ano chamámos à atenção, este decreto-lei, atribuindo às AMTs a pesadíssima tarefa de aplicar a prestação de indemnizações compensatórias aos operadores, vem definir os orçamentos municipais como fontes de receita dos regimes de financiamento a aplicar. O que levantará ao Poder Local esta inevitável penalização: ou fragiliza ainda mais as já hoje difíceis perspectivas financeiras, ou então fica com o odioso de cobrar aos munícipes uma taxa de transportes públicos, para pagar aquilo que o Poder Central tem a obrigação e o dever de assumir. A alternativa é mais uma vez o aumento dos preços!Mas, Senhor Presidente e Senhores Deputados, sendo verdade que este diploma coloca o Governo a assobiar para o ar em matéria de responsabilidades de financiamento, não é menos verdade que, quando se trata de definir as regras e as decisões concretas em sede de Autoridade Metropolitana, aí, o Governo volta a aparecer no controlo pleno da situação.É caso para dizer que é a descentralização da factura, e o centralismo da autoridade. Senão vejamos.Subordina-se as AMT à política, à orientação, à superintendência do Governo. Vincula-se o Poder Local Democrático às directrizes aí definidas. Garante-se a presença maioritária do Governo nos Conselhos de Administração. E remete-se para um carácter, não deliberatório, mas consultivo, o papel dos Conselhos Gerais.Ou seja, os tais “parceiros” do Governo que são os municípios das Áreas Metropolitanas em questão ficam confrontados com esta perspectiva espantosa: passam a financiar o sistema de transportes; subordinam-se às estratégias de planeamento definidas na sua ausência; e entretanto, lá vão tendo esse “privilégio” de ir manifestando ao Governo, num conselho consultivo, a sua humilde opinião sobre o que vai acontecendo – para o Governo depois ponderar e decidir!Aliás, ainda no tocante aos Conselhos Gerais, mantém-se esta flagrante violação da própria Lei de Bases dos Transportes Terrestres, que é a de fechar a porta à presença e à participação dos utentes do serviço público de transporte colectivo e aos próprios trabalhadores das empresas do sector.É caso para perguntar, Senhores Membros do Governo: que relutância é esta, que medo é este que os Senhores têm, de ouvir os trabalhadores e utentes dos transportes? Porventura incomoda-vos assim tanto contar com a intervenção, com o contributo daqueles que diariamente vivem e sentem a situação que se vive no sector?Senhores Membros do Governo, Senhores Deputados da maioria: o desafio que vos deixamos, e a obrigação que a Lei estabelece, são ambos muito claros – ouçam o que têm a dizer os utentes e os trabalhadores. Cumpram a Lei em vigor.Se já o tivessem feito, provavelmente teríamos evitado as graves decisões que foram tomadas nesta matéria e que já motivaram os justos protestos e as acções de luta a que temos vindo a assistir, como são exemplo a jornada de ontem, pelos utentes dos serviços públicos, contra o aumento dos transportes; ou a luta dos trabalhadores da Carris em defesa daquela empresa, que hoje mesmo passou por mais uma greve. Lutas que naturalmente daqui saudamos.Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo,Já afirmámos que a criação das Autoridades Metropolitanas de Transportes é uma medida necessária. O objectivo geral e abstracto deste decreto-lei, ao instituir estas entidades, é naturalmente um objectivo que acompanhamos.Mas é indispensável, no nosso entender, corrigir aspectos que são claramente negativos e que, com a devida alteração, poderão permitir a constituição de Autoridades que sirvam efectivamente os objectivos que é necessário cumprir.Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PCP já apresentou na Mesa da Assembleia da República um conjunto de propostas de alteração que visam contribuir para esse aperfeiçoamento. Cabe agora aos Senhores Deputados responder ao desafio do PCP e discutir agora me sede de especialidade o que ainda não foi discutido.Pela nossa parte, a intervenção que desenvolvemos é a oportunidade para essa discussão.

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