Intervenção de

Aumento do número de funcionários públicos -Intervenção de António Filipe na AR (Comissão Permanente)

Debate com vista ao esclarecimento integral do aumento do número de funcionários públicos no 1.º trimestre de 2006

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

 

Começo por reafirmar o que foi dito no início do pedido de esclarecimento feito pelo meu camarada Bernardino Soares de que nós não alinhamos no discurso da direita sobre a existência em Portugal de funcionários públicos a mais. Aliás, o tema, tal como foi proposto, é, quanto a nós, um falso tema. Nós não nos entendemos com a direita nesta matéria, nem noutras, e recusamos o apelo feito há pouco pelo Sr. Deputado José Junqueiro para que nos entendêssemos com a direita acerca deste tema. Nós não nos entendemos com a direita.

 

Quem é especialista em entendimentos com a direita não somos nós, é o Partido Socialista e, portanto, não contem connosco para esse desiderato.

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

 

É inquestionável que a Administração Pública em Portugal aumentou com o advento da democracia, e ainda bem que assim foi. Isto porque a escassa Administração Pública que existia no tempo da ditadura era um aparelho de controlo por parte do Estado, não estava ao serviço dos cidadãos, e com a democracia, triunfou uma concepção diametralmente diversa: a Administração Pública passou a estar ao serviço dos cidadãos, passou a ser um instrumento de concretização de direitos fundamentais dos cidadãos, direitos esses conquistados com o regime democrático.

 

Portanto, os cidadãos conquistaram direitos, o Estado assumiu responsabilidades, quer o poder central quer o poder local assumiram maiores encargos para com os cidadãos, aumentando, deste modo — e ainda bem que assim foi! —, o esforço do Estado na concretização de direitos fundamentais dos cidadãos, a Administração Pública e a protecção dos direitos sociais. Tudo isso são motivos de congratulação.

 

A questão que se poderá colocar é a de saber se esse aumento foi injustificado, se se chegou em algum momento, em Portugal, a um ponto em que tivéssemos funcionários públicos a mais, em termos globalmente considerados. E todos os estudos sérios apontam para o contrário: Portugal nunca teve, nem tem, funcionários públicos a mais e não há comparação que se possa recear desse ponto de vista, designadamente a nível comunitário, nem quanto ao peso do emprego público, que é relativamente baixo em termos comparativos, nem quanto ao peso no PIB, que continua abaixo da média da União Europeia.

 

Daí que a questão que se possa colocar é a seguinte: quando alguém reivindica a redução da Administração Pública em termos globais devia explicar onde é que defende a redução, onde é que há funcionários públicos a mais.

 

Vejamos os maiores empregadores.

 

O maior empregador da Administração Pública é o Ministério da Educação, o segundo é o Ministério da Saúde, muito longe e em terceiro lugar o Ministério da Administração Interna.

 

Então, perguntar-se-á: a redução deve ser feita onde? No número de professores?

 

No número de funcionários das escolas, conhecidas as dificuldades que já existem hoje para estas funcionarem? É na saúde? Vamos reduzir o número de médicos?

 

Vamos reduzir o número de enfermeiros? Vamos reduzir o número de pessoal dos hospitais?

 

Vamos reduzir o número de pessoal dos centros de saúde? É aí? É na justiça? A nossa justiça funciona«tão bem» que temos pessoas a mais e, portanto, vamos dispensá-las?! Então, é onde? É na Administração Interna? Temos polícias a mais?

 

Não é isso que costumamos ouvir, nem das populações, nem dos próprios partidos que, constantemenI te, defendem a redução do número de funcionários da Administração Pública.

 

Aliás, a direita tem um discurso absolutamente incoerente em relação a esta matéria. Ao mesmo tempo que exige a redução do número de funcionários da Administração Pública exige o seu contrário, exige melhores serviços. Em campanha eleitoral, se verificarmos os programas eleitorais — e aqui convergem quer os partidos da direita quer o PS —, encontramos coisas absolutamente contraditórias, isto é, globalmente reduzir a Administração Pública, concretamente exigir mais Administração Pública para defesa dos direitos dos cidadãos.

 

Portanto, os senhores entendam-se relativamente a esta matéria.

 

Quanto a nós, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão que estamos hoje aqui a discutir não é a de um hipotético aumento da função pública. Há, seguramente, nomeações discutíveis feitas pelo PS, como houve feitas pelo PSD e pelo CDS, mas a questão não é essa.

 

O que está em cima da mesa é um ataque à função pública, à Administração Pública, aos seus trabalhadores para justificar despedimentos e com isso justificar a redução da despesa pública. O problema é a ameaça que está em cima da mesa aos direitos dos cidadãos e às funções sociais do Estado e, ao contrário da direita, o que nos preocupa são os direitos dos cidadãos que estão ao serviço da Administração Pública, precisamente para melhor defender os direitos dos demais.

 

Portanto, o problema é o aumento da precariedade na Administração Pública, o problema é a transformação de serviços públicos em negócios privados com ameaça de despedimentos de trabalhadores da Administração Pública, o problema é a desmotivação dos funcionários, que o Governo está a provocar com esta guerra demagógica dirigida contra os trabalhadores da Administração Pública.

 

Sr. Presidente e Srs. Deputados — e com isto concluo —, nas últimas décadas, vários governos, não apenas este, têm apresentado, com grandiloquência, a grande reforma da Administração Pública, aliás, o governo anterior fê-lo, e nós temos assistido a que todas estas supostas reformas, que assentam no ataque descarado e demagógico aos trabalhadores da Administração Pública e que pretendem ser feitas contra esses trabalhadores, têm dado resultados infrutíferos e todas elas têm falhado. E pelo caminho a que esta dita reforma vai não lhe auguramos um diferente futuro!

 

 

 

 

 

 

 

     

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