Recentemente foi publicado o relatório da auditoria do Tribunal de Contas às recomendações da auditoria operacional ou de resultados à execução do acordo de cooperação entre a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT, IP) e a CVP – Sociedade de Gestão Hospitalar, SA, que explora o estabelecimento hospitalar denominado Hospital da Cruz Vermelha.
Sinteticamente, o relatório da auditoria do Tribunal de Contas faz duras críticas a este acordo de cooperação, refere que o Governo não adotou as suas recomendações na auditoria que realizou em 2011 e denuncia que o acordo estabelecido é desvantajoso financeiramente para o Estado.
Da leitura do relatório da auditoria destacam-se os seguintes aspetos, que se passa a citar:
- “Em 1997, face à situação financeira do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, foi requerida a intervenção do estado para proceder ao saneamento financeiro do hospital.”
- “Apesar da situação, em boa medida, ser da responsabilidade e da forma como a Cruz Vermelha Portuguesa geriu o então hospital, (…) o Estado viu-se obrigado a acorrer à situação.”
- “ As recomendações têm na sua base a constatação de que os Acordos de Cooperação de 1998 a 2010 não tinham sido precedidos de um levantamento das necessidades do SNS, da fixação de objetivos de assistência pretendidos pelo Estado e de uma Análise Custo-benefício na ótica macroeconómica/social/coletividade, designadamente que considerasse a capacidade
instalada no Setor Público.”
- “O Relatório nº11/2011 – 2ªS, tal como o presente Relatório, mostram que urge equacionar o terminus do apoio do Estado, tal como delineado em 1998, pelos Ministérios das Finanças e da Saúde.”
- “Mantém-se, no fundamental, as recomendações formuladas no Relatório de auditoria anterior, respeitantes à gestão da participação social do Estado na estrutura acionista da CVP-Sociedade de Gestão Hospitalar, SA, e ao processo decisional conducente à celebração dos Acordos de Cooperação, uma vez que não se verificou o seu acolhimento, nem foram tomadas medidas corretivas de efeito equivalente.”
- “Há muito que a necessidade da Análise Custo-benefício vem sendo evocada pelo Tribunal sem o acolhimento devido por parte de responsáveis do Ministério da Saúde.”
- 2ª celebração dos Acordos de Cooperação continua a não ser sustentada em estudos de Análise Custo-benefício ou em quaisquer outros estudos económicos.”
- “Se, ao invés do recurso à prestação e serviços da CVP-Sociedade gestão Hospitalar, SA, no triénio 2009-2011, os doentes tivessem sido tratados em hospitais do SNS, estima-se que a poupança ascenderia a cerca de € 29,8 milhões.”
- “Na especialidade de Cirurgia Cardiotorácica, os Centros Hospitalares de Lisboa Central – Hospital de Santa Maria, Lisboa Norte – Hospital de santa Maria e Lisboa ocidental – Hospital de santa Cruz, têm manifestado a existência de capacidade disponível não utilizada”.
- “Apesar das recomendações formuladas no Relatório de Auditoria nº11/2011-2ªS, não foram adotadas medidas tendentes a proteger o valor intrínseco das ações representantes do investimento público naquela sociedade anónima.”
- “Até 2011, os fluxos financeiros do Estado para a CVP-Sociedade de Gestão Hospitalar, SA, ascenderam a cerca de € 283,6 milhões: € 11,7 milhões como contrapartida da sua participação no capital social da CVP-Sociedade de Gestão Hospitalar, SA, € 255,8 milhões a título de remuneração pelos serviços prestados a utentes do SNS em execução dos Acordos de Cooperação celebrados com a ARSLVT, IP, e € 16,1 milhões a título de remuneração pelos serviços prestados a doentes referenciados por instituições hospitalares da ARS Algarve, IP, nas especialidades de Cirurgia Cardiotorácica e Cirurgia Vascular.”
- “A Parpública procedeu, através de uma entidade pública externa, à reavaliação da sua participação no capital da CVP-Sociedade de Gestão Hospitalar, SA (…) tendo essa participação sido contabilizada nas contas relativas ao ano 2012 pelo valor apurado à data de 31 de dezembro de 2012, € 5,9 milhões.”
- “Na especialidade de Cirurgia Cardiotorácica(…)os custos unitários por doente tratado, suportados pela ARSLVT, IP, no âmbito dos Acordos de Cooperação, são superiores aos custos apurados em unidades hospitalares do SNS, mesmo depois de ajustados pelo Índice de Case- Mix(ICM).”
- “Os custos unitários da atividade contratada, entre 2009 e 2011, no âmbito dos Acordos de Cooperação, nas especialidades de Oftalmologia, Cirurgia Vascular e Ortopedia são, em geral, superiores aos custos unitários estimados da atividade das unidades hospitalares do SNS, incluindo os disponibilizados por alguns hospitais.”
Estas citações clarificam as condições em que o Estado interveio e demonstram o quanto foram prejudiciais para o erário público. Fica evidente que o acordo de cooperação foi estabelecido não por necessidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas exclusivamente para “salvar” o Hospital da Cruz Vermelha. Fica também claro o desvio de dinheiros públicos para este hospital, em detrimento do investimento público. E é afirmado, que nomeadamente na cirurgia cardiotorácica, existe capacidade no SNS.
O Ministro da Saúde na Assembleia da República no passado dia 4 de novembro assumiu que não se justifica a manutenção deste acordo de cooperação, nomeadamente na cirurgia cardiotorácica, excecionando alguns casos da cirurgia cardiotorácica pediátrica. Mas a questão que se coloca é que, se não se justifica, porque continua o Governo a estabelecer este acordo?
Ao mesmo tempo que o Tribunal de Contas avalia negativamente o acordo de cooperação entre a ARSLVT, IP e a CVP – Sociedade de Gestão Hospitalar, SA, foi noticiado a realização de uma auditoria aos serviços de cirurgia cardiotorácica por uma comissão presidida por um cidadão belga, que coloca em causa sobretudo os serviços dos hospitais que integram o SNS,
nomeadamente os serviços do Hospital de santa Maria, Hospital de Santa Marta e o Hospital de Santa Cruz, para valorizar o serviço do Hospital da Cruz Vermelha.
Não se conhece nenhum documento legal que determine a realização desta auditoria aos serviços de cirurgia cardiotorácica, nem quais os objetivos que lhe estão subjacentes. Sabemos no entanto que esta auditoria foi decidida pela ARSLVT, IP.
Segundo essa dita auditoria internacional, o serviço do Hospital de Santa Maria foi o que teve pior classificação. Quanto ao Hospital de Santa Cruz sugere que deve ser encerrado e ao Hospital de Santa Marta teceu algumas críticas. E por outro lado, ao Hospital da Cruz Vermelha, atribuiu uma classificação positiva e recomendou a sua permanência na organização para responder aos doentes em listas de espera nos Hospitais de Santa Maria e em Santa Marta.
Perante o exposto, podemos tirar a seguinte conclusão: a ARSLVT decidiu contratar um designado perito internacional, para transmitir uma ideia de credibilidade, para auditar os serviços de cirurgia cardiotorácica na região de Lisboa, para justificar o encerramento e a redução de serviços públicos e privilegiar o Hospital da Cruz Vermelha, que é um hospital privado. Há elementos que indiciam que poderá estar em curso a preparação do encerramento do Hospital de Santa Cruz, o que a concretizar-se constituiria mais um passo no desmantelamento do SNS.
O Sindicato dos Médicos da Zona Sul num comunicado revela que tem “fortes apreensões sobre o processo que estará eventualmente em desenvolvimento para favorecer interesses estranhos aos hospitais públicos visados e de favorecimento, com dinheiros públicos, de círculos provados”. Afirma ainda que é “cada vez mais claro que a política implementada pelo Ministério
da Saúde visa o desmoronamento faseado do Serviço Nacional de Saúde recorrendo aos mais variados recursos propagandísticos e a simulações políticas de que esta suposta auditoria pode ser mais um exemplo”.
O facto de auditoria do Tribunal de Contas apresentar resultados tão díspares aos divulgados pela tal auditoria internacional e o facto do Tribunal de Contas auditar o cumprimento das recomendações da anterior auditoria ao acordo de cooperação entre a ARSLVT, IP e a CVPSociedade de Gestão Hospitalar, SA, só vem demonstrar, que o Governo ao não adotar as recomendações do Tribunal de Contas,pretende continuar a beneficiar o Hospital da Cruz Vermelha, em detrimento dos serviços hospitalares do SNS. É deste modo que o Governo não salvaguarda o SNS, como apregoa vezes sem conta. Salvaguardar o SNS passa pelo investimento nos serviços públicos.
Ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, solicitamos ao Governo que através do Ministério da Saúde nos sejam prestados os seguintes esclarecimentos:
1.Qual o documento e os critérios que fundamentam a realização de uma auditoria dita internacional pela ARSLVT, IP aos serviços de cirurgia cardiotorácica nos hospitais da Região de Lisboa? Explique o contexto e os objetivos subjacentes a esta dita auditoria?
Quanto custou esta dita auditoria ao Estado?
2.Quais os motivos que fundamentaram as pressões que têm existido sobre o Diretor de Serviço de Cirurgia Cardiotorácica do Hospital de Santa Maria?
3.Por que razão o Governo não cumpriu as recomendações do Tribunal de Contas na sequência da auditoria de 2011?
4.Como fundamenta o facto de se ter gasto 283,6 milhões de euros nesse acordo, quando há evidência que o SNS tinha capacidade instalada para a prestação desses cuidados de saúde e quando o próprio Governo assume que o acordo de cooperação só foi estabelecido para “resgatar” o Hospital da Cruz Vermelha que estava com dificuldades financeiras?
5.E como justifica um acordo, quando os preços pagos ao Hospital da Cruz Vermelha são superiores aos dos hospitais que integram o SNS para os mesmos cuidados de saúde prestados?
6.Se o Ministro assume que não há necessidade deste acordo de cooperação, porque insiste em mantê-lo?
7. Está em curso o encerramento do Hospital de Santa Cruz?
8.No quadro da reorganização hospitalar que o Governo pretende encetar, o que tem previsto para os serviços de cirurgia cardiotorácica dos hospitais da Região de Lisboa?
Pergunta ao Governo N.º 351/XII/3ª
Auditoria do T. Contas ao Acordo de Coop.ARSLVT e CVP Soc. Gestão Hospitalar S.A.
