Intervenção de

Audição sobre a directiva do tempo de trabalho - Intervenção de Ilda Figueiredo

 

Camaradas

Nesta audição pretendemos fazer o ponto da situação relativamente à proposta do Conselho Europeu sobre a directiva do tempo de trabalho, que representa um grave ataque e retrocesso nos direitos laborais.

Esta proposta surge 15 anos depois da directiva sobre organização e tempo de trabalho (directiva 93/104/CE). De facto, remonta a 1993 a base da directiva sobre o tempo de trabalho que o Conselho quer alterar e que foi modificada nalguns aspectos de pormenor em 2003 (directiva 2003/88/CE).

Na directiva que se encontra em vigor (directiva 2003/88/CE), está consagrado um período de trabalho máximo semanal de 48 horas. Na proposta do Conselho Europeu, adoptada em 15 de Setembro de 2008, esta média semanal do período máximo de trabalho é prolongada para 60 ou 65 horas.

Simultaneamente, é criado um novo conceito de “período inactivo do tempo de permanência” ou tempo de pausa, ou de espera, não contabilizado como tempo de trabalho e, portanto, não pago, possibilitando que a jornada média semanal de trabalho, nesses casos, possa ir até às 65 horas.

Estes períodos de tempo de “trabalho inactivo” não contam para o cálculo dos períodos de repouso compensatório nem para efeitos de remuneração, embora os trabalhadores continuem a ser obrigados a permanecer no local de trabalho de modo a intervir por determinação da entidade empregadora. Ora, na directiva em vigor, nada disto acontece, pois todo este tempo de permanência é considerado tempo de trabalho e igualmente remunerado.

Por outro lado, pretendem o alargamento, de facto, do período de referência de quatro para 12 meses no cálculo da duração do trabalho, o que também pode contribuir para agravar a desregulamentação do horário de trabalho, pondo em causa qualquer conciliação entre a vida profissional e a vida familiar.

Quanto à possibilidade de derrogação individual, por pressão do patrão sobre o trabalhador, da duração máxima de uma semana de trabalho, admite o seu prolongamento, em certas condições, até às 78 horas, ou seja, 13 horas por dia, obrigando apenas a um dia de descanso em sete dias. O que faz lembrar a escravatura e significa um retrocesso de mais de 100 anos nos direitos conquistados em duras lutas.

O seu objectivo central é desvalorizar o trabalho, aumentar a exploração e possibilitar mais ganhos ao patronato, mais lucros para os grupos económicos e financeiros. È um dos aspectos mais visíveis da exploração capitalista, que põe em causa tudo o que têm afirmado sobre conciliação entre vida profissional e vida familiar. Os trabalhadores deixariam de poder ter vida própria para além do trabalho. A família seria sacrificada e a própria formação pessoal seria posta em causa. Não restaria tempo para a participação social e política. Mas, com tudo isto, a própria produtividade seria também posta em causa dada a fadiga e o desgaste físico e psicológico dos trabalhadores, que são pessoas e não máquinas.

Todos entendem que a eventual aprovação destas propostas se traduziria numa maior exploração dos trabalhadores, em retrocessos inadmissíveis e num maior desequilíbrio entre a protecção da saúde e da segurança no trabalho.

Saber que o Governo Português não se opôs a tais propostas é algo que merece o nosso veemente protesto e repúdio. Só dois governos se opuseram - Espanha e Grécia. Nos cinco que se abstiveram, está, lamentavelmente, Portugal.

Agora decorre o debate no Parlamento Europeu. Na Comissão do Emprego e Assuntos Sociais, eu própria e o Grupo em que participamos - GUE - apresentámos uma proposta de rejeição da posição global do Conselho, o que nenhum outro Grupo Político apoiou.

È verdade, no entanto, que, para já, foram rejeitados os aspectos mais gravosos da proposta do Conselho, designadamente o prolongamento para as 60 e as 65 horas, bem como as derrogações que permitem chegar a semanas de 78 horas de trabalho. Também contribuímos para essas rejeições. Tal como contribuímos para que o chamado "tempo inactivo" ou tempo de espera ou pausa, seja sempre considerado tempo de trabalho.

Mas, lamentavelmente, admitiram que as tais pausas ou tempo de espera possam ser contabilizados de modo diverso, o que abre caminho à desvalorização do trabalho.

Mesmo assim, dada a complexidade do processo legislativo comunitário, esta posição da Comissão do Emprego ainda não tem qualquer valor jurídico e pode ser alterada na votação em plenário, a qual está prevista para a sessão do Parlamento Europeu, de 16 ou 17 de Dezembro, em Estrasburgo.

Daí a importância da luta para insistir na rejeição da proposta do Conselho e para reafirmar que não se podem aceitar novas desvalorizações do trabalho. O que também demonstra a importância de se dar toda a atenção ao que se passa no Parlamento Europeu. É que, como dizemos, " lá se fazem, mas cá se pagam".

Para os trabalhadores portugueses está hoje claro o que pretendiam com a dita “flexigurança”, tão propagandeada durante a última Presidência Portuguesa da União Europeia, de que as recentes alterações ao Código do Trabalho são um triste exemplo, mas a que também podíamos acrescentar o estatuto dos trabalhadores da função pública e o estatuto da carreira docente, entre outros.  Agora, surge esta proposta de alteração da directiva do tempo de trabalho, novamente acompanhada da propaganda sobre a chamada Estratégia de Lisboa, aprovada em Março de 2000, durante a anterior Presidência Portuguesa no tempo de outro Governo do PS.

Num momento de crise e desemprego, o que se impõe é a redução progressiva da jornada de trabalho, sem perda de salários, visando a criação de mais empregos com direitos, de mais trabalho permanente e menor precariedade. É preciso limitar cada vez mais a possibilidade de derrogações que ponham em causa o limite máximo das 48 horas, e caminhar para a diminuição desse tempo máximo de trabalho semanal, como, aliás, aconteceu nalguns países.

A gravidade das propostas do Conselho exige uma grande mobilização dos trabalhadores e sindicatos e um forte movimento de repúdio e de exigência da sua rejeição, no respeito pela dignidade de quem trabalha. Sabemos que é um objectivo difícil, mas não é impossível. Basta recordar que já foi possível, na anterior legislatura, à última hora, na votação final em plenário do PE, rejeitar a proposta de directiva sobre o trabalho portuário, face à grande luta dos trabalhadores do sector.

A luta continua.

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