Intervenção de

Assuntos Europeus - Intervenção de Honório Novo na AR

Debate sobre assuntos europeus: foi feito o balanço da presidência finlandesa e foram analisados o programa legislativo e de trabalho da Comissão Europeia e o programa da presidência portuguesa no 2.º Semestre de 2007, tendo também a Assembleia apreciado o projecto de resolução n.º 174/X , sobre as prioridades da presidência portuguesa da União Europeia

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros,

Há uns dias recebi um convite para assistir a uma conferência promovida por um Tenente-General Jean-Paul Perruche, Director-Geral do Estado-Maior Militar da União Europeia. Repito: Director-Geral do Estado-Maior Militar da União Europeia!!

Ora, suspeito que aqui, nesta Casa, muito poucas serão as pessoas, incluindo os jornalistas e o público, que saberão que já existe um Estado-Maior Militar da União Europeia. E quase apostava consigo, Sr. Ministro - se calhar, ganhava se apostasse em sentido contrário -, que 99% dos portugueses não sabem, de facto, da existência deste Estado-Maior Militar da União Europeia.

Este exemplo, Sr. Ministro, mostra bem como é que está a ser construída a União Europeia: de costas voltadas para os povos e, no exemplo concreto que dei, certamente mesmo contra os interesses desses povos.

A construção europeia está, de facto, a ser feita nos corredores da burocracia europeia, nos laboratórios jurídicos da Comissão e do Conselho, e isto leva-nos directamente a um tema central que tem a ver com o debate de hoje, que é o da chamada proposta de tratado constitucional europeu. O problema que existe é o seguinte: este tratado, de facto, é inviável juridicamente, morreu, caducou!! Tinha de ser ratificado por 27 Estados-membros e, como dois o rejeitaram, não tem hipótese, à luz dos tratados, de ser considerado. E há que aceitar esta verdade!

E da parte do Governo português e de Portugal acho que havia todo o interesse em clarificar esta situação.

Por que é que Portugal não clarifica tudo isto? Por que é que Portugal continua a alinhar com aqueles que pretendem «fazer entrar pela janela aquilo que o voto popular impediu que entrasse pela porta»? Por que é que o Governo português não aborda isto claramente na sua presidência?

Já agora, Sr. Ministro, vai haver uma conferência internacional em Madrid, que vai reunir os 18 Estadosmembros que ratificaram a proposta de tratado. Gostava de perceber se Portugal vai ser sensível ou não ou se vai resistir àquilo que é, visivelmente, uma operação de chantagem, porque quem tem de reconhecer que é preciso «mudar de agulha» são os 18 Estados-membros e não os nove que sobram!!

Uma outra questão, Sr. Ministro: apresentámos um projecto de resolução - o projecto de resolução n.º 174/X, sobre as prioridades da presidência portuguesa da União Europeia, também em apreciação - e, ao fazê-lo, levamos a sério as alterações produzidas recentemente na lei de acompanhamento. Vamos propor que o Governo aceite incluir na presidência portuguesa questões relacionadas com o Pacto de Estabilidade e Crescimento, com a política marítima, com a reforma da PAC, com as regiões ultraperiféricas, com o tratado constitucional, obviamente, e também com uma questão que é relativa ao funcionamento do Banco Central Europeu.

Até agora o Banco Central Europeu tem funcionado dando primazia ao controlo da inflação; há muitos que defendem que não, que devia passar a dar primazia à economia e ao emprego - aliás, uma candidata presidencial às eleições presidenciais francesas, recentemente e com o aplauso de membros do Governo português, disse exactamente isto. Portanto, no projecto de resolução que apresentámos, incluímos um ponto no sentido de que o Governo aceite e inclua no seu programa da presidência portuguesa a necessidade de rever o estatuto do Banco Central Europeu.

Gostávamos, naturalmente, de ouvir a vossa opinião sobre isto.

(...)

Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhores Deputados

Este debate, que ocorre num contexto de mais possibilidades de intervenção do parlamento introduzidas pela nova Lei de Acompanhamento do Processo de Integração, motivou o Partido Comunista Português a apresentar um Projecto de Resolução que está também em discussão. Com ele pretendemos que a Assembleia da República aprove um conjunto de recomendações para que o Governo as considere prioridades do Programa da Presidência Portuguesa da União Europeia.

Naturalmente, não apresentamos propostas em todas as áreas de actuação ou sobre todos os temas já incluídos nesse Programa, objectivo que não é, compreensivelmente, o que pretendemos alcançar neste momento. No entanto, sem prejuízo das nossas posições sobre matérias não abordadas no Projecto de Resolução, que serão anunciadas ou divulgadas no momento adequado e perante a formulação concreta de propostas, entendemos ser útil clarificar, desde já, posições sobre algumas questões relevantes que interessando a Portugal, interessarão certamente a todos os Povos dos Estados-membros da União Europeia na sua actual formulação.

Em primeiro lugar importa clarificar, desde já, a posição de Portugal quanto á reforma dos tratados.

Não é possível insistir num texto que não pode entrar em vigor, não é admissível tentar recuperar as ideias e orientações centrais de um texto que, tendo sido rejeitado por voto popular em dois Estados-membros, não pode, à luz do texto dos actuais tratados que a todos obriga, prosseguir o seu processo de ratificação.

É esta a clarificação que se exige que o Governo Português incorpore no Programa da Presidência da União Europeia. Uma clarificação que não pactue com operações de pressão organizadas em torno de reuniões parciais, como a que está prevista para Madrid envolvendo os Estados-membros que ratificaram a proposta do texto designado por Tratado Constitucional.

É esta a posição que melhor contribui para retirar dos gabinetes e dos laboratórios jurídicos o "negócio" da recuperação de um texto juridicamente morto e que, objectivamente, se pode traduzir no total desrespeito pela vontade popular e pela letra do actual Tratado da União Europeia.

Em segundo lugar, entendemos ser altura de introduzir na agenda política a alteração da forma de funcionamento do Banco Central Europeu (BCE).

O BCE não pode continuar a agir ao arrepio da economia e do emprego - em particular das economias mais dependentes e periféricas dos Estados-membros da União Europeia.

O BCE não pode continuar a decidir aumentos de taxas de juro agravando a situação das famílias e comprometendo o desenvolvimento dos países.

O BCE tem que privilegiar a criação de condições para o crescimento económico rápido da zona euro e de toda a União Europeia.

O BCE tem que, sem perda de independência, passar a reger-se por orientações gerais previamente definidas e estar disponível para o escrutínio político do respectivo cumprimento.

E para que isto suceda, não basta aplaudir, ou subscrever em retórica ou em discursos, o que sobre a matéria disse recentemente uma candidata às eleições presidenciais francesas. É preciso agir em conformidade e inscrever o tema na agenda política da Presidência Portuguesa da União Europeia.

Em terceiro lugar é absolutamente determinante para os Estados-membros de economia mais periférica, ou para todos os países com graus inferiores de desenvolvimento, promover uma actualização do texto do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC).

Apostar na coesão económica e social significa adoptar critérios de maior flexibilidade para os países de economia mais débil, excepcionando investimentos produtivos, em formação e investigação ou mesmo em certas despesas sociais para aqueles que têm que progredir mais depressa para convergir - por cima e não por baixo - com a média europeia e com os mais elevados padrões de qualidade de vida.

Por último é determinante que Portugal inclua algumas perspectivas concretas em temas que estão agendados de forma vaga na agenda da Presidência Portuguesa.

Trata-se de definir balizas para os debates e ulteriores decisões ou de introduzir aspectos e assuntos que aparentemente estariam "a leste" dos objectivos originários.

É o caso da política marítima onde, quanto a nós, tem que, desde já, ser obrigatoriamente introduzido o conceito de soberania relativamente às Zonas Económicas Exclusivas, e formuladas orientações que atribuam primazia à rentabilização global dessas águas e leitos e que definam soluções para as questões de segurança, de fiscalização e de salvamento nas Zonas Económicas Exclusivas.

Paralelamente, a Presidência Portuguesa da UE deve recolocar em agenda o tema das regiões ultraperiféricas, não do ponto de vista institucional mas do ponto de vista das políticas concretas adaptadas de forma permanente (e não transitória ou regressiva) a essas regiões (designadamente políticas de transporte, de abastecimento e serviços, de ajudas públicas e concorrência, de critérios de aplicação de fundos estruturais ou de coesão).

Noutro plano é sabido que durante a Presidência Portuguesa vão ocorrer novas alterações às Organizações Comuns de Mercado de determinados produtos agrícolas que interessam de forma muito especial ao nosso País, designadamente do vinho e dos produtos horto frutícolas. Seria inaceitável que o Governo não se dispusesse a, desde já, incluir como pano de fundo dessas alterações perspectivas tendentes a corrigir as desigualdades e injustiças na distribuição dos apoios por países, culturas e agricultores, ou a impedir que continuem a aprofundar-se os mecanismos de liberalização da regulamentação da respectiva produção e comércio, com prejuízos irremediáveis nas produções europeias.

Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhores Deputados

A aprovação do Projecto de Resolução apresentado pelo PCP é, quanto a nós, o melhor contributo político que a Assembleia da República pode dar para uma Presidência Portuguesa da União Europeia que tendo em conta os interesses nacionais, terá também como perspectiva central a defesa dos interesses de todos os Estados-membros que integram a União Europeia.

A introdução na agenda política do debate em torno da reformulação do BCE, da revisão do PEC, de uma reforma institucional que respeite a igualdade entre países e povos e impeça a subordinação a uma lógica expansionista da União Europeia, a introdução de questões e perspectivas concretas para a resolução de problemas específicos de interesse genérico - que o são também de Portugal - é uma mais valia inestimável para o êxito da Presidência Portuguesa.

Assim os Senhores Deputados - todos os Senhores Deputados - manifestem interesse em contribuir também para esta Presidência.

Disse.

 

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