Intervenção de

Aproveitamentos hidroeléctricos e promoção do aproveitamento energético da Biomassa Agrícola - Intervenção de Agostinho Lopes na AR

Promoção dos aproveitamentos hidroeléctricos e promoção do aproveitamento energético da Biomassa Agrícola

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O PSD tem um problema de má consciência pela situação energética do País. Só assim se explica que, depois de muitos anos com responsabilidades governamentais - as últimas das quais em 2002, 2003 e 2004 -, tenha, em dois anos da presente Legislatura, feito uma apresentação «energética» ou «enérgica» de quatro projectos de resolução sobre questões de energia. Uma consciência pesada que partilha, seguramente, com o PS!

Qual é o ponto da situação, hoje, após 20 anos de opções neoliberais aplicadas no sector da energia nacional?

O país está mais racionalmente gerido, no que diz respeito aos usos e consumos de energia? Não! A produção e o uso têm menor impacto ambiental? Não! As energias endógenas e o potencial de utilização racional de energia foram aumentados em escala sensível? Não! A dependência do exterior e a factura energética diminuíram, ao menos relativamente? Não! A intensidade energética do PIB e a intensidade carbónica reduziram-se? Não! Os portugueses e as empresas nacionais têm, pelo menos, preços mais equitativos socialmente ou mais competitivos economicamente, quando em comparação com a sua vizinhança europeia? Não!

Então, o que andaram a fazer os governos do PS e do PSD, ao longo destes 30 anos, em matéria de energia?

A desmantelar o processo de planeamento energético institucional e democrático e a fazer quatro reestruturações, com a liberalização, privatização, desagregação e segmentação das empresas e mercados de energia e sector energético.

A situação do sector empresarial da energia, hoje - privado, monopolizado e profundamente articulado com os interesses financeiros -, é incontornável.

Quando abordamos as políticas e medidas específicas para responder aos problemas da energia em Portugal, há certamente um consenso (que, poderíamos dizer, é universal) sobre as energias renováveis e o aproveitamento dos recursos endógenos. Mas há naturais inquietações e interrogações quando a sua exploração se transforma numa fonte de chorudos negócios para o grande capital, à custa dos contribuintes, consumidores e da própria competitividade da economia nacional.

É ver o aproveitamento da energia eólica a caminho de ficar completamente nas mãos de dois ou três grandes grupos energético-financeiros e com a electricidade produzida valorizada em quase mais 60% que a média da União Europeia.

É ver o negócio da co-geração, em que se vende por um preço aquilo que se compra por metade.

É ver a distorção energética e as deseconomias, com a multiplicação de centrais de ciclo combinado, usando uma matéria-prima rica como o gás natural.

É ver o anúncio quase milagroso dos biocombustíveis, alguns deles autênticas aberrações energético-ambientais.

O resultado final é uma pesada tarifa a penalizar consumidores domésticos e empresariais, enquanto que as empresas produtoras, transportadoras e distribuidoras apresentam chorudos lucros e distribuem grossos dividendos.

A perequação dos custos das energias renováveis podia e deveria ser feita no quadro de rentabilidades elevadas de outros segmentos do sistema electroprodutor nacional.

Quando o PSD propõe a promoção dos aproveitamentos hidroeléctricos e o aproveitamento energético de biomassa agrícola, em abstracto, como objectivos genéricos, só podemos saudar a iniciativa. Mas a sua consideração desintegrada de uma política nacional de energia e, fundamentalmente, a sua concretização na ausência de um sector público que sirva de referencial e primeiro promotor, instrumento que garanta uma exploração nacional adequada àquelas potencialidades energéticas, levanta a objectiva suspeita de que se está apenas a multiplicar a oportunidade de negócios chorudos na área da energia.

Boas e louváveis intenções na área da energia têm-se transformado num pesadelo tarifário para as empresas e os consumidores portugueses.

No projecto de resolução n.º 197/X, o PSD quer acelerar - e bem! - o aproveitamento das potencialidades hídricas do País, certamente para se redimir da «criminosa» paragem do programa de construção de médias e grandes hidroeléctricas, face ao ainda enorme potencial para aproveitar, e uma das condições-base para melhoria da nossa autonomia em produção eléctrica - responsabilidade que partilha com o PS -, paragem essa que teve lugar há quase 15 anos e que é uma clara e inequívoca consequência do processo de privatização da EDP e dos interesses imediatos dos accionistas dessa empresa.

Não tendo objecções às medidas das alíneas a), c) e d) do projecto de resolução, estamos frontalmente contra a prevalência dos aproveitamentos mini-hídricos relativamente às grandes hídricas consideradas na alínea b).

Para diminuir a nossa dependência energética e cumprirmos o nosso compromisso na produção de electricidade, torna-se necessário que se aumente a potência instalada nas grandes e médias centrais hídricas, com novos empreendimentos e reforço dos existentes.

Com isto não se quer dizer que não se deve incentivar a construção de mini-hídricas, apenas quando não inviabilizem aproveitamentos maiores ou quando esses recursos não tenham outras utilizações.

No projecto de resolução n.º 199/X, o PSD quer promover - e bem! - o aproveitamento energético da biomassa agrícola. A principal questão nesta matéria é a de que, como em exemplos já referidos, se consolidem sistemas de aproveitamento que se transformem no contrário do objecto inicial, isto é, soluções economicamente não sustentáveis, desastrosas do ponto de vista ambiental ou que justifiquem novos e pesados défices tarifários a suportar pelos consumidores.

Salvaguardados estes aspectos, parece de todo adequado o apoio à utilização da biomassa de resíduos agrícolas e de resíduos da indústria agrícola, como se propõe no projecto de resolução, sendo necessário, no entanto, acautelar que alguns desses resíduos continuem, em muitas situações, a ter um importante papel na manutenção da fertilidade dos solos agrícolas.

Já relativamente à utilização da biomassa de produção dedicada, temos as maiores dúvidas. É um problema que entronca com o da produção agrícola dedicada, destinada a biocombustíveis.

Há que avaliar, no quadro da sua concorrência, no uso de solos agrícolas, com a produção agroalimentar, num País que tem escassos solos agrícolas de boa qualidade - que, aliás, estão a ser destruídos a uma velocidade notável - e um elevado défice agro-alimentar de cardos e canas, de silvas e mato, de que já estão demasiados cheios os campos de Portugal.

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