Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Aprova o regime jurídico da cópia privada e altera o artigo 47.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (Sétima alteração ao Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março)

(projeto de lei n.º 118/XII/1.ª)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Antes de mais, quero igualmente saudar os representantes dos artistas, dos autores, dos intérpretes e de outros titulares de direitos conexos e das associações representativas do setor que assistem a este debate e que foram, ao longo do tempo, alertando para a necessidade de corrigir a atual legislação relativamente à cópia privada.
Srs. Deputados, queria começar este debate fazendo um enquadramento que é, para o PCP, decisivo: os autores e titulares de direitos conexos enfrentam hoje uma situação difícil porque foram abandonados à selvajaria das regras da lei do mercado. As leis do mercado, de selvagens que são, deixaram-nos completamente desprotegidos perante a inovação tecnológica e a sua utilização, no sentido de violar os direitos dos autores e titulares de direitos conexos, encontrando-se estes numa situação que é, de facto, uma situação difícil.
A proposta que o Partido Socialista agora apresenta surge como uma solução para uma pequena parte das dificuldades que os autores e titulares de direitos conexos sentem na situação em que hoje se encontram. Em relação a esta contribuição que o PS procura avançar para uma pequena parte deste problema, o PCP está genericamente de acordo com as soluções que o PS apresenta, aliás, temos pena que elas pequem por ser tardias.
Já no relatório que acompanhava a proposta de lei de Orçamento do Estado para 2010, como a Sr.ª Deputada Gabriela Canavilhas reconhecerá, se dizia o seguinte: «No domínio da defesa dos direitos de autor, serão elaboradas propostas de lei para a defesa dos direitos no ambiente digital, para a proteção da cópia privada, para a regulamentação das obras órfãs, e para a proteção dos fonogramas sonoros». Ora, isto estava escrito no relatório que acompanhava o Orçamento do Estado para 2010, aprovado em 2009, e só em 2012 conseguimos fazer esta discussão. Certamente o PS beneficiou de algum do trabalho feito enquanto ainda estava no governo e é pena que só agora o tenha apresentado.
Para o PCP, as soluções aqui apresentadas merecem-nos uma concordância genérica, sem que, no entanto, deixemos passar em claro alguns reparos e alertas que é preciso ter em conta.
Em primeiro lugar, refiro os alertas feitos pela Associação Nacional para o Software Livre e pela Associação de Desenvolvimento pelo Software Livre, que ainda recentemente fizeram chegar uma crítica por não terem sido tidos em conta neste processo. Trata-se, de facto, de entidades que têm obrigatoriamente de ser tidas em contas, uma vez que o projeto de lei apresentado pelo PS desconsidera completamente o impacto destas questões nos utilizadores e criadores de software não proprietário, os quais, utilizando licenças copyleft e criative commons, e apesar de prescindirem dos seus direitos e, em particular, das suas remunerações, acabam por ser tratados como se o não fizessem. Portanto, esta é uma das matérias que têm de ser consideradas; as matérias do âmbito do software livre têm de ser consideradas como uma das dimensões que não podem ser ignoradas na discussão deste projeto de lei.
Por outro lado, há algumas questões para as quais queríamos deixar um alerta. A primeira delas tem a ver com a noção de cópia reprográfica, que julgamos dever ser clarificada no sentido de ser considerada como tal não só aquela que é obtida de uma fonte de papel mas também aquela que é produzida em papel a partir de suportes digitais, porque esta é uma realidade hoje muito frequente mas que o projeto de lei parece ignorar.
Depois, há uma outra questão que é, para nós, central. Em matéria de isenções, julgamos que não podem ser consideradas, para efeitos de isenção, exclusivamente pessoas coletivas. Um fotógrafo que compre um suporte digital para armazenar as fotografias que produz e das quais faz o seu trabalho, a sua profissão, deve ser considerado no artigo 4.º do projeto de lei. Mas esta disposição refere-se apenas às pessoas coletivas e, portanto, se ele for um empresário em nome individual não é abrangido pelas isenções. Julgamos nós que essa isenção deve ser clarificada.
Para concluir, Sr. Presidente — agradecendo a tolerância —, julgamos também, ainda em relação ao artigo 4.º, que deve ser clarificado o alcance do seu n.º 4, dado que por aqui pode criar-se um mecanismo para fazer claudicar as normas do artigo 4.º, uma vez que as medidas previstas no n.º 4 não são materialmente eficazes, não conseguindo impedir a cópia. No entanto, por via deste n.º 4, esses titulares acabam por deixar de ser titulares do direito à compensação, o que julgamos que não seria justo.
Agradeço, Sr. Presidente, a sua tolerância.

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