Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

Aprova o Novo Regime Jurídico da Concorrência, revogando a Lei n.º 18/2003, de 11 de junho, e a Lei n.º 39/2006, de 25 de agosto

(proposta de lei n.º 45/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Sr. Ministro da Economia,
A ainda atual Lei n.º 18/2003, no seu artigo 7.º, pretendia regular e, sobretudo, combater o chamado «abuso de dependência económica».
Passados oito anos de esta legislação estar em vigor, não houve qualquer condenação relativamente a esta matéria. E não foi porque tivessem faltado, ao longo destes oito anos, muitas situações, factos e casos. Assistimos aos abusos das seguradoras e das empresas de assistência em viagem contra as empresas de reboque e oficinas de automóveis, aos abusos da multinacional dos tabacos contra os seus grossistas, aos abusos das petrolíferas contra os postos independentes de abastecimento de combustíveis, aos abusos das empresas da grande distribuição contra os seus fornecedores.
Nesse sentido, tudo indicaria que um dos aspetos centrais da revisão desta lei fosse a alteração deste artigo. No entanto, apesar de, na consulta pública, terem recebido suficientes propostas para a alteração deste artigo, verificamos que o deixam tal qual estava, isto é, vai continuar a não haver ilícitos em matéria de abuso de dependência económica.
Gostaria de saber, Sr. Ministro, quais as razões para não alterar esta matéria na legislação da concorrência.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Reli o discurso do Ministro da Economia, Carlos Tavares, na apresentação da proposta de lei n.º 40/IX, de 12 de Fevereiro, que produziu o atual quadro legislativo.
A primeira questão que os autores da nova proposta de lei para a concorrência, e os partidos que a apoiam, deviam esclarecer é quais as razões da total frustração dos auspiciosos objetivos e piedosas intenções do Ministro Carlos Tavares, do governo PSD/CDS, Durão Barroso/Paulo Portas!?
Por outro lado, agora que estamos a debater uma revisão dessa legislação de 2003, talvez fosse ocasião oportuna para refletir sobre os alertas que então foram feitos pelo meu camarada Lino de Carvalho, porque, se tivessem sido tidos em conta, a Lei n.º 18/2003 não seria obra perfeita, nem sequer ótima, mas não haveria agora tantas lamentações, por exemplo, sobre a ineficiência das coimas então aprovadas.
Srs. Deputados, quem olhar para a evolução do regime jurídico da concorrência em Portugal — e já vamos, no pós-25 de Abril, na 4.ª alteração legislativa —, tirará uma conclusão paradoxal: quanto mais (aparentemente) se aprofunda, densifica, alarga, a abrangência do quadro legislativo, mais a dita «sã concorrência» é subvertida, frustrada, estilhaçada!
Mas, refletindo bem, nada há de estranho no «fenómeno»! É que a dita «evolução do regime jurídico» vai de par, ou melhor, atrás da reconstituição e reforço dos grupos monopolistas em Portugal e do assalto do capital multinacional a empresas estratégicas nacionais. O resultado da política de recuperação capitalista, monopolista e oligopolista, prosseguida por PS, PSD e CDS-PP há 35 anos! A legislação em defesa da concorrência corre atrás do prejuízo da concentração e centralização monopolistas e oligopolistas. É a lebre a correr atrás do galgo. Nunca mais o alcança…
Isto é, os «nossos» neoliberais privatizam e liberalizam, constituem, reconstituem e fortalecem monopólios, oligopólios e oligopsónios e, depois, choram lágrimas de crocodilo pela falta de concorrência nos mercados, onde são, fundamentalmente, atingidos os sectores de bens transacionáveis, exportadores, a generalidade das pequenas e médias empresas, os sectores produtivos! Além de que o «poder político» nunca irá fazer regras que possam prejudicar quem nele manda: o poder económico! Não é o servo que manda no senhor…
Mas o que fica da análise da proposta de lei n.º 45/XII (1.ª), mesmo na lógica dos que acreditam que é possível «regular» a concorrência e promover a dita «sã concorrência» nesses mercados monopolizados, é que não há coragem de enfrentar as contradições, falhas, deficiências e insuficiências da atual legislação. É uma posição tímida, recuada, desequilibrada, que faz de conta que vai responder aos problemas, que a experiência destes oito anos de aplicação da atual lei evidencia. E não vai! O reforço dos poderes da Autoridade da Concorrência não vai de par com o reforço do controlo da sua atuação e de uma necessária densificação e tipificação rigorosa de conceitos e ilícitos! Não será a admissão da busca domiciliária pela Autoridade da Concorrência, sob autorização de juiz de instrução, a varinha mágica que resolverá as suas carências.
Questão que deve, aliás, estar obrigada ao quadro constitucional e legal existente.
Em cinco temas fundamentais, está presente uma abordagem manifestamente insuficiente, para não dizer até que se recua relativamente à atual legislação.
«Práticas restritivas da concorrência» — não só se piora na formulação das práticas proibidas, como, mais grave, não se inscrevem explicitamente como práticas proibidas, por exemplo, práticas restritivas ou desleais, hoje correntes nas relações fornecedores/grande distribuição. «Abuso de posição dominante» — regride-se relativamente à atual lei sobre o que é uma «posição dominante», norma que já tinha regredido relativamente à formulação mais precisa do anterior quadro legislativo.
Mas mais grave, na nossa opinião, é a não introdução do conceito de «posição dominante coletiva», que permitisse combater os «preços de oligopólio», impedindo a «colusão tácita de preços», bem conhecida no mercado dos combustíveis.
«Abuso de dependência económica» — bastaria o facto de que, até à presente data, nenhuma empresa ter sido condenada por «abuso de dependência económica» para ser evidente a necessidade de manter o ilícito, alterar e densificar a formulação, nomeadamente estabelecendo presunções de «dependência económica» e especificando um conjunto de práticas abusivas proibidas.
Variável tempo na intervenção da Autoridade da Concorrência — esta é uma questão que nem de longe nem de perto a proposta de lei responde. É necessário garantir uma operacionalidade e intervenção tempestiva da Autoridade da Concorrência, atenuando, travando, eliminando, tanto quanto possível, a duração dos impactos negativos, da violação das leis da concorrência, nos agentes económicos mais frágeis.
«Operações de concentração» — resulta claro, da experiência recente, a necessidade de que a avaliação das operações de concentração tenha em conta o reforço do poder do comprador, necessária para evitar conclusões como a que a Autoridade da Concorrência tomou aquando da aquisição do Carrefour pela Sonae. Ora, a proposta de lei n.º 45/XII (1.ª) nada avança na matéria.
Outros questionamentos e críticas temos de fazer na avaliação da proposta de lei.
São questões que deixaremos para o debate na especialidade, que esperamos que seja suficientemente aberto e abrangente para que, apesar de tudo, se possam fazer mudanças e alterações substanciais.

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