Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Aprova a lei antidopagem no desporto, adotando na ordem jurídica interna as regras estabelecidas no Código Mundial Antidopagem e revogando a Lei n.º 27/2009, de 19 de junho

(proposta de lei n.º 53/XII/1.ª)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
A proposta de lei que hoje nos é apresentada pelo Governo visa, no essencial, a adaptação do normativo português — pela segunda vez — ao quadro estabelecido pelo Código Mundial Antidopagem.
Em 2009, com a aprovação de uma proposta de lei do governo do Partido Socialista, ainda um governo de Sócrates, foi publicada a Lei n.º 27/2009, que afirmava precisamente esses objetivos.
Nessa altura, como se devem recordar, o Grupo Parlamentar do PCP demonstrou um conjunto de fragilidades da proposta de lei e absteve-se em todas as votações. O PCP alertou, então, para diversos aspetos que considerava serem insuficiências ou mesmo erros da proposta, mas isso não demoveu PS, PSD e CDS de terem votado favoravelmente um texto que ignorava, mesmo na sua versão final, inúmeras preocupações manifestadas por entidades diversas, das quais destacamos a Comissão Nacional de Proteção de Dados.
Hoje, com a apresentação desta proposta de lei, o Governo, o PSD e o CDS vêm reconhecer, afinal de contas, o acerto das posições do PCP expressas em 2009. Não todas, mas uma boa parte.
Por isso mesmo, saudamos o facto de ser corrigida a extrema concentração de poderes na Autoridade Antidopagem de Portugal, lamentando, ainda assim, o facto de esta continuar a ser presidida por uma personalidade nomeada e não de carreira ou por concurso público, ao contrário do que o PCP considera que seria desejável num organismo e numa autoridade que se pretende livre de qualquer condicionamento.
O Laboratório de Análises de Dopagem (LAD) e o seu papel foi outro dos aspetos que o PCP questionou, na medida em que não pode ser confundido com o da Autoridade Antidopagem, o que manifestamente sucede na legislação em vigor.
A veracidade, a transparência dos controlos antidopagem é um dos pontos absolutamente cruciais para o combate eficaz, credível e justo da dopagem no desporto. E relembro os Srs. Deputados que isso depende também da independência do laboratório e da transparência dos processos.
Não podemos deixar de manifestar a nossa preocupação com a situação verificada nesse laboratório, numa visita da Comissão Parlamentar de Educação (em 2009), que se traduzia na total ausência de segredo nos resultados dos sorteios informáticos por — pasme-se! — falta de cola na impressora para selar os envelopes. É verdade que, na altura, não o denunciámos logo, até por respeito ao trabalho daquele laboratório, mas a situação é de tal ordem preocupante que merece ser relembrada hoje, no Plenário, para que erros como esses não se tornem a repetir, porque a informação que 48 horas antes do controlo antidopagem consta daquele envelope valerá milhões e está ao acesso de quem quer que possa chegar-se ao pé daquela impressora!
Isso, obviamente, ataca a credibilidade do controlo, mas não só. O respeito pelo atleta e pela verdade desportiva jamais estarão assegurados.
Apesar de não estar ainda disponível o parecer obrigatório da Comissão Nacional de Proteção de Dados — esperemos que esteja o quanto antes —, o PCP entende que algumas das mais graves disposições da legislação em vigor são minimizadas com esta nova proposta do Governo. Da mesma forma, a possibilidade de recurso das decisões para um tribunal nacional e para um futuro tribunal arbitral representam um passo bastante positivo em função do que até aqui vigorava.
Para que fique claro, o Grupo Parlamentar do PCP está do lado de todos quantos defendem a verdade desportiva, do lado daqueles que recusam a conversão total do desporto num mercado do vale-tudo, da exploração da aptidão desportiva dos atletas. Por isso mesmo, tem vindo a defender também o aumento do apoio aos atletas de alta-competição, olímpicos e paralímpicos, que continuam a receber do Governo apenas o mínimo dos mínimos (sobretudo, os paralímpicos), dependendo em muitos casos exclusivamente de patrocínios para treino e preparação.
Por isso mesmo, não hesitamos em apoiar medidas justas que, no respeito pela liberdade e direitos do atleta, visem o combate à utilização de substâncias dopantes por ser essa utilização, em si mesma, a antítese do desporto.
O PCP acompanhará o desenvolvimento desta proposta de lei nos trabalhos de especialidade (que, em princípio, se realizarão) e não se furtará, como fez no passado, de contribuir para a melhoria e aperfeiçoamento da proposta. Verifica-se agora a justeza de várias críticas tecidas pelo Grupo Parlamentar do PCP nos trabalhos de especialidade da lei em vigor e isso significa que também teremos, certamente, contributos e críticas para enriquecer esta proposta.
Porém, Srs. Deputados, o combate ao doping não pode ser visto apenas como o conjunto dos controlos e a sua fiscalização. Isso mesmo prevê a proposta e valorizamos essa componente educativa e formativa.
Infelizmente, Sr. Secretário de Estado, até aqui essa vertente, essa intervenção tem ficado limitada à publicação de panfletos e é preciso ir muito mais longe nesse combate da informação. Da mesma forma, entendemos que tanto mais eficaz será o combate à dopagem quanto maior for o apoio do Estado ao desenvolvimento desportivo, quanto mais forte e sólido for o sistema desportivo, mais forte e sólido for o envolvimento dos atletas, do movimento associativo e mais dinâmico for o conjunto do sistema desportivo, que vai muito além do alto-rendimento e muito além da indústria do futebol e do mercado do entretenimento.

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