Apreciação Parlamentar

Apreciação Parlamentar n.º 56/X - Unidades de saúde familiar (USF)

Do Decreto-lei n.º 298/2007 de 22 de Agosto, que estabelece o regime jurídico da organização e do funcionamento das unidades de saúde familiar (USF) e o regime de incentivos a atribuir a todos os elementos que as constituem, bem como a remuneração a atribuir aos elementos que integrem as USF de modelo B

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O PCP defendeu desde sempre as vantagens de uma gestão democrática das unidades de saúde que incluísse elevados níveis de autonomia dos seus profissionais e criasse mecanismos para o aumento e a melhoria dos cuidados de saúde prestados. Para prová-lo aí estão os vários projectos sobre a gestão das unidades de saúde apresentados em várias legislaturas e sistematicamente rejeitados pelas maiorias de cada momento. Neles apresentámos novas soluções organizativas para ultrapassar os absurdos constrangimentos que ao longo dos anos os sucessivos governos foram criando ao Serviço Nacional de Saúde.

A prioridade aos cuidados primários de saúde, centro indispensável da política de saúde, não tem sido (nem ao nível orçamental, nem ao nível do pessoal, nem ao nível das fórmulas organizativas) prioridade para nenhum governo e também não é para o actual.

Podemos dizer que a política do actual governo em relação aos cuidados de saúde primários, designadamente no que toca às unidades de saúde familiares é simultaneamente parcelar, insuficiente e capciosa.

É parcelar porque não se vislumbra como poderá ser generalizada a todos os utentes e serviços pelo que determina a existência de dois sistemas de funcionamento dentro do SNS ao nível dos cuidados de saúde. É parcelar também porque manifestamente aponta para a predominância e quase exclusividade na prestação dos cuidados, de áreas facilmente mensuráveis (e sem dúvida importantes), impondo uma redutora lógica quantitativa (quantas vezes procurando insuflar estatísticas) que desvaloriza a crescente multidisciplinaridade dos cuidados de saúde (só há médicos, enfermeiros e administrativos previstos na legislação), afasta a presença de outros especialistas médicos para além da medicina geral e familiar e assentando numa lógica de um pacore básico de cuidados deixa muitos aspectos essenciais de fora.

É insuficiente porque não bastaria atribuir autonomia e incentivos à produção para garantir uma boa política para os cuidados de saúde primários. É que escasseiam os recursos humanos e financeiros, perduram maioritariamente as instalações desadequadas e decrépitas e faltam nelas especialidades, equipamentos e outros meios.

É capciosa porque os anunciados bons princípios escondem más intenções, como a de entregar áreas em que não se apresentam candidaturas ao sector privado, ou de ceder aos novos hospitais entregues ao privado a gestão dos centros de saúde da área, numa perversão da ideia das Unidades Locais de Saúde; ou de reduzir progressivamente os cuidados assegurados à "carteira básica de serviços" deixando gradualmente para trás o restante; ou ainda a de impor a precariedade e a desvinculação dos profissionais em curso em toda a administração pública.

A realidade da aplicação das USF está longe de ser o sucesso geral que o Governo apregoa. Sem prejuízo de bons resultados em algumas unidades, designadamente onde se conjugou a disponibilidade de profissionais, o investimento em instalações e equipamentos.

A realidade parcial não pode também ser desligada do todo em que os Cuidados Primários de Saúde continuam a atravessar sérias dificuldades. Os centros de saúde de origem dos profissionais vêem muitas vezes piorar as suas condições de atendimento fora das USF. Mesmo a redução parcial do número de utentes sem médico de família decorre no fundamental do aumento do número de utentes por médico.

Este decreto-lei deve por isso ser visto como integrado numa política que é um todo e que condiciona a sua aplicação. Ora a verdade é que o Decreto-lei nº 298/2007 de 22 de Agosto não pode ser analisado sem ter em conta normativos e documentos anteriores como sejam o Despacho Normativo n.º 9/2006, de 16 de Fevereiro, alterado pelo Despacho Normativo nº 10/2007 de 26 de Janeiro. Ora é na Norma VII deste Despacho Normativo que se estabelecem os "níveis de desenvolvimento" das USF (cinco níveis no primeiro, depois três no segundo), remetendo para lista de critérios e metodologia a elaborar pela Missão para os Cuidados de Saúde Primários. Ora é precisamente aí que se encontra a explicitação que o Governo fugiu a clarificar no plano legislativo. É que o Modelo C de USF, correspondente ao anterior nível 5 de desenvolvimento, comporta a entrega ao sector privado e privado social, dos cuidados primários de saúde na forma de Unidades de Saúde Familiares, sendo esse certamente o objectivo a atingir pelo Governo em muitas áreas geográficas e populacionais completas.

Por isso o PCP apresenta esta apreciação parlamentar no sentido de desafiar o Governo e a maioria PS a alterar a legislação no sentido de promover a real alteração da política para os Cuidados de Saúde Primários, aproveitando os princípios da descentralização, da autonomia e proximidade dos utentes que devem conduzi-la.

Para isso é preciso que a legislação preveja expressamente matérias como a proibição da privatização da gestão dos cuidados primários de saúde e das USF em particular, a garantia da inclusão da totalidade dos cuidados na "carteira básica de serviços", o aumento da multidisciplinaridade e da presença de várias especialidades e técnicos úteis a este nível, a garantia da segurança e estabilidade dos profissionais, a inclusão de normas com vista a impedir a desnatação dos centros de saúde não constituídos em USF, ou a definição do objectivo de generalizar, mesmo que progressivamente, um único modelo a todo o sector dos cuidados primários de saúde.

Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição da República Portuguesa e ainda da alínea h), do n.º 1 do artigo 4º e do artigo 189.º do Regimento da Assembleia da República, os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, vêm requerer a Apreciação Parlamentar do Decreto-lei n.º 298/2007 de 22 de Agosto, que "Estabelece o regime jurídico da organização e do funcionamento das unidades de saúde familiar (USF) e o regime de incentivos a atribuir a todos os elementos que as constituem, bem como a remuneração a atribuir aos elementos que integrem as USF de modelo B".

 

Assembleia da República, em 10 de Outubro de 2007

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