Apreciação Parlamentar

Apreciação Parlamentar n.º 51/X - Associações profissionais de militares das Forças Armadas

 

Do Decreto-Lei n.º 295/2007, que  define o estatuto dos dirigentes associativos das associações profissionais de militares das Forças Armadas  (publicado no Diário da República nº 161, série I, de 22.8.2007)

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O Governo publicou a decreto-lei referido em epígrafe ao abrigo do disposto no artigo 4º da Lei Orgânica 3/2001, de 29 de Agosto. O artigo 4º da Lei Orgânica a que o decreto-lei deve obediência, manda o Governo aprovar o estatuto dos dirigentes associativos, e nada mais.

A Lei Orgânica 3/2001 - lei de valor reforçado - estabelece especialmente direitos associativos, designadamente conferindo o direito de associação a militares (artigo 1º) e enunciando os direitos de que gozam essas associações uma vez criadas (artigo 2º). Igualmente fixa a Lei Orgânica restrições ao exercício desses direitos, nos exactos termos do seu artigo 3º, expressamente remetendo para normativo preexistente. Este artigo 3º da Lei Orgânica não é uma cláusula susceptível de regulamentação nem confere autorização ao Governo para sobre ela legislar ou sequer para a concretizar. Contudo, o Governo, ao aprovar o decreto-lei, prevaleceu-se dessa norma, reproduzindo-a, e explicando até a opção legislativa no preâmbulo.

Com efeito, usa o Governo a faculdade legal para aprovar o estatuto dos dirigentes de associações de militares, para legislar em matéria de direitos liberdades e garantias, sem prévia autorização parlamentar, ofendendo assim a reserva relativa de competência legislativa que a Constituição confere à Assembleia da República pela alínea b) do n.º 1 do artigo 165º. Estaremos perante uma inconstitucionalidade orgânica a sindicar.

Indo mais longe ainda, opera o Governo, por simples decreto-lei, uma efectiva restrição ao exercício dos direitos das associações, violando materialmente quer a Constituição quer a própria Lei Orgânica - de valor reforçado - que os estabeleceu.

No tocante ao estatuto, introduz, o decreto-lei, um apertado e restritivo procedimento de dispensa de dirigentes com vista à participação em reuniões associativas (artigo 7º), estabelecendo inclusive "que a dispensa pode ser recusada, cancelada ou interrompida pelo chefe do Estado-Maior" (n.º 4 do artigo 7º). A título de exemplo, diga-se, que um pedido de reunião entre uma comissão parlamentar e uma associação de militares fica dependente de um pedido formal, com a antecedência mínima de 10 dias, podendo ainda ser cancelada ou recusada pela hierarquia militar. Este restritivo procedimento, excedendo o estrito âmbito estatutário do dirigente, tem o alcance de interferir não apenas na actividade das associações, como ainda obstruir a livre decisão de órgãos terceiros que com as associações se queiram avistar, designadamente um órgão de soberania.

O decreto-lei, cuja apreciação é requerida, excede ainda o âmbito do estatuto dos dirigentes que lhe incumbe criar, porquanto faz depender o exercício de "qualquer actividade associativa no interior das unidades" de uma autorização prévia (alínea c) do artigo 5º) sem que correspondentemente a necessidade dessa autorização esteja prevista na Lei Orgânica. Por isso mesmo, a própria divulgação das "suas iniciativas, actividades e edições nas unidades e estabelecimentos militares" (alínea f) do artigo 2ª da Lei Orgânica) não carece de autorização mas tão só da escolha de um local apropriado.

Cria ainda o decreto-lei um registo obrigatório das associações de militares (artigo 9º), um regime especial injustificado, que colide com o disposto na Lei Orgânica ao estabelecer que a constituição, gestão, funcionamento e extinção das associações "são reguladas pela lei geral, nomeadamente pelo Código Civil". O decreto-lei contraria - não podendo fazê-lo - a lei geral aplicável às associações e a lei geral das associações profissionais de militares.

Designada formalmente como lei estatutária, o decreto-lei é antes de mais uma lei redutora do estatuto ou de estatuto diminuído. E na medida em que interfere na dinâmica e expressão do associativismo militar é uma lei anti-associativa. O seu cunho anti-associativo traduz-se no seu carácter restritivo. Encurta e limita os efeitos de uma lei - orgânica - que por ele - decreto-lei - deve ser observada. O decreto-lei é uma lei restritiva de direitos liberdades e garantias, como de resto decorre com propriedade de uma leitura atenta do seu preâmbulo.

A maioria parlamentar que em 2001 quis um associativismo militar aberto, livre e responsável, logo democrático, vê-se agora confrontada com uma maioria governamental que, já não podendo recuar no tempo, tolera o associativismo, mas pouco, e prefere-o confinado e diminuído.

Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 162º e do artigo 169º da Constituição da República Portuguesa e ainda dos artigos 4º, n.º 1, alínea h) e 189º do Regimento da Assembleia da República, os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, vêm requerer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 295/2007, que «Define o estatuto dos dirigentes associativos das associações profissionais de militares das Forças Armadas».

 

Assembleia da República, em 20 de Setembro de 2007

 

 

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