Projecto de Lei N.º 515/XIV/2.ª

Apoios sociais de emergência para o tecido cultural e artístico

Exposição de motivos

O surto do coronavírus SARS-CoV-2, declarado como pandemia pela Organização Mundial de Saúde a 11 de março de 2020 está a pôr à prova as condições e formas regulares de trabalho.

Na Cultura, proliferou o cancelamento de ensaios, espetáculos, rodagens, digressões, montagens. Entidades públicas e privadas não têm mantido compromissos e pagamentos na sua totalidade. Os trabalhadores a recibo verde desesperaram e ainda desesperam com a falta de apoios.

A extrema precariedade que se regista insta a que se tomem medidas de apoio direto aos trabalhadores das artes do espetáculo, como atores, encenadores, cenógrafos, figurinistas, roadies, carregadores, técnicos de som, de luz e de palco, músicos, assistentes, entre muitos outros, mas também às entidades do tecido cultural e artístico, independentemente de terem beneficiado ou não de apoios públicos de âmbito concursal.

As opções e as medidas tomadas pelo Governo até ao momento, incluindo as medidas que constam do Programa de Estabilização Económica e Social, continuam a excluir um grande número de trabalhadores das artes e da cultura, encontrando-se muitos numa situação financeira verdadeiramente dramática.

Também as companhias e estruturas, que asseguram postos de trabalho e desenvolvem uma imprescindível atividade artística e cultural, confrontam-se com enormes dificuldades em manter as portas abertas e continuar a assegurar um serviço público de cultura.

Acresce que a retoma progressiva da atividade insta a que sejam tomadas medidas de contingência, prevenção do contágio e adaptação funcional em todas as áreas e setores, incluindo nas Artes e na Cultura. Logo, exigem-se os meios financeiros para que a prestação de serviço público de cultura ocorra com todas as condições sanitárias e de segurança para os seus trabalhadores e para todos os que a ele acedam.

Tal implica que exista a capacidade por parte dos criadores e das entidades das artes, cultura e património para fazer face ao acréscimo de despesas com procedimentos de desinfeção e limpeza de espaços, aquisição de equipamentos de proteção individual, e à diminuição de receitas de bilheteira em virtude das regras de permanência simultânea nos espaços ditadas pelas autoridades sanitárias, contratação de serviços e pessoal especializado, entre outras questões.

Se, na Cultura, a situação dita "normal" já era de emergência, então hoje as medidas de apoio têm de ser excecionais. Assim, urge a criação de apoios sociais de emergência, desburocratizados e sem a obrigação de contrapartidas de apresentação de espetáculos ou atividades – que, no cenário atual, dificilmente se podem concretizar a breve trecho e em que não há ainda dados suficientes para avaliar a dimensão dos impactos do surto pandémico e reorganização da vida das pessoas e das comunidades.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei aprova um conjunto de apoios sociais de emergência para a cultura, destinados aos trabalhadores e entidades da área artístico-cultural por motivo de adiamento e cancelamento das atividades na sequência das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2.

Artigo 2.º

Âmbito

  1. Podem recorrer aos apoios, nos termos da presente lei:
    1. os trabalhadores da cultura que desempenham profissões de natureza estritamente artística, técnico-artística ou de mediação artística;
    2. as entidades que exerçam atividades artístico-culturais de carácter profissional e reúnam as condições previstas para efeitos de candidatura a apoios no âmbito do Decreto-Lei n.º 103/2017, de 24 de agosto, e do Decreto-Lei n.º 25/2018, de 24 de abril, designadamente:
      1. Pessoas coletivas de direito privado com sede em Portugal, incluindo estruturas de âmbito associativo sem fins lucrativos;
      2. Pessoas singulares com domicílio fiscal em Portugal;
      3. Grupos informais, constituídos por um conjunto de pessoas singulares ou coletivas, sem personalidade jurídica, que se tenham organizado para apresentação de propostas ao abrigo dos decretos-leis supracitados, desde que nomeiem como seu representante uma pessoa singular ou coletiva com domicílio ou sede fiscal em Portugal.
  2. As entidades referidas no número anterior são abrangidas independentemente de se terem candidatado ou sido apoiadas anteriormente no âmbito de apoios públicos concedidos pelo Ministério da Cultura.

Artigo 3.º

Abertura dos procedimentos de candidatura para a concessão dos apoios

  1. As candidaturas para a concessão dos apoios são abertas após fixação pelo membro do Governo responsável pela área da cultura do montante financeiro disponível, devendo para o efeito proceder-se à publicação na página http://www.culturacovid19.gov.pt do respetivo anúncio contendo:
    1. O montante global disponível;
    2. Os critérios e condições de candidatura;
    3. A forma de atribuição do apoio;
    4. As modalidades de apoio disponíveis;
    5. O formulário de candidatura.
  2. Os procedimentos previstos no número anterior são regulamentados pelo Governo de forma a que a abertura de candidaturas ocorra no prazo máximo de 15 dias após entrada em vigor da presente lei.

Artigo 4.º

Natureza e modalidades de apoio

  1. Os apoios são de natureza não concorrencial e podem ser atribuídos nas seguintes modalidades:
    1. Apoio direto aos trabalhadores da cultura desempenhando profissões de natureza estritamente artística, técnico-artística ou de mediação;
    2. Apoio de emergência às entidades que exerçam atividades artístico-culturais de carácter profissional, mediante comprovação do adiamento, cancelamento ou paragem total de atividade;
    3. Apoio para implementação das medidas de contingência, prevenção do contágio e adaptação funcional.
  2. Aos apoios de emergência previsto no número anterior podem candidatar-se, trabalhadores e entidades do tecido cultural e artístico, independentemente de terem beneficiado de apoios públicos de âmbito concursal concedidos pelo Ministério da Cultura.
  3. A comprovação do adiamento, cancelamento ou paragem da atividade é realizada por qualquer meio admissível em Direito.

Artigo 5.º

Não exigência de contrapartidas de apresentação de espetáculos e atividades

Os apoios são de natureza social, excecional e temporária e não obrigam os beneficiários a qualquer contrapartida de apresentação de espetáculos e/ou atividades artístico-culturais.

Artigo 6.º

Financiamento dos apoios sociais de emergência para a cultura

Os apoios previstos na presente lei são financiados pelo Orçamento do Estado, sem prejuízo do recurso a financiamento comunitário.

Artigo 7.º

Entrada em vigor

A presente lei produz efeitos financeiros com a publicação da Lei do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.