Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Apoios públicos às pessoas coletivas e singulares que promovam atividades no sector das artes do espetáculo e do audiovisual

(projeto de resolução n.º 65/XII/1.ª e projeto de lei n.º 78/XII/1.ª)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Em primeiro lugar e, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, cabe-nos dizer que, obviamente, os trabalhadores das artes e do espetáculo contam com toda a solidariedade e intervenção deste grupo parlamentar no combate e na denúncia das situações de precariedade laboral que se vivem no setor e às quais, curiosamente, tantas vezes, os governos viram as costas, mesmo os do Partido Socialista, que, agora, nos apresenta este projeto de resolução.
Srs. Deputados, não podemos confundir questões laborais com o apoio do Estado à produção artística e à difusão cultural.
No projeto de resolução do Partido Socialista, há uma tentativa de criar um pretexto para cortar apoios às estruturas de criação cultural, através desta imposição de um limite mínimo de contratos de trabalho.
Além de ter sido identificado um conjunto de problemas, num limite estático, para a existência de contratos de trabalho, pelas próprias estruturas, pelos próprios profissionais do setor, o que isto significa é, na verdade, dar ao Governo — ainda por cima, o projeto do Partido Socialista nem sequer diz qual seria esse limite, prevê apenas que o Governo estabeleça um limite — os instrumentos para que deixe de financiar completamente as estruturas de criação artística.
Ou seja, o Governo diz «se esta estrutura de criação artística não tem 80% de contratos de trabalho, não recebe dinheiro público». E fica o Governo com a capacidade de definir quando
é que aquela estrutura merece ou não apoio, em função exclusivamente de relações laborais, as quais devem ser tratadas noutra área, nomeadamente na da fiscalização e da intervenção do Estado no combate à precariedade.
Vejamos: o Estado, que subfinancia as estruturas, que não cria condições para que elas contratem os seus profissionais, que não garante a sua viabilidade — e muitas delas confrontam-se, hoje, com situações de incapacidade para levar a cabo a sua missão de produção cultural e artística —, que não lhes dá condições para sobreviverem, diria «como não têm 80% de contratos de trabalho, não recebem mais apoio». Ou seja, ao invés de tratarmos o problema da precariedade, acabávamos de vez com as estruturas de produção artística
em Portugal.
O projeto de lei do BE, de acordo com a abordagem que o PCP fez sobre esta matéria, coloca as questões numa outra perspetiva, muito embora parta do princípio da legalidade nas relações laborais. Para o PCP, o projeto de lei do BE não é tão estático quanto o projeto de resolução do PS.
Todavia, no que respeita à penalização, bastaria encontrar numa estrutura de criação artística uma situação que não estivesse de acordo com os critérios propostos pelo BE para que, durante quatro anos (no ano em vigor e nos três anos seguintes), a estrutura não pudesse usufruir de quaisquer apoios do Estado.
Ora, parece-nos que, apesar de o princípio ser correto, o de criar mecanismos de fiscalização expeditos e de intervenção direta e rápida do Estado, é preciso aprofundar e discutir a penalização e os resultados dessa fiscalização, criando mecanismos para tratar o problema e não para eliminar a estrutura de criação artística. É essa a posição de que partimos.

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