Intervenção de

Apoios especializados a prestar na educação - Intervenção de João Oliveira na AR

Apreciação do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, que define os apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos sectores público, particular e cooperativo

 

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,

Sr.as e Srs. Deputados:

O Decreto-Lei que hoje discutimos  (apreciação parlamentar 64/X) e a situação existente em matéria de educação especial deviam envergonhar o Governo e o PS porque são uma vergonha para o País.

A contra-reforma em curso na educação especial que resulta das medidas tomadas pelo Ministério da Educação, negando o direito ao apoio educativo a milhares de crianças e jovens com necessidades educativas especiais, é uma vergonha para um país que subscreveu a Declaração de Salamanca e assume, ainda, o objectivo de construção de uma escola inclusiva.

Consciente das consequências das medidas tomadas nesta área, o Ministério da Educação recusa-se a discutir, ou sequer a ouvir, o que têm para dizer todos aqueles que, diariamente, vivem e sentem esta realidade.

Queremos, aliás, saudar todos os pais, professores e técnicos de educação especial hoje presentes nas galerias. A sua abnegação e a sua luta no sentido de impedir que medidas tão gravosas como as que discutimos se concretizem hão-de certamente vencer a arrogância e a prepotência deste Governo!

O Ministério da Educação adoptou, na educação especial, o mesmo procedimento que em tantas outras áreas.

Primeiro, alterou a realidade das escolas e do sistema educativo, contrariando a Lei de Bases e a própria Constituição, quando necessário. Agora, com a publicação do Decreto-Lei n.º 3/2008, vem dar cobertura legal a essas alterações que, na prática, já eram lei para escolas, professores, alunos e pais.

Começou o Ministério por reduzir brutalmente o número de alunos com necessidades educativas especiais objecto de medidas educativas de apoio especializado. Nos últimos dois anos, foram afastados da educação especial mais de 40 000 alunos com necessidades educativas especiais.

Foi também reduzido drasticamente o número de docentes a trabalhar na educação especial. Dos 7423 docentes em exercício, na educação especial, no ano lectivo 2005/2006, passámos para 3963, no ano lectivo 2006/2007, e para 4959, em 2007/2008, uma redução de quase 50%.

Foi ainda reduzido o número de auxiliares de acção educativa para apoio a alunos com necessidades

educativas especiais e promoveu-se a sua substituição, na maior parte dos casos, por trabalho à tarefa e por desempregados incluídos em programas ocupacionais, obviamente sem preparação nem experiência para as funções que são chamados a desempenhar.

Simultaneamente, criaram-se unidades especializadas e escolas de referência para alunos surdos, cegos ou com baixa visão, com perturbações do espectro do autismo e multideficientes, em certos agrupamentos e regiões geográficas, levando ao afastamento destes alunos das suas áreas de residência.

Existe, aliás, o exemplo, bem claro e dramático, de uma criança que, diariamente, percorre 180 km para se deslocar de Elvas, onde reside, para Évora, onde frequenta o estabelecimento escolar.

Para cúmulo, o Ministério da Educação resolveu, este ano, colocar professores de ciências agropecuárias, electrotecnia, economia e contabilidade e outras áreas num grupo que se destina a prestar apoio a crianças com deficiências graves e multideficiência.

Nas palavras da Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação, tratou-se apenas de «rentabilizar o trabalho dos professores em prol dos alunos».

Todas estas medidas deram, afinal, concretização a uma ideia central: a de substituir o modelo de intervenção educativa por um modelo de intervenção médico-psicológico, inspirado num paradigma de saúde, retomando a velha categorização das deficiências e incapacidades - agora feita através da CIF 2001 da Organização Mundial de Saúde - e assumindo o erróneo princípio de que os alunos com uma dada deficiência ou incapacidade aprendem todos da mesma maneira.

Assim, assume o Ministério, na letra do Decreto-Lei, que, não havendo uma «limitação significativa ao nível da actividade e da participação num ou vários domínios da vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais de carácter permanente», não há necessidade de apoios especializados.

Esta opção do Ministério não se encontra sustentada em qualquer estudo nem decorre de nenhuma alteração de concepções científicas ou pedagógicas. É, antes, norteada por um cínico critério economicista que leva o Governo a poupar a todo o custo, nem que para isso se sacrifiquem o sucesso educativo e as aprendizagens das crianças com necessidades educativas especiais.

Mas, para o Governo, isto não chegava. Era preciso ir mais longe e acabar com as instituições de ensino especial.

Tentando justificar esta opção com a construção da escola inclusiva e o fim da separação entre crianças com e sem deficiência, o Ministério da Educação ignora o essencial. O Ministério ignora que o recurso a instituições de ensino especial só se verifica porque a escola de ensino regular não garante hoje respostas adequadas às crianças com deficiência.

O Ministério procura ignorar que o recurso a instituições de ensino especial só se verifica hoje porque a escola de ensino regular tem sido despojada dos meios humanos e técnicos que permitam dar resposta às necessidades das crianças com deficiência.

O Ministério ignora que qualquer pai ou encarregado de educação de uma criança com deficiência procura, antes de mais, que o seu filho seja tratado como os outros e esteja integrado numa escola do ensino regular.

Só perante o insucesso dessa tentativa acabam por recorrer a instituições de ensino especial onde haja melhores possibilidades de aprendizagem.

E a verdade é que as escolas de ensino regular não têm hoje condições para assegurar a inclusão de milhares de crianças com deficiência.

Esta situação acarretará gravíssimos prejuízos para a vida dessas escolas mas, sobretudo, para o que é mais importante: as vidas das crianças com deficiência e das suas famílias.

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Em resumo, diremos que a publicação do Decreto-Lei n.º 3/2008 foi apenas a peça que faltava num puzzle que não faz qualquer sentido.

Da parte do PCP, entendemos que a situação existente exige mais que remendos legais ao Decreto-Lei.

Exige uma profunda discussão com pais, professores, instituições de ensino especial, associações de deficientes, técnicos e especialistas, para que se possam corrigir alguns aspectos do regime anterior.

Entendemos que existe, de facto, a necessidade de alterar o actual quadro legal. Não queremos que tudo fique na mesma. Mas, para isso, é urgente que se pare o processo de desfiguração da educação especial que está em curso.

Por isso, apresentaremos uma proposta de cessação de vigência do Decreto-Lei n.º 3/2008, assumindo, desde já, o compromisso de apresentar propostas concretas, no quadro de uma discussão mais alargada que tenha como verdadeiro objectivo a construção sincera da escola inclusiva.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,

É ou não verdade que, antes de publicado o Decreto-Lei n.º 3/2008, o Ministério da Educação utilizou o conceito de «necessidades educativas especiais de carácter prolongado ou permanente» para avaliar as necessidades dos docentes nas escolas, deixando de fora dezenas de milhares de crianças com necessidades educativas especiais?

É ou não verdade que o Ministério da Educação reduziu os 7423 docentes de educação especial, colocados em 2005-2006, para quase metade, em 2007-2008?

É ou não verdade que foram colocados 140 docentes de várias áreas e grupos de recrutamento num grupo que visa dar apoio a deficiências graves e à multideficiência?

É ou não verdade que faltam auxiliares de acção educativa para apoiar alunos com necessidades educativas especiais e que muitos dos que existem são contratados como tarefeiros ou no âmbito do POC, a ganharem 2,5 €/hora?

É ou não verdade que a CIF começou a ser utilizada para a classificação dos alunos com necessidades educativas especiais antes de estar criado o quadro legal que permitisse a sua utilização?

É ou não verdade que a obrigação de redução de turmas, que neste Decreto-Lei desaparece, já não é hoje respeitada?

Sr. Secretário de Estado, o problema que temos em relação a esta matéria é que a resposta a todas estas questões é afirmativa, o que comprova que os resultados da política deste Governo atentam contra a construção de uma escola inclusiva.

É negado aos portugueses a construção de uma escola inclusiva. E não é este o nosso conceito de escola inclusiva, não é com estas políticas que, a nosso ver, se constrói a escola inclusiva.

A questão que lhe coloco, Sr. Secretário de Estado, é a de saber se o Governo está ou não disposto a pôr fim ao desastre que, prevê-se, terá a aplicação deste Decreto-Lei n.º 3/2008 e a ouvir quem todos os dias tem de viver e sentir o que se vai passando na educação especial.

O Governo está ou não disposto a ouvir e a aceitar as críticas de quem vai ter de lidar com o drama imposto por este Decreto-Lei, sobretudo com o fim das instituições de ensino especial?

O Governo e o Grupo Parlamentar do Partido Socialista estão ou não dispostos a discutir seriamente com esta Assembleia, com pais e professores, com associações de pessoas com deficiência e instituições de ensino especial, com técnicos e especialistas, aquilo que deve ser a construção de uma escola inclusiva e o regime de educação especial?

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Começamos por registar que é, de facto, compreensível a dificuldade do papel que o Sr. Secretário de Estado aqui teve de representar, tentando justificar o injustificável.

Aquilo que estamos hoje a discutir é de tal forma insustentável, Sr. Secretário de Estado, que, certamente, alguns Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista estarão até incomodados. Vamos ver se podem contribuir para pôr fim a este processo, para parar este processo e evitar as dramáticas consequências que ele pode acarretar.

O Sr. Secretário de Estado disse-nos aqui uma coisa que considero merecer comentário: «a escola inclusiva não se constrói num ano». A pergunta que se impõe é a seguinte: o que é que estão a fazer no Governo desde 2005, Sr. Secretário de Estado?! Foi isto que estiveram a preparar desde 2005?!

Exactamente! Já nem tendo em conta governos anteriores em que participaram!

Aquilo que o Sr. Secretário de Estado não pode fazer é responsabilizar o PCP pelo que o PS faz no Governo.

Aliás, Sr. Secretário de Estado, se o Governo do PS fizesse aquilo que o PCP faz, teria ouvido os pais, como nós ouvimos, teria ouvido os professores, como nós ouvimos, teria ouvido técnicos, teria ouvido alunos, teria ouvido associações, o que não fizeram. Daí o resultado que está hoje em discussão!

Sr. Secretário de Estado, uma coisa posso garantir-lhe: a postura do PCP não é de destruição do que quer que seja, é uma postura construtiva. Por isso nos disponibilizámos a apresentar propostas concretas que permitam resolver uma situação que reconhecemos não ser boa.

O regime que temos, actualmente, precisa de adaptações, precisa de correcções, mas ouça-se, Sr. Secretário de Estado! Ouçam-se aqueles que, diariamente, têm de lidar com estas questões, com o drama de crianças que estão em instituições de ensino especial e têm, agora, de ser transferidas para escolas públicas, com as implicações que isso tem na adaptação dessas crianças, com as repercussões nas suas famílias e com as repercussões que terá a falta de apoio às crianças com necessidades educativas especiais.

 

 

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