Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, Audição Pública «Apoio às artes, resultados e modelos»

Apoio às artes: Empenhem tudo isso na vossa arte mas também numa luta que vale a pena

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Gostaria de começar por saudar todos os presentes nesta audição, tão actual e premente como o testemunharam as diversas intervenções que me antecederam.

Aqui veio, a partir das diversas intervenções e contributos, a realidade concreta com que se defrontam artistas e companhias, a realidade tal como ela é e não como a que nos tentam fazer crer.  

Saímos, hoje, daqui mais conhecedores da realidade vivida e sentida neste sector, mais e melhor preparados para intervir em todas as frentes, desde logo aqui mesmo na Assembleia da República através do nosso Grupo Parlamentar, tal como sempre temos feito, no sentido da defesa do direito à livre criação artística, à democratização da Cultura.

Num quadro de profundas dificuldades em que se procura fomentar a ideia de aceitar como normal o trabalho gratuito, em que se banalizou a precariedade, a instabilidade e a incerteza, chamando-lhes intermitência, em que se encostam à parede artistas e outros trabalhadores da Cultura, ou se obriga à aceitação cultural da ideologia dominante com a sua única lógica do mercado, travando a criatividade, a originalidade, a própria leitura da vida e do mundo.

Vivemos hoje uma situação na Cultura que exige mobilização de todos aqueles que estão dispostos a unir esforços com o objectivo de mudar o rumo de desvalorização da Cultura que tem sido seguido em Portugal e construirmos soluções capazes de levar por diante a democratização do acesso, da criação e da fruição culturais.

Este é um objectivo que preside à nossa intervenção na área da Cultura.

Nesta audição procurámos ouvir as várias estruturas directamente influenciadas pelos resultados agora conhecidos, de modo a auscultar as suas dificuldades e necessidades e assim aprofundar o conhecimento sobre a situação do sector, de forma a encontrar as medidas necessárias.

Como foi debatido nesta audição, as nossas preocupações centram-se nos resultados do último concurso da DGArtes e nas consequências que resultam da exclusão, para as dezenas de companhias e de artistas que foram deixados de fora destes apoios. Esta audição, ela própria, reflecte esta preocupação do PCP.

Por falta de dotação financeira mais de 100 estruturas culturais de todo o País foram excluídas e não obtiveram apoio. 

Repare-se bem: mais de 100 estruturas culturais que cumpriam os critérios estabelecidos pela DGArtes. Mais de 100 estruturas culturais que foram avaliadas positivamente e que, mesmo sendo elegíveis, por falta de orçamento, não receberam apoio.

Aliás, apenas 20% das estruturas que se candidataram não foram consideradas elegíveis, demonstrando a qualidade dos vários projectos apresentados. 

Situação bem ilustrativa, mas longe de ser única, daquilo que o PCP tem vindo repetidamente a afirmar: o orçamento para a Cultura é baixo, não responde à mais que justa necessidade e aposta estratégica que é necessário e urgente levar por diante. 

Aqui chegados podemos afirmar, com toda a certeza, se mais de 100 estruturas culturais ficaram sem apoio isso é por opção do Governo, da sua natureza e submissão aos interesses do grande capital e às imposições da UE e do Euro, não é por falta de dinheiro,  ou de qualquer outra justificação apresentada nestas alturas. 

O facto de o Governo ter anunciado medidas de reforço orçamental de 79 milhões para o ciclo do Programa Apoios Sustentados 2023/2026, não só não colmata as necessidades de financiamento, como confirma a justeza das propostas do PCP e a insuficiência do orçamento aprovado para este fim nos últimos anos.

Repare-se que 79 milhões são praticamente metade do valor que o Governo decidiu dar de mão beijada às concessionárias das auto-estradas no início deste ano, foram 140 milhões de euros que saíram do nossos bolsos directamente para os cofres da Brisa e outras brisas que tais. 

E o que dizer dos 3 mil milhões para as empresas da electricidade transferidos quer pela via do Orçamento do Estado e de outros expedientes?

Ainda dizem que não há dinheiro.

Mas para além do orçamento aquém do necessário, os resultados destes concursos ficaram também marcados pela arbitrariedade das decisões. 

O reforço orçamental tão alardeado pelo Governo foi aplicado de forma discriminatória, tendo sido dirigido sobretudo para a modalidade quadrienal, introduzindo maior disparidade entre esta modalidade e a bienal, o que não significa que as verbas para os quadrienais não sejam insuficientes.

Anúncio feito numa fase posterior à apresentação das candidaturas. Se tivesse sido conhecido antes, talvez a opção de candidatura das estruturas tivesse sido diferente.

Na modalidade bienal, na dança só estão propostas para apoio 8 das 20 candidaturas elegíveis; na música e ópera só estão propostas para apoio 7 das 15 candidaturas elegíveis; no cruzamento disciplinar, circo e artes de rua 11 das 17 das candidaturas elegíveis; nas artes visuais 8 das 29 candidaturas elegíveis, no teatro 23 das 42 candidaturas elegíveis; e na programação 13 das 46 candidaturas elegíveis.

A confirmarem-se estes resultados, só agravarão a situação dramática e insustentável em que se encontram muitas estruturas de criação cultural. 

Muitas poderão nem sequer reunir as condições para manter o desenvolvimento do trabalho artístico e cultural, com tudo o que isso significa na fragilização da actividade cultural, no aumento do desemprego de muitos trabalhadores da Cultura e contribui para o aprofundamento de desigualdades e assimetrias regionais, podendo levar ao desaparecimento da actividade cultural que ainda resistia em várias regiões e que em muitos casos é o que assegura o acesso à Cultura junto de populações de muitas vilas e aldeias pelo País.

Em comunicado, a Seiva Trupe, que completa 50 anos em Setembro, dá conta, na sequência da exclusão dos apoios sustentados da DGArtes, que decidiu suspender a actividade a 1 de Janeiro de 2023. Também outras estruturas, nomeadamente a Filandorra ou a Jangada Teatro, ficam numa situação complicada.

O PCP apresentará, hoje mesmo, um Projecto de Resolução que procura resolver estes dois problemas: o da insuficiência dos apoios às companhias e aos artistas, garantindo os meios financeiros para tal, bem como o modelo que vem sendo seguido de concursos da responsabilidade da DGArtes, para a atribuição dos apoios e que na nossa opinião deve ser alvo de um debate aprofundado no sentido da sua revisão.

É que, na nossa opinião, a simples existência desses concursos não assegura a plenitude dos direitos constitucionais, na medida em que, na ausência de critérios transparentes e do financiamento adequado, nenhum resultado é inteiramente justo.

Assim, o Projecto de Resolução que vamos apresentar propõe que se reforce a verba global para Apoio às Artes no valor de 33,7 milhões de euros.

Numa altura em que se perde tanto tempo com as trapalhadas do Governo, situação que tanto interessa aos partidos da direita, cujo único propósito é o de acelerar a política em curso, o que se coloca como elemento central e decisivo é a mobilização de todos os intervenientes do sector pela exigência e concretização de uma política e de opções que correspondam aos seus interesses, uma política e opções que, se assim for, são o garante do direito à fruição cultural do nosso povo.

Como sempre afirmámos e voltamos a sublinhar, pouco importa quem são os protagonistas, o que é decisivo hoje, como o foi ontem e como o será amanhã, são as opções e as políticas que se decidem e concretizam.

A situação que se vive no sector das Artes podia ter sido evitada se as propostas avançadas pelo PCP no Orçamento do Estado para 2023 tivessem sido aprovadas. Propusemos que a verba para o Apoio às Artes fosse no valor de cerca de 86 milhões de euros. Ainda antes de conhecidos os resultados do Teatro propusemos um reforço de 24 milhões de euros. Com este montante estava assegurado o apoio a todas as estruturas de criação artística até 2026. 

Não foi essa a opção do Governo e do PS, nem dos partidos à sua direita. Mas, mais uma vez, PS, acompanhado pela IL, votou contra, com PSD e Chega a absterem-se: são eles os responsáveis pela difícil situação de muitas estruturas culturais. 
São eles os responsáveis pelo insuficiente orçamento para o Apoio às Artes, pela promoção da precariedade e pela desvalorização do trabalho e dos trabalhadores da Cultura, são responsáveis pela redução da actividade cultural e artística no País.

Propusemos, mais uma vez, 1% do Orçamento do Estado para a Cultura. 

A IL, que enche o peito com a suposta censura ao Governo, votou contra, ao lado do PS.

Daqui é bom lembrar, nunca é demais fazê-lo, o que diz a nossa Constituição, no seu artigo 73.º: que é responsabilidade do Estado promover a «democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural».

A Constituição que, dizem os seus detractores, está parada no tempo. Quando, mesmo depois de todos os ataques, continua a ser das mais progressistas do mundo. Quando o seu problema não é estar parada no tempo, mas é ser continuamente desrespeitada. Quando o que faz falta, o que melhoraria significativa e determinantemente a vida das pessoas não é mutilá-la, mas sim respeitá-la e cumpri-la, coisa que não tem acontecido em variadíssimos domínios, incluindo o da Cultura.

A Cultura é um universo cuja riqueza não pode ser confinada a regras do mercado capitalista. 

Apenas uma intervenção pública respeitadora da liberdade cultural está em condições de a assegurar, e essa exige um financiamento adequado, garantindo 1% do Orçamento do Estado no caminho para a atribuição de 1% do PIB, conforme recomendação da UNESCO. 

O Serviço Público de Cultura que defendemos dará aos criadores e aos trabalhadores da Cultura condições seguras de estabilidade e de desenvolvimento do seu trabalho. Reconhecendo e valorizando inteiramente a sua função social.

Combatendo a precariedade, os baixos salários, a insegurança no presente e no futuro, as relações de trabalho desreguladas. Combatendo as falsas soluções contidas no Estatuto do Profissional da Cultura do Governo PS. 

Combatendo a ideia de que uma imaginária excepcionalidade do trabalho nestas áreas justifica todas as arbitrariedades instaladas. Reconhecendo o papel dos dirigentes associativos na Cultura não profissional e os direitos dos trabalhadores desse sector. 

Serviço que dará apoio integral ao trabalho cultural e artístico.

Este sistema de apoio será ampliado com diversas modalidades de acesso ao financiamento, com os benefícios logísticos e técnicos enunciados anteriormente, munido de um plano plurianual de financiamento que proporcione o apoio adequado a toda a actividade artística de qualidade reconhecida, em todo o território nacional, com acesso às bonificações e isenções fiscais próprias do sistema e promovendo uma política de preços acessíveis.

Porá fim ao paradigma do modelo competitivo de financiamento na criação artística, assumindo um modelo de estabilização e regularidade dos apoios, com a definição de objectivos de serviço público, assegurando a descentralização cultural.

O sistema de apoio às artes promoverá a constituição de equipas permanentes onde elas se justificam, o trabalho com direitos, a remuneração integral e justa do trabalho realizado, incluindo o tempo de concepção e preparação.

Nada disto deve ser visto como distante e muito menos utópico. Deve ser visto como uma responsabilidade central do Estado, bem realizável e bem ao alcance das nossas condições e possibilidades.

Daqui reiteramos o nosso compromisso de sempre. De tudo fazermos, em todas as instâncias, agindo, apelando e mobilizando, lutando pela emancipação dos trabalhadores e do povo de todas as formas de exploração, de dominação e de opressão, incluindo as culturais.

Não há nenhuma possibilidade de emancipação social e nacional, não há nenhuma evolução das consciências e da formação colectiva e individual, sem uma aposta decisiva na criação e fruição culturais.

Do que têm medo todos os que procuram travar a criação cultural, do que têm medo todos os que barram o acesso à Cultura?

Cá estamos, convictos da razão que temos, firmes na nossa missão e objectivos, há forças, há criatividade, há saber, há sonho. Se assim é, empenhemos então toda essa força imensa na construção da sociedade a que temos direito.

Empenhem toda a vossa força, toda a vossa criatividade, toda a vossa dedicação à Cultura e ao nosso povo, empenhem tudo isso na vossa arte mas também numa luta que vale a pena.

Podem contar connosco, podem contar com o PCP.