Pergunta ao Governo N.º 1289/XII/1

Anúncio do Encerramento dos Infantários da CP na Parede e Barreiro (distritos de Lisboa e Setúbal)

Anúncio do Encerramento dos Infantários da CP na Parede e Barreiro (distritos de Lisboa e Setúbal)

A Administração da CP comunicou, nos passados dia 11 e 14 de Novembro, aos pais e
trabalhadores dos seus Infantários da Parede e Barreiro, a decisão de encerrar os mesmos «o
mais rapidamente possível», apontando aos pais para que comecem a procurar soluções
alternativas com urgência.
Esta medida é totalmente inaceitável, porque liquidaria mais dois serviços sociais e extinguiria
mais 12 postos de trabalho, mas também porque faz parte de um quadro de liquidação das
empresas públicas, onde para todas as dificuldades o Governo aponta como solução o
encerramento e liquidação de serviços públicos – com a abertura de novas possibilidades de
negócio para os privados.
Num contexto em que a carência de equipamentos e respostas da rede pública para a infância é
absolutamente gritante, estes encerramentos, sem qualquer articulação com as Organizações
Representativas dos Trabalhadores e com as autarquias locais, constituem um exemplo
particularmente clamoroso – e esclarecedor – das opções políticas deste Governo.
Segundo as informações que nos chegaram, a Administração da Empresa apresenta esta
decisão com dois argumentos: a «desproporção dos encargos em causa» e a «falta de vocação
da Empresa para gerir os Infantários». É da mais elementar evidência que, por um lado, nenhum
encargo a este nível é aceitável para quem pretende destruir equipamentos sociais; e por outro
lado, que a “vocação” das empresas em garantir respostas de apoio à infância, aos
trabalhadores e às suas famílias é uma “vocação” que não resulta de nenhum estatuto ou
decreto: resulta das orientações de quem dirige essas empresas e principalmente das pessoas
que lá trabalham.
Aliás, e ainda a propósito de “vocações”, importa aqui sublinhar o seguinte: a vocação, o
empenho, o profissionalismo e o carinho com que as equipas destes Infantários se dedicam a
estas crianças, são realidades concretas que testemunhámos ao longo dos anos na Parede e no
Barreiro. Em várias visitas, contactos, reuniões que promovemos, encontrámos sempre a
dedicação das trabalhadoras e trabalhadores destes equipamentos e soubemos da importância
e da valorização dada pelos pais destas crianças a estes serviços.
Agora, de acordo com informações a que tivemos acesso, há dias a Administração invocou até a
publicação de um diploma legal relativo à instalação e funcionamento das creches para procurar
justificar o encerramento.
Presumimos que se trate da Portaria n.º 262/2011 de 31 de Agosto. Ao que sabemos, a
Administração pretendeu afirmar que esse diploma supostamente obrigaria a C.P. a efectuar
dispendiosas obras na creche, obrigatoriamente no prazo de 90 dias, para ter licença de
funcionamento. Ora, ou se trata de um outro diploma, ou então estamos perante uma
inqualificável mistificação. É que todas as normas dessa portaria que sejam relativas a
condições de implantação, edifícios, acessos, características de materiais e equipamentos,
condições ambientais, instalações e licenciamento das creches são normas cujo âmbito de
aplicação exclui expressamente as creches já em funcionamento (cf. Artigo 2.º, n.º 2 da portaria
citada). Cai assim pela base qualquer argumentação no sentido de supostas restrições legais
que levassem ao encerramento da creche.
O que está à vista é a opção clara no sentido de encerrar equipamentos, retirar apoios, negar
direitos. Essa é que é a “vocação” destas administrações e deste Governo.
Esta situação está a provocar a indignação e a revolta dos pais e encarregados de educação.
Terá sido manifestado aos pais das crianças destes Infantários a “abertura” da Administração da
empresa a analisar eventuais propostas dos pais relativamente a Infantários escolhidos por eles.
Ficou sem resposta a questão de saber por quanto tempo a C.P. iria pagar esses Infantários
escolhidos.
Existem situações que foram abertamente testemunhadas, de trabalhadores que fizeram
escolhas profissionais sobre as suas carreiras e sobre a empresa (CP ou REFER) precisamente
devido ao facto de existirem estes Infantários. Agora estas crianças, filhas e filhos de
ferroviários, que ali são cuidadas, que ali brincam, crescem e se desenvolvem, são sacrificadas
e utilizadas como indicador financeiro para exibir à troika.
Cabe aqui, a este propósito, pela sua importância e oportunidade, citar as palavras transmitidas
por alguém que lida todos os dias com as crianças de um destes Infantários: «A entrada numa
creche é marcada pela adaptação, sendo esta uma etapa fulcral para criar ou estabelecer
vínculos afectivos com os adultos. Trata-se de uma fase delicada tanto para os bebés como
para as restantes crianças, que terão de se adaptar a pessoas estranhas (os novos prestadores
de cuidados) e ambiente. Este processo não se restringe aos filhos, mas também aos pais, que
precisam de estabelecer um vínculo e grande confiança nas pessoas que irão tomar conta dos
seus filhos. Na adaptação analisam educadoras e funcionários e partilham dúvidas, expectativas
e experiencias. Só quando estes se sentem tranquilos é que passam este sentimento aos filhos
permitindo-lhes maior segurança para se acomodarem à nova vida. Deste modo facilita-se o
potencial desenvolvimento da aprendizagem, da socialização, desenvolvimento da coordenação,
da lateralidade, percepção, linguagem, raciocínio lógico, para além de se trabalhar a autoconfiança
e auto-estima.
Quando este processo está efectivado, relembrando que é nos primeiros anos de vida que
relações emocionais afectivas são vistas como as bases primárias mais importantes para o
desenvolvimento intelectual e social da criança, desempenhando um papel de instrumento de
aprendizagem, é dramática qualquer alteração que coloque em risco as relações estabelecidas
e aquisições adquiridas. Uma alteração súbita para uma criança, e pais, pode levar a um estado
de ansiedade, insegurança, choro, dificuldade de re-adaptação e integração num novo
espaço/pessoas. Torna-se difícil fazer com que, as crianças se adaptem a um novo
espaço/pessoas, e voltem a confiar no adulto, tendo este passado a ter características de
inconstância e inconsistências.
Face a estas situações de mudança, a criança reage com grande intensidade e mal-estar, sendo
as alterações vividas de forma sofrida e destabilizadora. Deste modo necessitam de estabelecer
relações que contribuam para o seu desenvolvimento pessoal e para sua organização, não
devendo ser submetidas a mudanças que possam provocar algum tipo de instabilidade
emocional, devendo permanecer na mesma escola durante os primeiros anos de vida. É bom
relembrar que todos os esforços e a atenção de pais e educadores e restantes funcionários
durante esse período têm um objectivo em comum: a segurança e felicidade das crianças.»
Perante este testemunho, apenas uma coisa há a acrescentar. Quando os sucessivos governos
enchem os discursos com votos pios sobre a “promoção dos valores da família”, a “conciliação
da vida familiar com a vida profissional”, a “responsabilidade social das empresas”, quando o
chefe de estado faz em público a pergunta sobre “o que será preciso para nascerem mais
crianças em Portugal”, são decisões como esta que desmascaram da forma mais revoltante a
infinita hipocrisia política dos governantes, o desumano “pragmatismo” de administradores e
mais uma vez a necessidade dos trabalhadores se unirem e mobilizarem em defesa dos direitos,
conquistas e avanços sociais.
Assim, ao abrigo do disposto na alínea d) do Artigo 156.º da Constituição da República
Portuguesa e em aplicação da alínea d), do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da
República, pergunto ao Governo, através do Ministério da Economia e Emprego, o seguinte:
1.Deu o Governo orientações à Administração da CP para violar a lei, na medida em que
tomou esta decisão sem qualquer informação ou auscultação das Organizações
Representativas dos Trabalhadores (aliás, contrariando até a informação prestada à
Comissão de Trabalhadores, em claro afrontamento da lei)?
2.Que contactos foram tidos com as Câmaras Municipais de Cascais e Barreiro? Se os houve,
que opiniões e propostas foram apresentadas pelas autarquias? Se não os houve, como
explica o Governo essa situação?
3.Que avaliação foi feita sobre os impactos desta medida, ao nível técnico e científico, do ponto
de vista dos impactos sobre o desenvolvimento intelectual e social das crianças em causa?
Se não foi feita, como explica o Governo essa situação?
4.Que medidas serão tomadas pelo Governo para pôr cobro a este vergonhoso caminho de
encerramento dos Infantários, que a Administração da CP está a querer impor aos
ferroviários e aos seus filhos?

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