Projecto de Resolução N.º 366/XII/1.ª

Anula o concurso público para a contratação de médicos através de empresas de trabalho temporário

Anula o concurso público para a contratação de médicos através de empresas de trabalho temporário

Para colmatar a grande carência de médicos ao nível dos cuidados de saúde primários e dos cuidados hospitalares, o Governo decidiu abrir um concurso público para o território continental, distribuído por lotes correspondentes aos distritos, para contratar serviços médicos para o Serviço Nacional de Saúde. O referido concurso foi publicado através do anúncio de procedimento nº1921/2012, de 14 de Maio, no Diário da República, nº93, II série.

É o próprio Governo através da sua atuação que promove a instabilidade e a precariedade nas relações laborais, ao contratar empresas de trabalho temporário, para a colocação de médicos nos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde (SNS), desbravando novos caminhos para aumentar a apropriação por entidades privadas de serviços que devem ser exclusivamente públicos em todas as suas dimensões.

Como se não foi fosse suficientemente negativo para o SNS e para a garantia da qualidade dos cuidados de saúde prestados contratar médicos por via de empresas, o Governo determina como único critério de adjudicação – o preço mais baixo. Pura e simplesmente o Governo não contemplou outros critérios de adjudicação que possibilitem aferir a qualidade dos cuidados. Ou seja, não importa a qualidade dos “serviços contratados” pelo Governo, sendo o aspeto relevante o menor custo.

Mas a desresponsabilização do Governo patente neste concurso, embora já por si bastante grave, não fica por aqui. Na documentação referente ao concurso público, o Governo determina que os contratos são por 12 meses, renováveis por iguais períodos até ao limite de 3 anos e permite à empresa contratada a substituição dos médicos, desde que seja comunicado com uma antecedência de 30 dias. O que poderá suceder, aliás como hoje infelizmente ocorre em muitos hospitais que recorreram às empresas de trabalho temporário para a colocação de médicos, é uma enorme rotatividade nos serviços públicos, criando grandes constrangimentos ao nível da sua gestão, mas principalmente prejudicando o estabelecimento uma relação entre o profissional e os restantes profissionais e a instituição. Esta opção é inclusive amplamente criticada pelas administrações hospitalares que não têm outra alternativa que não seja a contratação de profissionais através deste modelo, porque o Governo não autoriza a realização de concursos externos, e com custos mais elevados para o Estado.

Ao nível dos cuidados de saúde primários, o caderno de encargos do concurso define que os médicos têm de efetuar pelo menos 4 consultas por hora e fazer o atendimento pediátrico, sem especificar quais as competências que se pretendem, nomeadamente quanto ao atendimento pediátrico. Incrivelmente, não é exigida a especialidade de medicina geral e familiar para o desempenho de funções nos cuidados de saúde primários. Será que o Governo pretende contratar médicos indiferenciados, desvalorizando desta forma a especialidade de medicina geral e familiar?

Na prática, com este concurso, o Governo dá mais um passo no ataque ao SNS e aos direitos dos médicos. São as carreiras médicas que estão colocadas em causa, carreiras essas que constituem um elemento essencial na salvaguarda e no futuro do SNS. E são exatamente as carreiras médicas, o garante da dignificação e valorização profissional dos médicos do SNS, do tratamento diferenciado e mais adequado a cada doente, ligadas à melhoria do cuidado prestado. No entanto, as opções políticas do Governo são totalmente divergentes, privilegiando o baixo custo, em detrimento da qualidade dos cuidados.

Se o Governo procede à contratação de um número elevado de médicos, sem estarem integrados nas carreiras médicas, externos à instituição, então como garante o reforço do internato médico? Esta é uma das responsabilidades dos médicos do SNS. Se em vez de contratar diretamente os médicos com vínculo à função pública, contrata através de empresas, nem estes médicos asseguram o internato médico, e provavelmente, muito dificilmente se obtém idoneidade formativa em serviços com um número significativo de médicos contratados por este regime. Por esta via, o Governo coloca também em causa o reforço do internato médico nos serviços públicos, fundamental para o reforço da formação de médicos no SNS.

Neste concurso é evidente a preocupação do Governo com os resultados meramente quantitativos, aumentar a dita “produtividade”, sem incorporar mecanismos que avaliem a qualidade e a eficiência do desempenho profissional.

Segundo a Federação Nacional dos Médicos (FNAM), o Governo colocou a concurso cerca de dois milhões e meio de horas por ano, o que corresponde a cerca de 1700 médicos com horário completo, em várias especialidades, demonstrando claramente a enorme carência de médicos no SNS.

Os representantes sindicais dos médicos e a Ordem dos Médicos já manifestaram o seu desacordo com a opção do Governo de contratar médicos sem lhes garantir os seus direitos, degradando ainda mais o SNS.

De uma assentada o Governo retira direitos aos trabalhadores, avança para a destruição das carreiras médicas, da contratação coletiva, do internato médico no SNS, das especialidades médicas, da especialidade de medicina geral e familiar, enfim é mais um passo no desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, permitindo que as entidades privadas tornem a saúde num negócio próspero e altamente lucrativo.
As carreiras médicas são uma garantia do futuro do SNS. Portanto, o Governo ao aniquilar as carreiras médicas, dá mais um passo no desmantelamento do SNS.
Desta forma, a solução apresentada pelo Governo não resolve o problema da falta de médicos, antes agrava as condições para a prestação de cuidados de saúde no SNS. Assim, o PCP propõe a anulação deste concurso público e a contratação dos médicos diretamente pelos estabelecimentos do SNS, integrados nas carreiras médicas .

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projecto de

Resolução

A Assembleia da República recomenda ao Governo que:

1. Anule o concurso público para a celebração de contratos públicos de aprovisionamento para a área da saúde, com vista à prestação de serviços médicos às instituições e serviços do Serviço Nacional de Saúde, publicado pelo Anúncio de procedimento nº 1921/2012, de 14 de Maio, II série do Diário da República nº93.
2. Proceda à contratação dos médicos das várias especialidades, necessários para a prestação de cuidados de saúde de qualidade e com eficiência no Serviço Nacional de Saúde, integrados nas carreiras médicas e vinculados à função pública.

Palácio de São Bento, em 8 de Junho de 2012

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