Pergunta ao Governo

Ameaça de nova degradação das ligações transfronteiriças - Porto/Vigo

A ligação ferroviária entre Porto e Vigo, o serviço Celta, com dois comboios diários em cada sentido, é operada com automotoras UTD592 da Renfe alugadas à CP, numa parceria iniciada em 2013 que inclui a operação do lado espanhol entre a fronteira e Vigo.

Estas automotoras, material velho à data já ‘encostado’ em Espanha, foram então alvo de grandes reparações antes de entregues à CP e repostas ao serviço, mas sempre registaram grandes problemas. À CP cabia a realização da sua manutenção corrente em Contumil.

Importa ter sempre presente que foi o criminoso encerramento da Sorefame, em 2004, que originou estes ruinosos alugueres de quase sucata, em vez da construção de material circulante novo, que poderia e deveria ser construído naquela unidade, se ainda existisse.

Apesar da concorrência do transporte rodoviário privado, a operação entre Porto e Vigo transporta 120 mil passageiros/ano (de acordo com o jornal “Faro de Vigo”) entre estudantes, trabalhadores, turistas e peregrinos.

Contudo, aquelas automotoras estão a atingir o limite de quilómetros percorridos, o que obriga a grandes revisões a realizar em Espanha. Pelo que é noticiado, não existe acordo entre a CP e a Renfe sobre o pagamento destas grandes revisões.

A mesma notícia dá conta de que passará a existir uma automotora da Renfe a fazer a operação entre Vigo e Viana do Castelo e uma automotora da CP a operar entre esta cidade e o Porto. E que esta operação se iniciaria a 17 de Agosto.

A ser verdade, significa que a alteração de serviço entre a fronteira e Viana do Castelo está a ser preparada há muito tempo, pois não se afigura concretizável, em período tão curto, ultrapassar todas as questões formais e técnicas decorrentes do material circulante, da leitura do sistema Convel e da condução por maquinistas espanhóis.

Neste modelo de operação com transbordo em Viana do Castelo, o serviço da CP poderia ser efetuado com material circulante elétrico. As automotoras do serviço do lado espanhol serão a diesel dada a diferença de tensão da alimentação elétrica nos dois países.

Enquanto o serviço ferroviário se continua a degradar-se, o Governo continua a substituir a resolução de problemas pela realização de enérgicas Conferências de Imprensa. Uma questão básica da ferrovia – sem comboios não há ferrovia – parece escapar ao Governo, que continua a não promover a necessária modernização do material circulante ferroviário nacional.

A verdade é que as ligações internacionais do país estão quebradas por absoluta falta de material circulante. E de vontade.

O Sud Expresso e o Lusitânia Comboio Hotel estão suprimidos desde março de 2020 e ainda não há qualquer perspectiva real para serem retomados, apesar da crescente importância em toda a Europa de uma oferta de comboios nocturnos.

A ligação Lisboa – Madrid diurna, que poderia ser iniciada com a conclusão do troço Évora-Caia, não dispõe de material circulante para ser concretizada.

Se até a ligação a Vigo desde o Porto é substituído por uma ligação da Renfe a Viana do Castelo, a oferta internacional de Portugal fica reduzida aos dois comboios diários em cada sentido do Entroncamento para Badajoz na linha do Leste, encerrada pelo Governo PSD/CDS em 2012 e reaberta em 2015.

O que o Governo está a preparar, com a absoluta falta de investimento em material circulante, é que, em poucos anos, todas as ligações ferroviárias internacionais e uma grande parte da rede ferroviária nacional serão operadas pela Renfe e por outras multinacionais europeias, quase todas empresas públicas dos países que ensinam PS, PSD, CDS, IL e CH a liberalizarem tudo em Portugal.

Recordamos que o próprio Ministro dos Transportes do governo de Espanha já declarou publicamente que a Renfe – que recebeu apoios públicos de largos milhares de milhões de euros para aquisição de material circulante, num país que reforçou a sua capacidade produtiva de comboios – irá “operar onde tiver oportunidades”, afirmação que mereceu do Ministro das Infraestruturas a resposta para o soundbite (que a CP também iria operar em Espanha, apesar de não ter comboios e de o governo não a apoiar), mas nenhuma resposta planificada de defesa do interesse nacional (como se estivesse à espera que “o mercado resolva”, como se não fosse evidente o que irá acontecer, também aqui, se as autoridades portuguesas continuarem a abdicar do seu papel na defesa dos interesses nacionais).

Assim, ao abrigo da alínea d) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea d) do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP solicita ao Governo, através do Ministério das Infraestruturas e Habitação, os seguintes esclarecimentos:

1- Qual o ponto da situação da ligação ferroviária do Porto a Vigo?

2- Que medidas vai adotar o Governo para que a CP esteja capacitada para modernizar o seu material circulante por forma a poder dar resposta às necessidades de melhoria da oferta ferroviária – nacional e internacional – e aos grandes investimentos que o país (com uma absurdamente lenta capacidade de execução por via de uma liberalização que destruiu muito do saber fazer nacional) está a realizar na infraestrutura?

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