Intervenção de

Alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo<br />Intervenção de Luísa Mesquita

Sr. Presidente, Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, O País corre hoje, nesta Assembleia, um grave risco: o de ver alterada a organização do ensino superior de uma forma perfeitamente administrativa. Estamos a fazer uma alteração com vista a uma reunião interna-cional, a realizar em Maio de 2005, mas que já está marcada desde 2003. E quer os governos do PS quer os do PSD são grandemente responsáveis pelo estado a que chegámos. Ó Sr. Ministro, o senhor foi Ministro, lembra-se?De 1999 até hoje, tiveram muito tempo para trabalhar. Esqueceram-se, tiveram outras coisas para fazer e não trabalharam! Mas fizeram outras coisas, Sr. Ministro. Fizeram, intramuros, aquilo que não era preciso fazer. Por exemplo: facilitaram a irracionalidade da rede nacional, pública e privada, do ensino superior; ignoraram os 70% de professores com vínculo precário às universidades e aos poli-técnicos. E ignoraram porquê? Porque tinham de responder àqueles que, na defesa de uma política neoli-beral, pretendem transformar o bem público que é a educação num espaço de mercantilização de saberes. Estas eram as medidas urgentes, e não as outras. Inclusivamente, até temos aí alguns «opinadores» que, de vez em quando, já dizem que o que é urgente é que o Partido Socialista altere a Constituição da República Portuguesa e faça desaparecer a educação como bem público e a gratuitidade do sistema educativo. Cá estaremos para ver até onde vai o Partido Socialista! Mas, hoje, seriam precisas soluções e, em vez de soluções, o Sr. Ministro só nos traz problemas. O Sr. Ministro comprou um «fato» em Bolonha mas esse «fato» é curto para os «clientes» que tem em Portugal. O que faz o Sr. Ministro? Corta os «clientes», porque não cabem no «fato»!Ó Sr. Ministro, isso não se faz! Então, Sr. Ministro?! Mais ainda: o Sr. Ministro encontrou alguns «clientes» mais exigentes que precisam de um «fato» um bocado mais comprido e que lhe disseram: «Não, não. Connosco, não! Nós queremos um ‘fato’ mais comprido!». O que fez o Sr. Ministro? Foi a um «saldo», comprou um conjunto de retalhos, acrescentou o «fato» e chamou-lhe «os mestrados integrados». Ó Sr. Ministro, isto não se faz! Não é disto que precisamos no ensino superior! Do que precisamos, Sr. Ministro, não é que o «encurtador» encurte os «fatos» mas, sim, que o ensino superior em Portugal responda às necessidades do País. Por isso, Sr. Ministro, vamos às perguntas concretas, que o tempo é pouco. Para os «clientes» que não cabem nos três e quatro anos que se propõem e que vão fazer mestrados integrados quais são os cursos? Quais são as profissões? E quanto aos que ficam fora destes mestrados integrados, quais são os que o Sr. Ministro escolheu? Mas estes jovens também podem ter acesso a um diploma de licenciatura. Vamos imaginar que é o cur-so de Medicina. Têm acesso a um diploma de licenciatura. Quais são as profissões ao fim dos três anos? Pode dizer-nos? Por outro lado, afirma-se, em determinado momento, na «Exposição de motivos» da proposta de lei, que o Governo quer incentivar a entrada no ensino superior. Pergunto, Sr. Ministro: este incentivo tem a ver com o corte do financiamento dos mestrados não integrados, discriminando negativamente aqueles que querem fazer mestrado. Termino, Sr. Presidente, com a questão da formação de professores. Que tipo de forma-ção quer o Sr. Ministro para os professores, actores estratégicos do sistema educativo? É uma formação menorizada para os educadores e professores do 1.º ciclo, básico, e outra formação para os restantes pro-fessores? E quanto ao politécnico e às universidades? O Governo do Partido Socialista não vai ou não cumprir o Programa Eleitoral do Partido Socialista e o Programa do Governo? Diga-nos «sim» ou «não», Sr. Ministro. Senhor PresidenteSenhores Deputados, Senhoras Deputadas, O governo começou mal em matéria educativa.Ora optou por medidas mediáticas isoladas, sem agenda concretizadora.Ora optou por acções apressadas sem a exigente maturação.Anunciou o governo que no ensino superior vão encerrar-se todos os cursos com menos de vinte alunos.É possível tomar esta medida num país onde PS e PSD facilitaram, motivaram e viabilizaram o actual cenário.Quer através da legitimação de cursos e de estabelecimentos de Ensino Superior Público, sem simultaneamente asseguraram a sua qualidade e o seu financiamento, quer através da autorização de funcionamento de Instituições de Ensino Superior Privadas sem a garantia de existência de requisitos de qualidade e sobrevivência.E não foi por desconhecimento, antes pelo contrário. A abertura de estabelecimentos de Ensino Superior e o diferimento de cursos transformaram-se em material de propaganda eleitoral por todo o território nacional, sem que se avaliassem as consequências negativas para o país e para os jovens e as respectivas famílias que se tornaram alvo fácil de tamanha irresponsabilidade.Mas cumprida a tarefa do gabinete de imprensa do governo e ouvidas as muitas críticas e preocupações dos mais diversos sectores, nada se sabe quanto à agenda para concretizar a medida.Entretanto e de forma inesperada, o governo produz uma proposta de lei para transformar administrativamente o sistema de Ensino Superior que, rapidamente, é aprovada em Conselho de Ministros e, simultaneamente, se propõe para discussão em sede de parlamento, não com o objectivo de identificar as soluções para os problemas conhecidos, não para melhorar os insuficientes números do acesso, comparativamente com a média comunitária, não para encontrar instrumentos de financiamento que sejam capazes de transformar os métodos de trabalho e diminuir as elevadas taxas de insucesso e abandono do sistema, inigualáveis no espaço comunitário.Mas tão só, uma proposta de lei que pretende exclusivamente apresentar algum trabalho de casa numa reunião com os parceiros de Bolonha. Esta reunião de 2005 foi marcada numa Cimeira em Berlim, em Setembro de 2003.Em Junho de 1999, Portugal foi um dos subscritores da Declaração de Bolonha.Na conferência realizada em Praga, em Maio de 2001, alargaram-se os objectivos iniciais e Portugal reafirmou o seu compromisso em implementar Bolonha.Ora, mais uma vez, os Governos do PS e do PSD são os únicos responsáveis pelo não trabalho realizado. Há anos que falam de Bolonha, formam grupos de trabalho, com mais sábios ou menos sábios, ora consideram Bolonha uma imposição ora um processo e nem PS nem PSD quiseram entender Bolonha como uma oportunidade de reflexão e avaliação do nosso sistema de ensino superior, para, a partir daí, operacionalizar as transformações que interessassem ao País e naturalmente facilitassem a mobilidade e o reconhecimento de um Espaço Europeu de Ensino Superior.Ao longo destes anos em que os diferentes governos têm vindo a participar neste processo não foi tomada uma única medida intra-muros para promover a consecução dos objectivos definidos em Bolonha:

  • Mobilidade dos estudantes e diplomados
  • Empregabilidade dos diplomados
  • Maior competitividade dentro do Espaço Europeu e face aos restantes blocos mundiais.

Naturalmente que a dupla agenda do processo de Bolonha não é ausente de polémica e terá contribuído para a dificuldade.Naturalmente que aqueles que só vislumbram vantagens e benefícios neste processo não têm sido capazes de concretizar as acções que deveriam sustentar a sua defesa e por isso, chegámos aqui.Com um texto que propõe à Assembleia de República que aprove a transformação do sistema português de Ensino Superior em 2 ciclos, em que o primeiro visa produzir, com maior celeridade, quadros para o mercado de trabalho e o segundo ciclo passa a constituir, salvo raríssimas excepções de engenharia administrativa, um espaço de formação elitizado, onde ficarão os que puderem e não os que quiserem.Esta operação administrativa tem sobretudo um objectivo de mercado e de redução de investimento público, contrariando um dos pressupostos de Bolonha que propõe aos Estados um maior investimento no Ensino Superior, que sustente a sua qualidade, fazendo notar as diferenças entre as insuficientes disponibilidades financeiras europeias e, por exemplo os esforços Japoneses ou Canadianos.É bom lembrar que segundo dados da OCDE, Portugal mantêm-se no fim da lista do investimento por estudante do Ensino Superior. À nossa frente está a Irlanda, a Finlândia, o Chile, a Hungria, a Eslováquia, o Brasil etc.Atrás de nós só o México, a Indonésia, as Filipinas, o Paraguai e pouco mais.Mas sendo a proposta do Governo de diminuição de anos de formação, de menor responsabilização financeira do estado e de maiores custos para os estudantes e suas famílias, o governo afirma na exposição de motivos que esta é a “oportunidade relevante para incentivar e frequência do ensino superior,”Se hoje já possuímos a mais baixa taxa de diplomação da União Europeia e também a mais baixa taxa de diplomação na área das Ciências e das Tecnologias, o conteúdo da proposta de lei nada tem que possa contrariar estes números, antes pelo contrário.Até porque os diferentes governos e também o governo do Partido Socialista, e por isso indexou as propinas ao salário mínimo nacional, entenderam a formação superior como um benefício individual e não um contributo para a valorização e qualificação colectiva. Como se Portugal não tivesse a mais elevada taxa de licenciados no desemprego.Portugal é um dos países onde é efectivamente mais caro frequentar o Ensino Superior Público e por isso estamos ainda tão longe da democratização deste nível do sistema, ao contrário do que tem vindo a ser dito pelos sucessivos Governos.O percurso da agenda de Bolonha, despoletado em 1998 por quatro países que entretanto subscreveram a declaração de Sorborne, foi um “modus operandi” para legitimar de forma supranacional as políticas que, internamente, obtiveram resistências das instituições, dos docentes e dos estudantes.Todas as reformas que nos últimos anos, também aqui em Portugal se foram produzindo no âmbito do Ensino Superior se encaminharam no sentido de políticas idênticas, pautadas sempre pela exigência da redução de investimento por parte de estado. Hoje, o modelo proposto concretiza esse objectivo:

  • A diminuição da formação superior para permitir, cada vez mais cedo a entrada no mercado de trabalho de profissionais com os perfis desejados à produtividade e à competitividade das empresas;
  • O alargamento do campo de recrutamento dos que forem considerados melhores, segundo itens empresariais, e por isso a necessária mobilidade dos estudantes, quer no espaço europeu, quer mesmo a possibilidade de captação de cérebros originários de países exteriores ao espaço comunitário.

Sujeitar o ensino superior a visões de curto prazo, considerar este espaço messiânico na recuperação da economia é consequentemente impor limitações às missões e às funções sociais que lhe estão consagradas constitucionalmente.Uma das principais missões do ensino superior é a formação de quadros superiores necessários ao desenvolvimento cultural, social e económico do país.Esta formação deve ser da máxima qualidade para todos, devendo ser adoptadas metodologias pedagógicas centradas no aluno para que todos encontrem as melhores condições para o máximo desenvolvimento das suas capacidades.E sendo este o nosso entendimento, o Partido Comunista Português propõe que o objectivo fundamental das alterações a considerar no âmbito do processo de Bolonha, seja a qualidade da formação e da qualificação, a democratização do acesso e da frequência dos cursos de formação inicial e das formações subsequentes.E nesse sentido propomos que, ao contrário da proposta do governo, se aumente o esforço público de investimento global na investigação e ensino superior.Relativamente à formação de educadores e professores, ao contrário da proposta governamental que se limita a fazer cair a denominação licenciatura sem nenhuma explicação, o nosso projecto reforça e consolida essa formação e compromete o Estado com o financiamento de todo o percurso formativo de educadores e professores.O governo e o Partido Socialista não contarão connosco para considerar que os educadores ou alguns professores terão tarefas de menor relevância na economia política educativa.Não aceitaremos que a reboque de Bolonha se subscrevam concepções ultrapassados que entendem a complexidade e a importância do exercício da função docente na razão inversa da idade das crianças e dos jovens.No que se refere ao financiamento e porque o governo em resposta aos ditames da política neo-liberal se propõe diminuir a responsabilidade do Estado, apesar do texto constitucional considerar a gratuitidade do Ensino Superior Público, o PCP propõe que seja garantida a gratuitidade deste nível do sistema até ao final do mestrado e que a frequência dos cursos ou programas de doutoramento, na rede pública, seja comparticipada de forma significativa pelo Estado, considerando o crescente interesse social deste nível de formação.Gostaríamos de chamar a atenção para a discriminação proposta pelo governo no que toca ao financiamento de alguns cursos conferentes de grau de mestre.O Governo excepciona alguns saberes, cujas licenciaturas são hoje de 5 ou 6 anos, propondo que, só nestes casos, a totalidade do percurso seja comparticipada pelo Estado e, simultaneamente, exclui todas as outras áreas de saber com formações temporais idênticas, remetendo para os estudantes e para as famílias os custos financeiros dessas formações.Na nossa opinião, este diferente tratamento conduzirá ao condicionamento de opções estruturais por parte das instituições, quanto à salvaguarda da sustentabilidade financeira, em detrimento do modelo de graus que decorrem do livre exercício da sua autonomia pedagógica e científica.Consideramos que a gratuitidade é um contributo indispensável à democratização do Ensino Superior, num quadro de origens sociais muito diversificadas, de diferentes condições de frequência e sucesso daí derivados e ainda dos elevados encargos associados à frequência do ensino.Referiria ainda uma outra proposta que consideramos determinante na construção da qualidade das instituições e das consequentes formações.O nosso projecto propõe que as condições de atribuição de todos os graus académicos, nomeadamente a qualificação do corpo docente, as infra-estruturas, as tipologias das áreas curriculares, as áreas científicas sejam objecto de regulamentação de aplicação universal a todo o sistema de ensino superior, em cada domínio do saber.Consideramos inaceitável que o Partido Socialista, ao contrário do que afirma nos programas eleitoral e de governo, decida propor uma medida administrativa para atribuição de graus, sustentada pela denominação das instituições e não exclusivamente pela “satisfação de requisitos, exigentes e comuns, de qualidade” como se comprometeu com os portugueses, particularmente com aqueles que são o alvo primeiro desta medida, os docentes e os estudantes do Ensino Superior Politécnico.Diz o PS e o Governo que é por tradição europeia. Não a consideraram quando formularam os programas respectivos. Mas nada é mais falso.Ainda ontem, ouvimos na Comissão de Educação Ciência e Cultura, na audiência com o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, os vários países onde não é recusada a atribuição de todos os graus às Escolas Superiores Politécnicas e outros que optaram por denominá-las Universidades Politécnicas para evitar qualquer tentativa de discriminação e ainda outros que, a propósito de Bolonha, estão a equacionar a hipótese de alargar a todo o sistema esta atribuição, definindo requisitos de exigência e rigor, única medida séria que deverá determinar a atribuição de qualquer grau no Ensino Superior Público e Privado. Senhor PresidenteSenhores Deputados, Senhoras Deputadas, Finalmente e querendo acreditar que os procedimentos propostos para esta discussão não tiveram como único objectivo “despachar” um texto para uma reunião internacional, proponho ao Partido Socialista e solicito ao Senhor Presidente da Assembleia da República o seu empenhamento no sentido de criar condições para uma discussão alargada e participada em sede de Comissão de Educação Ciência e Cultura, o que obrigará a aprovação na generalidade de todos os projectos de lei, independentemente da sua convergência ou divergência com a proposta de Lei do Governo e não a sujeição a uma única visão, necessariamente mais pobre.Propomos exactamente a mesma metodologia aqui defendida por todos os Grupos Parlamentares, quando da discussão de alterações ao mais importante documento legislativo na área da política educativa, a Lei de Bases do Sistema Educativo, ocorrida na última legislatura. É exactamente o que fazemos hoje e numa área tão estratégica para o país – o Ensino Superior.Disse.

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