Intervenção de

Altera a Lei nº 12-B/2000, de 8 de Julho, que proíbe como contraordenação os espectáculos tauromáquicos<br />Intervenção do Deputado Rodeia Machado

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,Ao longo de muitos e muitos anos, Barrancos e a sua população viveram em paz e tranquilidade, prosseguindo uma velha e larga tradição cultural, enquadrada nas suas festas anuais levadas a efeito em Agosto de cada ano.Durante muitos e muitos anos, sucessivos Governos não quiseram saber, se tinham estradas em condições, se a sua população era ou não servida de água e electricidade, se os cuidados primários de saúde eram ali prestados, ou em que condições viviam os seus habitantes.Durante muitos e muitos anos, muitos não quiseram saber se tinham emprego, ou se as suas relações comerciais, económicas e culturais, eram mais ligadas a Portugal ou a Espanha.Barrancos vivia praticamente isolada do resto do País, com as suas especificidades os seus valores culturais, ancorados nas suas vivências tradicionais e ligados de forma permanente ao lado de cá e ao lado de lá da fronteira.A aculturação entre os povos raianos, foi e é ainda um valor em si mesmo, que não pode ser desligado das festas religiosas e populares em Barrancos, que se realizam em Agosto de cada ano o que decorrem de uma vivência colectiva que tem o seu valor próprio.Portugal não é, não foi, nem será nunca um país uniforme nos seus valores culturais, existe mesmo um velho ditado popular que o afirma com uma total frontalidade, "Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso".Quem, como eu, conhece aquela terra, e aquela gente há mais de quarenta anos, não pode nem deve ficar indiferente às suas aspirações e ao seu modo de vivência colectiva.O centro da vila de Barrancos é para aquela população o centro do universo. É ali que se desenvolvem todas as festividades, é ali que é passado o Natal, onde uma enorme fogueira, na praça, com lenha recolhida por toda a comunidade e serve de consolo a todos quantos (e é a grande maioria da população) ali passam a noite da consoada.É ali também, onde decorrem as tradicionais festas de Agosto, em honra de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da vila.Festas de cariz religiosa e popular, cujas tradições se perdem nas memórias do tempo.É também ali, no centro da vila, na praça da vila de Barrancos, onde decorrem os festivais taurinos numa arena improvisada, onde são lidados touros bravos, e que culminam com a morte dos touros na arena.Aquela população é gente ordeira, é gente de paz que preza a sua cultura e as suas festividades, e querer arredá-los da sua matriz popular é, como atrás se disse, negar a sua própria vivência colectiva e a sua cultura muito própria.Respeitamos, naturalmente, as opiniões contrárias às alterações legislativas que hoje aqui estão propostas, mas consideramos que a população de Barrancos tem legitimo direito à sua identidade cultural.Assinale-se no entanto que, muitos dos que agora, legitimamente exprimem estas opiniões, só há poucos anos descobriram Barrancos, só há poucos anos verificaram que existia uma comunidade com usos e costumes diversos e singulares.Em anos seguidos sucederam-se várias iniciativas, até de carácter judicial mas as festas sempre se realizaram, porque a população sempre defendeu de forma ordeira e pacífica, mas também de forma muito firme, a sua cultura e as suas tradições. Só o bom senso da população, dos seus eleitos autárquicos e das forças de segurança, fez com que umas festas pacificas e de raiz popular e religiosa, não se transformassem nos últimos anos numa situação de conflito, de confrontos físicos de contornos inimagináveis.Ninguém conseguiu quebrar a vontade daquela população, nem o fascismo com o Decreto 15 355 de 1928, foi capaz de impedir essa vontade, já que ali nunca se aplicou, caindo em desuso, o que aliás já foi até reconhecido numa decisão judicial.Passo a citar:"Sem necessidade de se determinar se, presentemente, tais touradas são proibidas por lei, mas mesmo admitindo que o sejam, certo é que o legislador, que parece não ter grande reacção contra elas, não se pronunciando com toda a clareza para pôr termo a dúvidas que ainda existam, pode pretender autorizá-las em determinadas circunstâncias excepcionais, nomeadamente em alteração à vontade de alguma população."Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,Face a estas questões, o Grupo Parlamentar do PCP, apresentou na VII Legislatura um Projecto de Lei que visava criar uma excepção para Barrancos, e que subiu para discussão em Plenário da Assembleia da República, conjuntamente com outros Projectos de Lei oriundos dos Grupos Parlamentares do PS e do CDS/PP.Na altura estes Projectos de Lei baixaram à Comissão especializada, sem votação, no sentido de conciliar os textos, o que nunca foi conseguido.Já na VIII Legislatura, o Grupo Parlamentar do PCP voltou a apresentar o referido Projecto de Lei que foi discutido em 16 de Dezembro de 1999, conjuntamente com iniciativas de outros grupos parlamentares, e que não obtiveram vencimento, porque o Grupo Parlamentar do PSD votou contra, e também com votos contra de muitos deputados do Partido Socialista.È justo lembrar a responsabilidade que o PSD assumiu neste processo instrumentalizando a questão de Barrancos, como se o tratamento pacífico da sua especificidade pusesse em causa a autoridade do Estado.Felizmente encontraram um caminho mais sensato.Em 25 de Maio de 2000 o Plenário da Assembleia da República discutiu então uma proposta do Governo para discriminalização de touradas com touros de morte, revogando o Decreto-Lei 15 355 de 1928 criando um regime sancionatório de contra-ordenações e fixando o valor máximo das coimas a aplicar.Em momento posterior, o Governo, através do Decreto-Lei 196/2000 de 23 de Agosto, fixa o regime contra-ordenacional e o valor mínimo das coimas, onde a tradição se tenha mantido de forma continuada e remetendo, para o Governador Civil a determinação e a aplicação dessas sanções.É aliás pouco compreensível que o Partido Socialista, que então no Governo avançou com estas alterações certamente considerando a especificidade de Barrancos (já para não falar em outros projectos de Deputados do PS), se apresente agora numa posição aparentemente fechada a alterações que de uma vez por todas ponha fim à polémica não sei se planeando utilizar esta questão de forma semelhante à que o PSD utilizou no passado.Mas apesar desta alteração logo, na primeira vez que este regime contra-ordenacional, foi aplicado revelou-se mesmo assim desajustado à especificidade das festas de Barrancos. Aí não existem fronteiras entre a denominada Comissão de Festas e a população como também não existe praça de touros, pois o centro da Vila, a via pública, é ela em si mesmo, o centro de todas as festividades.Por tudo isto se torna necessário e urgente uma verdadeira excepção que contemple a especificidade Barranquenha.Mas que fique claro.Defendemos a manutenção da proibição das touradas com touros de morte em Portugal, mas entendemos justificar-se um regime excepcional para o caso concreto de Barrancos, e só para este. E fazemo-lo independentemente das conjunturas políticas locais ou nacionais.Que cada um assuma as suas responsabilidades. Desde há muito o Grupo Parlamentar do PCP, assumiu as suas, ou seja a de estar ao lado da população Barranquenha.

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