Projecto de Lei N.º 28/XII

Altera o Código Contributivo reforçando a protecção social dos pescadores

Altera o Código Contributivo reforçando a protecção social dos pescadores

Exposição de motivos

Portugal atravessa um momento em que se tornou imperioso romper com o caminho de declínio e de abdicação nacional prosseguido há mais de trinta anos pela política de direita do PS, do PSD e do CDS, que estes pretendem prosseguir e agravar, agora abertamente sob as orientações do FMI e da União Europeia.

Uma política desde sempre vinculada aos interesses dos grandes grupos financeiros e económicos nacionais e estrangeiros, e responsável pela grave situação económica e social em que o país e a esmagadora maioria da população se encontram.

Romper com o actual caminho de declínio e de abdicação nacional significa, entre outros importantes aspectos, defender e promover a produção nacional e as potencialidades do país, para possibilitar um crescimento económico sustentável, a criação de emprego, o combate à dependência externa.

Só apostando na produção nacional, no crescimento económico e na justa distribuição da riqueza é que será possível travar e diminuir o endividamento externo. Só apostando em políticas que potenciem e valorizem os nossos recursos, o nosso saber fazer de séculos, como é o caso da valorização do nosso mar e das nossas gentes que a ele estão ligadas pelas suas actividades se conseguirá o desenvolvimento integral do país e da sua economia.

As pescas e a indústria conserveira, a indústria naval, o transporte marítimo e a actividade portuária, a energia, a biotecnologia, tal como o turismo e a defesa e a valorização dos recursos naturais, são alguns dos domínios que, embora não esgotem as diversas dimensões de uma política ligada ao mar, são essenciais para a urgente e necessária resposta às necessidades do país.

Se é justo afirmar que ninguém como o PCP se tem batido pela concretização efectiva de uma estratégia nacional para o mar e de aproveitamento dos seus amplos recursos de forma sustentável em prol das populações e do país, também se impõe denunciar que, pelo contrário, o PS, o PSD e o CDS são os responsáveis pela concretização de uma política de sistemático desmantelamento e destruição das principais actividades ligadas ao mar e de desvalorização das populações que do mar vivem.

A verdade é que foram estes partidos que, revezando-se ao longo de mais de trinta anos, levaram a cabo a destruição e ou desmantelamento da nossa marinha mercante, da nossa indústria naval, das nossas pescas, que deixaram degradar o nosso património marinho, que desvalorizaram e inviabilizaram a necessária investigação científica para um maior conhecimento dos nossos mares, assim como o adequado ordenamento do território, que, em confronto com os princípios consagrados na Constituição da República, cederam, no Tratado de Lisboa, a gestão exclusiva dos nossos recursos biológicos marinhos à União Europeia.

Em 2009 o défice da balança comercial das pescas foi de 1229 milhões de euros, quando, antes da entrada na CEE, Portugal produzia 70 por cento do pescado que consumia, e hoje produz abaixo dos 30 por cento.

A grave realidade e a indefinição e não concretização de uma política nacional integrada para o mar são o resultado de uma política que deixou de colocar no centro da sua acção governativa na exploração dos recursos, nos transportes, na investigação, na segurança, no ambiente e nas actividades económicas, como a pesca, os interesses nacionais e das populações.

É necessária a política patriótica e de esquerda, política que encara o mar e os seus recursos como um importante meio e potencial para o desenvolvimento do país e a resposta às necessidades do povo português, que salvaguarde a soberania nacional relativamente à gestão do seu território, nomeadamente da sua Zona Económica Exclusiva, no quadro de um projecto de real cooperação com outros Estados.

São as dezenas de anos de política de direita do PS, do PSD e do CDS que são responsáveis pela brutal destruição dos meios de produção no sector da pesca, pela progressiva degradação e desmantelamento das frotas, pela acrescida dependência do país em relação ao exterior, pela drástica diminuição do emprego, pela deterioração das condições materiais e a desvalorização do trabalho das comunidades piscatórias, o que provocou o contínuo afastamento e desinteresse por este sector, sobretudo, pelas camadas mais jovens das comunidades que tradicionalmente estavam ligadas à pesca.

Com a política de direita o pescado desembarcado, a frota e os pescadores matriculados foram drasticamente reduzidos, foi drasticamente desmantelada grande parte da capacidade de produção da indústria conserveira, reduziu-se a menos de um quarto a proporção da produção nacional relativamente ao nosso consumo de produtos da pesca, aumentando exponencialmente o saldo negativo da balança comercial de produtos de pesca, com o consequente aumento da dependência do exterior e da nossa dívida externa, desvalorizou-se o IPIMAR e as actividades de investigação científica ligadas ao mar.

Com a desastrosa política de direita do PS, do PSD e do CDS perdeu o sector da pesca, perdeu a pesca costeira e artesanal, perderam as comunidades ribeirinhas, perdeu o país.

Mais recentemente, com a entrada em vigor, em 2011, do Código dos regimes contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, deu-se o culminar de um processo legislativo conduzido pelo Governo PS que veio agravar agrava a taxa contributiva de um conjunto de trabalhadores de actividades económicas débeis, introduzindo novos mecanismos de discriminação dos pescadores, agravando ainda mais a sua já precária situação.

De facto, para além da pesca ser uma actividade economicamente débil, que necessita dos apoios do Estado para compensar os pescadores em alturas de defeso em que estes não podem trabalhar (e que o anterior Governo nunca concedeu), não obtendo qualquer rendimento da actividade pesqueira, mas mantendo a obrigação de contribuir para a Segurança Social, cada vez menos os pescadores conseguem subsistir do produto do seu trabalho face à desvalorização dos preços do pescado, que muitas vezes são vendidos a seis ou mais vezes pelas grandes superfícies comerciais ao consumidor final.

Acresce que os elevados custos com o combustível, que também Governo PS prometeu compensar e não o fez, levam a que muitos pescadores acabem por abandonar a sua actividade, actividade que é um ex-líbris e faz parte da tradição e economia nacionais, por impossibilidade de subsistência.

Ora, e de uma penada, o PS veio impor um regime inadmissível e profundamente injusto relativamente às contribuições dos pescadores para a Segurança Social.

Por um lado, veio considerar que a Base de Incidência Contributiva actual (os 10% de desconto em lota) apenas é aplicável aos inscritos marítimos e, no que à pesca costeira diz respeito, apenas até à entrada em vigor do Código Contributivo.

Tal situação revela bem a falta de diálogo com os pescadores bem como o total desconhecimento da realidade dos trabalhadores inscritos marítimos e daqueles que, não sendo inscritos marítimos, trabalham a bordo das embarcações de pesca nas mesmas condições dos restantes. Com efeito, hoje em dia, há trabalhadores que exercem a actividade a bordo das embarcações de pesca, que não são inscritos marítimos, e que não podem ser excluídos deste regime da base de incidência contributiva. Por outro lado está a criar-se uma discriminação inaceitável entre os pescadores, penalizando aqueles que na pesca costeira venham a embarcar em embarcações que iniciem a sua actividade a partir de 2011, num claro estímulo ao abandono da actividade. Aliás, a realidade demonstra que muitos que exercem a actividade piscatória, têm períodos de intermitência na inscrição, precisamente nas alturas em que não podem pescar, voltando a inscrever-se mais tarde. Com esta legislação, também estes estão profundamente desprotegidos.

Acresce que este Código instituiu dois regimes diferentes: um para a pesca local e outro para a pesca costeira. Para a pesca local, o regime aplicável é o dos 10% de desconto em lota, enquanto que para a pesca costeira este regime apenas se aplicará às embarcações que actualmente estão abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 199/99, de 8 de Junho, deixando de aplicar-se para as embarcações que iniciarem a actividade depois da entrada em vigor do Código.

Ora, a pesca costeira, é constituída por uma multiplicidade de embarcações, tanto no que respeita à sua dimensão (desde os 9 ou 12 metros até aos 25 ou mais metros, embora a dimensão não seja condição necessária para assim ser classificada), como quanto à sua “organização” enquanto empresa, frequentemente não se distinguindo (algumas) das embarcações/empresas da pesca local, mesmo na área em que exercem (de facto) a actividade.

Comummente, tanto em termos internacionais como em Portugal, para outras obrigações/condições tem-se em conta a dimensão da embarcação. Vulgarmente, os 12 ou 15 metros e os 25 metros são dimensões baliza que distingue as embarcações e aquilo a que são obrigadas (equipamentos de segurança, equipamentos de controlo, obrigações laborais, qualificação dos tripulantes, entre outros). Assim, tirando os cerca de 100 arrastões costeiros e igual número mais ou menos de embarcações do cerco (as chamadas traineiras), as restantes (para um total à volta das 8000/9000 embarcações) seriam consideradas, na classificação antiga, embarcações da pesca artesanal. Era a estas, ditas da artesanal, que se aplicava o regime dos 10% de desconto em lota. Tendo esta classificação desaparecido do regime legal, fica por saber se é ou não aplicável a estas embarcações este regime de desconto de 10% em lota.

Assim, o Código não só fechou o regime dos 10% de desconto em lota, como criou uma nova discriminação entre os pescadores, considerando como trabalhadores independentes os proprietários de embarcações de pesca local e costeira, ainda que integrem o rol de tripulação, que exerçam efectiva actividade profissional nestas embarcações e os apanhadores de espécies marinhas e os pescadores apeados, aplicando-lhes uma taxa de 28,3%.

Tal alteração evidencia o alheamento do PS, PSD e CDS-PP da realidade da actividade piscatória e representa um sério agravamento para as condições socioeconómicas dos pescadores e da sobrevivência da própria actividade.

Apesar de todas as dificuldades apontadas entrou posteriormente em vigor o Decreto Regulamentar obrigando a que os proprietários/pescadores procedam ao pagamento do valor correspondente ao 1º escalão obrigatório de incidência contributiva. O que é um facto, é que até ao dia de hoje, as lotas continuam a fazer retenção de 10% do valor bruto do pescado vendido, independentemente da entrega da declaração conforme previsto no art. 34º do referido Decreto Regulamentar, criando ainda maiores dificuldades financeiras às famílias, uma vez que estão a ser tributadas duas vezes.

Os próprios serviços da Segurança Social não conseguem aplicar o regime previsto, criando um autêntico caos na actividade piscatória, ficando muitos pescadores impedidos de descontar face à falta de resposta dos serviços competentes.

Acresce que a injustiça deste regime motivou já lutas massivas dos pescadores, em que foi ainda contestada a obrigação de descontar para a Segurança Social mesmo quando os pescadores ficam impedidos de trabalhar.

Neste sentido, em sede de discussão na especialidade do Código, o PCP fez várias propostas de alteração no sentido da correcção urgente destas normas tão gravosas, propostas que mereceram a rejeição por parte do PS, PSD e CDS-PP.

Desta forma, e no sentido de garantir uma protecção social justa para todos os pescadores, valorizando e defendendo a sua actividade, o PCP apresenta um conjunto de alterações no sentido de unificar os regimes contributivos dos pescadores, incluindo os trabalhadores que exercem actividade profissional na pesca local e costeira, sob a autoridade de um armador de pesca ou do seu representante legal, bem como os proprietários de embarcações de pesca local e costeira, que integrem o rol de tripulação, que exerçam efectiva actividade profissional nestas embarcações, os apanhadores de espécies marinhas e os pescadores e mariscadores apeados, estabelecendo uma taxa contributiva de 29% sendo, respectivamente, de 21% e de 8% para as entidades empregadoras e trabalhadores.

Altera ainda a o valor sobre o qual incidem as contribuições aplicando os 10 % do valor do produto bruto do pescado vendido em lota a todos os pescadores abrangidos pelo regime, com excepção dos trabalhadores e proprietários de embarcações, que exerçam a sua actividade na pesca costeira, em embarcações com 12 ou mais metros entre perpendiculares, em relação aos quais se aplica este regime àqueles que à data da entrada em vigor Código estivessem abrangidos pelo disposto no nº 2 do artigo 34º do Decreto-lei nº 199/99, de 8 de Junho.

Assim, nos termos legais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º
Alteração à Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, que aprova o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social

Os artigos 97º, 98º e 99º do Anexo à Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, que aprova o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, passam a ter a seguinte redacção:

«Artigo 97.º
(…)
São abrangidos pelo regime geral, com as especificidades previstas na presente subsecção, os trabalhadores que exercem actividade profissional na pesca local e costeira, sob a autoridade de um armador de pesca ou do seu representante legal, bem como os proprietários de embarcações de pesca local e costeira, que integrem o rol de tripulação, que exerçam efectiva actividade profissional nestas embarcações, os apanhadores de espécies marinhas e os pescadores apeados.

Artigo 98.º
(…)

1 - A contribuição relativa aos trabalhadores que exercem actividade na pesca local e nas embarcações da pesca costeira com menos de 12 metros de comprimento entre perpendiculares, bem como os proprietários das embarcações das referidas embarcações da pesca local e costeira, que integrem o rol de tripulação e que exerçam efectiva actividade profissional nestas embarcações, corresponde a 10,0% do valor do produto bruto do pescado vendido em lota, a repartir de acordo com as respectivas partes.
2 – [...]
3 - O disposto nos números anteriores aplica-se aos trabalhadores e proprietários de embarcações, que exerçam a sua actividade na pesca costeira, em embarcações com 12 ou mais metros entre perpendiculares, que à data da entrada em vigor do presente Código estivessem abrangidos pelo disposto no nº 2 do artigo 34º do Decreto-lei nº 199/99, de 8 de Junho.
4 –[ ...]
5 -Sem prejuízo do disposto no n.º 3, a base de incidência dos trabalhadores de pesca costeira determina-se nos termos do disposto nos artigos 44.º e seguintes.

Artigo 99.º
(…)
A taxa contributiva relativa aos trabalhadores que exercem actividade profissional na pesca corresponde a 29% sendo, respectivamente, de 21% e de 8% para as entidades empregadoras e trabalhadores.»

Artigo 2º
Financiamento

O financiamento das prestações de protecção social dos trabalhadores que exercem actividade profissional na pesca, na parte deficitária, é assegurado através de transferências do Orçamento de Estado para o orçamento da Segurança Social.

Artigo 3º
Norma revogatória
São revogadas a alínea o) do n.º 1 do artigo 5º da Lei n.º 110/2009, de 12 de Setembro, as alíneas b) e c) do nº1 do artigo 134º, as alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 168º e a alínea l) do n.º 1 do artigo 273º do Anexo à Lei n.º 110/2009, de 12 de Setembro que aprova o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.

Artigo 4º
Repristinação
É repristinado o Decreto-Lei n.º 199/99, de 8 de Junho, alterado pelo artigo 36.º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril.

Artigo 5º
Entrada em vigor

A presente Lei entra em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.

Assembleia da República, em 28 de Julho de 2011

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