Intervenção de

Alargamento da Escolaridade Obrigatória para 12 anos

 

Alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos (terceira alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, e alterada pelas Leis n.º 115/97, de 19 de Setembro, e n.º 49/2005, de 30 de Agosto)

Sr. Presidente,
Sr.ª Ministra,

Parece mentira, mas é verdade que o Governo, ao fim de todo este tempo, acaba por vir, aqui, propor algo que, de acordo com o seu Programa apresentado, deveria ter começado a fazer um esforço para cumprir desde o primeiro dia do seu mandato. Parece mentira até porque este é o Governo que nos últimos anos mais atentou, mais desfigurou e mais subverteu as características essenciais da escola pública. É o Governo que mais atacou a escola pública naqueles que são os seus pilares fundamentais (a democracia, o respeito pelos professores e pelos estudantes), inclusivamente através do desinvestimento dos meios humanos, em particular no plano dos auxiliares de acção educativa.

Hoje, a escola pública está cada vez mais virada para um plano meramente orientado para a formação profissional. Por isso mesmo é que parece mentira que este Governo venha agora, a título eleitoralista, apresentar o alargamento da escolaridade obrigatória para o 12.º ano. Também parece mentira porque ainda há quatro ou cinco meses atrás, quando o PCP apresentou uma proposta para o alargamento ao 12.º ano, o Partido Socialista dizia em Comissão que não era oportuno, mas já percebemos porquê: é que, afinal, o Governo queria ser o dono dessa proposta.

Sr.ª Ministra, esta proposta que o Governo aqui, hoje, nos traz vai implicar mais escolas, mais professores, mais acção social escolar e, certamente, uma diferente política no que toca ao acompanhamento dos estudantes no sistema de ensino, nomeadamente para o seu encaminhamento para o ensino superior, a não ser que, afinal, esta proposta signifique a obrigatoriedade do ensino profissional para aqueles que hoje não andam na escola...! Se é isso, este Governo deve admiti-lo. Ou vai criar os mecanismos para generalizar todas as vias de ensino, permitindo a todos os estudantes que tenham a capacidade para o fazer - e, obviamente, não me refiro a capacidades económicas -, para ingressarem no ensino superior?

Caso contrário, o que a Sr. Ministra aqui hoje no traz é a obrigatoriedade de formação profissional para todos aqueles que não conseguem estudar nas escolas.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresenta hoje a proposta para que se avance para a obrigatoriedade do ensino até ao 12.º ano (projecto de lei n.º 603/X).

Aliás, propusemos essa medida em Outubro, quando o Partido Socialista nos disse que não era «oportuna», o que agora bem compreendemos. Afinal, não era oportuna, não porque não fosse a altura certa para a aprovar, mas porque a proposta não era do Partido Socialista. Curiosamente, poucos meses depois, quando o Primeiro-Ministro anuncia precisamente a mesma medida, ela, automaticamente, torna-se oportuna.

Este comportamento também revela bem o estilo político deste Partido Socialista e da sua maioria: o que importa não é a natureza da proposta, não é o conteúdo, mas a possibilidade ou não da sua capitalização política, eleitoral e partidária.

O que interessou ao PS, neste processo, não foi proceder ao alargamento da escolaridade obrigatória, mas foi utilizar essa proposta como argumento eleitoral.

Só isso explica este comportamento: que o PS critique a iniciativa do PCP para, depois, a apresentar por sua mão e passar a louvá-la e que o PS, muito embora, desde 2005, tenha assumido este compromisso através do seu Programa do Governo, só agora, mesmo à beirinha das eleições, venha anunciá-la. Isso, de facto, denuncia bem o carácter deste Governo, ou ausência dele.

Se este Governo estivesse empenhado em alargar a escolaridade obrigatória no âmbito do seu mandato, teria avançado para a criação de condições de reforço de uma escola pública, gratuita, democrática e de qualidade para todos.

Uma escola que não procedesse à triagem social e que enquadrasse todos, independentemente do seu estatuto social ou económico.

Ora, na verdade, o que vemos? Por um lado, o Governo guardou uma medida estrutural para o final do seu mandato, para quando já não terá possibilidade objectiva de a cumprir mas para quando a pode utilizar como argumento eleitoralista. Mas, por outro lado, e ainda mais grave, este Governo submeteu a escola pública a um processo de desfiguração, transformando-a numa escola pública com duas vias distintas: uma para as elites, que irão para as universidades, e uma outra para os filhos dos trabalhadores e das camadas mais empobrecidas, que são encaminhadas imediatamente para o mundo do trabalho precário, mal pago e sem direitos, talvez com a possibilidade de ingressar num ensino superior desvalorizado por força das políticas deste Governo, o ensino politécnico.

Ora, esta conversão da escola pública num instituto de formação profissional deturpa a sua missão republicana e realiza-se, claramente, à margem da Lei de Bases do Sistema Educativo e da Constituição da República Portuguesa.

Porém, não é no alargamento da escolaridade que residem esses problemas.

Mas, neste momento em que discutimos o alargamento da escolaridade obrigatória, de forma nenhuma poderíamos deixar de fazer este enquadramento.

É com uma perspectiva de forte empenhamento na defesa da actual Lei de Bases que o PCP apresenta esta alteração à lei e que, inclusive, não é contraditória com o alargamento proposto do Governo.

Pelo contrário, solidifica o seu alcance, plasmando esse alargamento na Lei de Bases, coisa que a proposta de lei não faz.

Mas o projecto de lei do PCP vai mais longe: assegura a gratuitidade do ensino obrigatório, independentemente da idade do indivíduo, coisa que o Governo propõe apenas até aos 18 anos de idade.

O PCP entende que o estudante tem direito à escola pública e gratuita, mesmo que reprove, pois são exactamente os filhos dos que menos podem os que mais dificuldades têm em obter sucesso escolar.

As propostas que hoje discutimos, quer a do PCP quer a do Governo (proposta de lei n.º 271/X), apontam, no entanto, no sentido do alargamento.

Por isso mesmo, o PCP estará do lado daqueles que contribuem para o alargamento da escolaridade obrigatória. Mas isso não significa nem poderia significar que o PCP defende esta escola do Partido Socialista, esta escola transformada em palco político de querelas e disputas, esta escola transformada em fábrica ou indústria, esta escola transformada em instituto de formação profissional, anti-democrática, depauperada, sem suficientes auxiliares de acção educativa, sem condições materiais e humanas, desmotivada e cada vez mais submetida aos interesses privados e distante das reais necessidades do País.

Pelo contrário, o alargamento da escolaridade obrigatória deve ser um passo no sentido da democraticidade do acesso ao conhecimento, mas um passo no sentido de uma escola que aposte tudo na eliminação das assimetrias sociais e que rompa com a estratégia deste Governo, que transforma a escola pública num recipiente de jovens para a reprodução das injustiças que se vivem na sociedade.

A escola e a escolaridade obrigatória devem ser os pilares da emancipação de cada indivíduo e do colectivo nacional e não o sustentáculo para a sua submissão aos caprichos de um mercado e de uma sociedade cada vez mais desigual e mais selvagem. Importa, pois, perguntar: obrigatoriedade de que escola? Uma escola para a libertação ou uma escola para reprodução e agravamento das injustiças e desigualdades sociais?

A resposta, da parte do PCP, é clara: uma escola que seja o primeiro patamar de combate à desigualdade, de difusão do conhecimento e de formação da cultura integral do indivíduo. Para isso, é crucial uma ruptura democrática e de esquerda com as políticas destes sucessivos governos - e não ilibamos os anteriores - que concebem o Estado como propriedade sua, é necessária uma ruptura que assuma a escola pública como o principal instrumento de desenvolvimento e de aprofundamento da democracia e do País. 12 anos de escolaridade obrigatória, sim, mas com outra política educativa!

(...)

Sr. Presidente,

Ficou hoje demonstrada a verdadeira intenção desta proposta de lei: é manifestamente eleitoralista no sentido de tentar angariar apoios e profundamente irresponsável. Este Governo tomou posse há quatro anos e o que tem feito para criar as condições para a escolaridade obrigatória até ao 12.º ano?

Exactamente tudo aquilo que não deveria fazer: debilita a capacidade das escolas, ataca os direitos dos professores e generaliza a opção do ensino profissional como se fosse a resolução única para todos os problemas do sistema educativo.

Também é clara a intenção do Governo nesta proposta, quando a Ministra nos diz que não será necessário fazer nada, que tudo está garantido para assegurar a obrigatoriedade da escolaridade até ao 12.º ano, que não é preciso mais escolas, mais professores ou mais auxiliares de acção educativa, que não é necessário investir na formação, que não é preciso absolutamente nada, porque, afinal de contas, tudo já está resolvido.

Ora, basta olhar para o sistema educativo português para perceber que assim não é e que, de facto, o que o Governo aqui nos vem trazer não é mais do que uma declaração de uma intenção, porventura com motivos eleitoralistas, como já referi, mas sem qualquer coerência com a prática deste Governo.

É isso que é lamentável! Também é lamentável que este Governo não garanta a gratuitidade do ensino - porque vai, ao que sabemos, através da bancada do Partido Socialista, rejeitar a proposta do PCP -, não garanta a gratuitidade depois dos 18 anos e não garanta, ainda, a consolidação deste alargamento na Lei de Bases do Sistema Educativo.

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