A agenda da União Europeia


Após a presidência portuguesa da União Europeia, no primeiro
semestre de 2000, a agenda ficou marcada por quatro grandes temas: a aceleração
do processo de liberalizações; a reforma das instituições,
através das alterações aos tratados, com o pretexto da
adesão dos novos países; a preparação do alargamento
a mais 12 ou 13 países, dependendo da evolução da Turquia;
a promessa de uma reforma social tendo em conta conciliar interesses do capitalismo
numa das suas fases mais agressivas e a crescente da luta trabalhadores contra
a perda de direitos adquiridos.

Durante a presidência francesa, no segundo semestre de 2000, a prioridade
foi para a reforma das instituições, de que saiu o Tratado de
Nice, que praticamente não agradou a ninguém, mas marcou mais
uns passos no aprofundamento da integração europeia e do federalismo,
retirando mais um pouco de soberania e diminuindo os direitos dos pequenos países
como Portugal.

É certo que também foi aprovada a Carta dos Direitos Fundamentais
e a Agenda Social. Mas, quanto à primeira, o seu conteúdo é
tão pobre que apenas conta para os federalistas como base de um trabalho
para um preâmbulo de uma tão sonhada Constituição
Europeia. Relativamente à segunda, o máximo que se pode dizer
é que é um enunciado de intenções mais ou menos
vagas, que, no entanto, devem ser utilizadas pelos trabalhadores e forças
progressistas para exigir a sua concretização.

O NÃO irlandês

Quanto à presidência sueca, pouco deixou de concreto. Mesmo no
plano do ambiente, a declaração sobre desenvolvimento sustentável
está claramente ofuscada pela oposição americana ao cumprimento
do Protocolo de Quioto. O facto mais importante durante o primeiro semestre
de 2001 foi aquele que o Conselho menos esperava - o NÃO do povo irlandês
ao Tratado de Nice.

Do Conselho Europeu de Gotemburgo o que se pode dizer é que o que era
fundamental discutir, aprofundar e alterar, foi praticamente ignorado. E refiro-me
não apenas aos problemas que o NÃO do povo irlandês ao Tratado
de Nice levanta, mas também ao sucessivo adiamento de respostas essenciais
para a resolução dos problemas sociais que vivem milhões
de trabalhadores com emprego precário e mal pago ou vítimas de
multinacionais que ameaçam deslocalizar-se para o leste, a Índia
ou o Norte de África, indiferentes à sorte dos trabalhadores da
União Europeia que ficam no desemprego, da displicência com que
se continua a conviver com a situação de pobreza em que vivem
cerca de 50 milhões de pessoas dos 15 Estados-membros e muitos outros
milhões nos países candidatos à adesão.

O que nas conclusões deste Conselho apareceu em destaque foi o "Futuro
da Europa", partindo do princípio que "o alargamento e a globalização
colocam a União Europeia perante grandes oportunidades e desafios",
para referir vagamente a preparação da Conferência Intergovernamental
de 2004 e os esforços que dizem estar em curso, sem os explicitar, visando
reformar e modernizar estruturas e métodos de trabalho de forma a adaptar
os Tratados fundadores da União e as suas Instituições
a novas realidades e às exigências dos seus cidadãos.

Só que esta referência às "exigências dos cidadãos"
é de imediato esquecida quando se referem ao NÃO da Irlanda ao
Tratado de Nice. Aí, limitam-se a confirmar as conclusões do Conselho
"Assuntos Gerais", realizado no Luxemburgo a 11 de Junho, onde, como
se sabe, excluíram qualquer hipótese de reabrir as negociações
em torno do texto assinado em Nice, embora tivessem reafirmado as disponibilidades
para contribuir por todos os meios para ajudar o povo irlandês a encontrar
uma via de saída, mas, apenas, depois de reafirmar que o processo de
ratificação do Tratado de Nice prosseguirá por forma a
que a União esteja em condições de receber novos Estados-membros
a partir de 2002. Como se a adesão dependesse do Tratado de Nice e a
posição do povo irlandês não tivesse qualquer valor!

A verdade é que o alargamento serve de pretexto para alterar os Tratados
da União Europeia no sentido do aprofundamento da integração
europeia, de maior centralização do poder à custa dos pequenos
países. No entanto, é sabido que nada impede que adiram novos
Estados sem as alterações de Nice.

Mas, por outro lado, o Conselho Europeu de Gotemburgo, realizado alguns dias
depois do NÃO no referendo da Irlanda sobre o Tratado de Nice, demonstrou
que os responsáveis políticos da União Europeia não
retiraram todas as consequências políticas desta importante decisão.
Ora, em democracia, os resultados de um acto como este devem ser respeitados.
Logo, é necessário rever o conteúdo das alterações
ao Tratado, aprovadas em Nice, e não insistir num rápido novo
referendo com pressões de vária ordem para que o povo irlandês
mude a sua posição.

Igualmente não é aceitável insistir na aceleração
do processo de integração federalista da União Europeia,
como recentemente também aconteceu com a votação no Parlamento
Europeu, do relatório co-assinado pelo ex-deputado socialista António
José Seguro, pondo em causa aspectos fundamentais da soberania nacional
e os interesses dos pequenos países.

O referendo da Irlanda demonstrou que é cada vez mais importante que
se insista num novo rumo da União Europeia alicerçado no respeito
pela cooperação entre Estados soberanos e iguais, na promoção
da paz e na resposta às principais necessidades das populações,
na defesa de uma maior coesão económica e social e no efectivo
combate à pobreza e à exclusão social, respeitando a posição
maioritária dos povos.

A actual presidência belga

Sendo certo que mudança semestral da Presidência da União
Europeia lança um conjunto de expectativas relativamente às prioridades
do governo que assume tal responsabilidade, no início deste semestre
coube à Bélgica apresentar um programa que o próprio primeiro-ministro
belga considerou ambicioso, dado o momento reconhecidamente difícil que
se vive depois do Não irlandês ao Tratado de Nice, mesmo que o
procurem desvalorizar, das pressões dos países da adesão
para que os responsáveis comunitários assumam as suas promessas
e compromissos, e promovam o alargamento, e das crescentes manifestações
de desagrado que as políticas neoliberais provocam nos trabalhadores
e em cada vez mais vastos sectores da sociedade.

Mas quando se lê o programa e se ouvem as declarações do
responsável belga, a sensação que fica é que vamos
ter mais do mesmo. Uma das suas principais ambições refere-se
à chamada reforma das instituições. Daí que a primeira
das seis linhas de força identificadas pela presidência seja o
aprofundamento do debate consagrado ao futuro da Europa, de forma a que, no
final da presidência, haja a Declaração de Bruxelas-Laeken
pronunciando-se sobre a agenda dos debates relativamente ao futuro da Europa,
o método que será utilizado e o calendário. Naturalmente
que outra linha de força, embora sintomaticamente apenas indicada em
último lugar, é o alargamento da União Europeia.

A presidência belga assume que gostaria também de alargar a agenda
da nova conferência intergovernamental, rediscutir a repartição
de competências entre a União Europeia e os Estados-membros, embora
acrescente que isso não pode significar uma paralisia da dinâmica
da integração. Pelo contrário. E, de facto, no documento
que apresentou, lá aparecem claramente os objectivos de conseguir a criação
de uma política de defesa comum, a elaboração de uma política
externa comum, e, ainda, uma política comum em matéria de asilo
e de imigração. Aliás, uma outra linha de força
do programa da presidência é, exactamente, a criação
de um espaço europeu de liberdade, de segurança e de justiça.

Não restam, pois, dúvidas que a posição do povo
irlandês continua a ser ignorado e que o caminho que a presidência
belga se propõe seguir é o aprofundamento da integração
europeia, na via federalista, à custa da soberania dos Estados e da sensibilidade
dos seus povos, o que, de qualquer modo, apenas avançará a partir
da presidência espanhola e após a resolução da questão
irlandesa.

As três outras áreas que são, igualmente, consideradas
linhas de força da presidência belga, referem-se ao que chama a
promoção de um crescimento económico durável e de
uma política económica comum, a promoção de um desenvolvimento
durável e da qualidade de vida, a melhoria da qualidade do emprego, a
promoção da igualdade de oportunidades e a luta contra a exclusão
e a pobreza.

Mas não esqueçamos que prossegue a intensificação
altamente perigosa da extensão das liberalizações a sectores
sociais, para beneficiação dos sectores financeiros e do capital
especulativo bolsista, sobretudo através de um ataque frontal ao sistema
público da segurança social, sob o título de "reforma
do sistema de pensões", embora acompanhada de alguns paliativos
que reflectem as preocupações com o crescente descontentamento
social.

Veremos a importância que cada uma destas áreas vai ter na prática
política. No entanto, não será difícil adivinhar
que a questão da preparação da entrada em circulação
do euro, em Janeiro do próximo ano, vai dominar as atenções,
a que se junta a tentativa de nova ronda das negociações no âmbito
da OMC - organização mundial do comércio e as consequências
do previsível arrefecimento da economia com reflexos negativos no emprego
e na qualidade de vida das populações, o que poderá obrigar
a recuos ou cedências no plano social, conforme a evolução
da luta dos trabalhadores.

Daí a importância que deve merecer o acompanhamento da definição
de indicadores sociais e do conceito de emprego de qualidade, a execução
da agenda social e a concretização do programa comunitário
de incentivo ao combate à exclusão social.

Quanto ao desenvolvimento sustentável, tão propalado pela presidência
sueca, mas que, afinal, não passou de princípios mais ou menos
vagos nas conclusões de Gotemburgo, veremos se a presidência belga
consegue especificar algumas acções concretas e objectivos quantificados
aplicáveis a um desenvolvimento sustentável, antes da Cimeira
Europeia da Primavera que se realizará em 2002, em Barcelona, bem como
os passos no cumprimento dos objectivos no quadro do Protocolo de Quioto.

Ilda Figueiredo