Acordos de gabinete<br />Artigo de Euclides Pereira no &quot;Avante!&quot;

Pouco interessados em tratarem convenientemente dos reais problemas que afectam milhares e milhares de trabalhadores, de reformados e pensionistas - ataque aos salários, direitos laborais e segurança social, despedimentos na função pública, aumentos generalizados de bens e serviços essenciais, etc. - insistem em trazer para a primeira fila do debate político a «reforma do sistema político» com o estafado argumento da necessidade de reganhar os portugueses para acreditarem na política e de se criarem condições de estabilidade ao funcionamento das instituições democráticas, etc.; aí estão, mais uma vez cozinhados nos segredos dos gabinetes, acordos entre o PS e o PSD e, segundo tudo indica, com ligação ao PP no sentido de se alterarem leis fundamentais do regime democrático como sejam, entre outras, a Lei dos Partidos e a Lei de Financiamento dos Partidos e das Campanhas Eleitorais. Quanto à Lei de Financiamento dos Partidos e das Campanhas Eleitorais, as opiniões que ultimamente se têm publicamente manifestado, no sentido de que o financiamento dos Partidos e das campanhas eleitorais deve ser «exclusivamente público», «maioritariamente público» ou ainda «financiamento público claro e cada vez mais forte», tendem, a nosso ver, a criar condições para uma cada vez maior intromissão do Estado na vida interna dos Partidos, o que é de todo inaceitável. Tentativas que visem acabar ou simplesmente limitar que os Partidos políticos disponham de possibilidades para, de acordo com o que está actualmente legislado e com as suas capacidades de organização e militância dos seus filiados, manterem um financiamento próprio, ou ainda, como alguém recentemente defendeu, que seja reposto o financiamento dos Partidos por empresas, não podem deixar de merecer da nossa parte a mais veemente oposição. É compreensível que para o PS e o PSD a questão do financiamento «exclusivamente público» ou ainda «financiamento público claro e cada vez mais forte» seja uma questão importante, uma vez que o essencial das suas receitas advém já do financiamento público. O que é inadmissível é que o pretendam impor aos outros, em particular ao PCP, Partido que faz da acção e intervenção de muitos milhares de militantes na promoção de centenas de pequenas e grandes iniciativas de carácter político-cultural e do pagamento regular das quotizações, a origem fundamental da recolha dos meios financeiros indispensáveis para fazer face à sua ampla e intensa iniciativa política para dar voz às aspirações dos trabalhadores, para construir uma autêntica alternativa da esquerda para Portugal. Ou, ainda, da postura ímpar de centenas de militantes e simpatizantes do Partido que, sendo eleitos para exercerem cargos públicos por indicação do Partido, o fazem sem dela retirarem benefícios pessoais, contribuindo anualmente com muitos milhares de contos, cumprindo assim o honroso princípio estatutário, segundo o qual os eleitos para cargos públicos «não devem ser beneficiados nem prejudicados financeiramente por tal facto». Lei actual serveA actual legislação (lei 56/98 com as alterações introduzidas em 2000 e 2001) responde no fundamental a muitas das preocupações - umas sinceras outras nem tanto - que têm vindo a público. Define claramente o que são receitas próprias (quotas e outras contribuições de filiados, contribuições de representantes eleitos em cargos públicos, subvenção pública, produto de actividades de angariação de fundos, etc.). não lhes impondo, e bem, qualquer limite, salvo no que respeita às receitas de angariação de fundos; deixa claro o que são financiamentos privados (donativos de pessoas singulares e produto de heranças e legados). impondo, e bem, limites aos donativos. Ao impor limites às receitas de angariação de fundos abriu, e bem, a possibilidade de Partidos que como o PCP se apoiam nos seus militantes e nas suas organizações para angariarem os fundos necessários à sua actividade política, promoverem a realização de iniciativas de angariação de fundos que envolvam a oferta de bens e serviços, exigindo mecanismos apertados de controlo, nomeadamente impondo o registo das receitas e da despesas em contas próprias para efeitos de fiscalização. Proibiu, vindo finalmente ao encontro do que o PCP sempre defendeu, o financiamento dos Partidos por pessoas colectivas nacionais ou estrangeiras (empresas). No que respeita ao financiamento das campanhas eleitorais, as principais questões que devem ser colocadas passam, a nosso ver, pela necessidade de reduzir os limites das despesas e de se encontrar soluções que impliquem que os gastos efectuados no chamado período de pré-campanha sejam incluídos nos limites que a lei já impõe. Sem excluir que a actual legislação possa ser melhorada, o que é necessário e indispensável é que ela seja cumprida, sendo neste aspecto de lembrar a quem hoje demagogicamente fala muito em transparência e na necessidade de se conhecer claramente a origem das receitas, que o PCP é o único grande Partido que, como o próprio Tribunal Constitucional tem reconhecido em sucessivos acórdãos, tem apresentado contas consolidadas nacionais e globais, permitindo assim à empresa privada de auditoria, a quem o TC anualmente encomenda a fiscalização das contas partidárias, uma percepção clara da origem das receitas e de como estas são aplicadas.

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