A Quinta dos Ingleses começou por ser uma área integralmente classificada pelo Instituto Português do Património Arquitetónico (IPPAR), ficando depois essa classificação reduzida ao Colégio e à Alameda, com uma zona de proteção abrangendo toda a Quinta. Numa terceira fase, a zona de proteção foi reduzida para 50 metros contados a partir do seu perímetro exterior e, finalmente, foi totalmente eliminada.
Ao longo dos anos, a Quinta dos Ingleses tem enfrentado sucessivos atos de desvalorização e destruição, desde logo a referida desclassificação do Património Histórico e Arquitetónico; o descaso pelos vestígios da muralha da Terceira Linha de Torres, que protegia a entrada na barra do Tejo, e serviria para proteção de uma eventual retirada das tropas britânicas; ou ainda a desanexação das áreas de Reserva Agrícola Nacional (RAN) e de Reserva Ecológica Nacional (REN).
Foi ainda um importante fator neste processo o traçado e a construção da sobredimensionada EN6/7, em 2000 (só legalizada em 2014), destruindo a maior mancha de pinhal da Quinta dos Ingleses, e contrariando normas técnicas elementares, que determinavam que não fosse traçada sobre o leito de cheia da ribeira, e muito menos a cota inferior, bem como ferindo o decidido na 41.ª Assembleia Geral da Verband der Europäischen Landwirschaft (Cardiff - Dez 1989), que aprovou uma recomendação que preconiza ser necessário utilizar o mínimo possível de terras para a construção de estradas e autoestradas, devendo ser dada preferência à melhoria das estradas existentes e não à construção de novas.
Acresce ainda o início das obras do empreendimento com o corte de um grande número de árvores, destruindo o ecossistema existente e uma grande movimentação de terras para supostamente construir um parque de estacionamento.
Esta urbanização desproporcionada com 5, 6 e 7 pisos (+1 recuado) acima da cota soleira e com 4 e 5 pisos abaixo da cota soleira, caso se concretize, provocará a impermeabilização de mais de 70% do solo da área em questão e irá interferir do ponto de vista hidrológico no ciclo da água. Com a descida do lençol freático, é previsível a intrusão de água do mar, contribuindo para o agravamento escassez de água doce.
Também, e ao contrário do que é afirmado na Memória Descritiva e Justificativa do Loteamento, apesar de estar previsto para o parque de estacionamento um pavimento em brita, isso não impedirá a impermeabilização. De facto, a compactação provocada pelo peso que irá suportar determinará a compressão e a diminuição do espaço poroso do solo, provocando seguramente a sua impermeabilização.
De nada adianta igualmente deixar o solo aparentemente permeável e construir pavimentos no subsolo, pois a água da chuva tem de se infiltrar sem qualquer impedimento até ao lençol freático.
Por outro lado, ficou ainda esquecida a concretização do Museu do Cabo Submarino, em memória do seu percurso histórico desde 1870, quando Portugal, pela primeira vez, ficou ligado ao Reino Unido por Cabo Telegráfico Submarino, entre Carcavelos e Porthcurno, na Cornualha.
Enquanto outros países investem na preservação da memória histórica dos lugares, na proteção da orla costeira e na renaturalização de áreas de risco, em Cascais expõe-se a fragilidade do sistema de ordenamento do território autorizando empreendimentos imobiliários em zonas históricas e vulneráveis, como a Quinta dos Ingleses.
Acresce ainda que, a 18 de junho de 2021, foi aprovada na Assembleia da República a Resolução n.º 208/2021 (publicada no Diário da República nº 138/2021, Série I de 2021- 07-19), que recomenda ao Governo a salvaguarda e a valorização ambiental e patrimonial da Quinta dos Ingleses, assegurando o seu equilíbrio com o restante ecossistema urbano e ambiental.
Assim, e ao abrigo da alínea d) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa, e nos termos e para os efeitos do artigo 229.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP solicita os seguintes esclarecimentos:
1- Que medidas tomou o Governo no sentido de proteger a Quinta dos Ingleses e dar cumprimento à Resolução da Assembleia da República n.º 208/2021, de 19 de julho?
2- Qual o estado de implementação do terceiro ponto da Resolução da Assembleia da República n.º 208/2021, de 19 de julho, que prevê a classificação da Quinta dos Ingleses como Paisagem Protegida?